Antes que o esqueçam, Edy Star narra trajetória em filme que reitera legado: 'Não me dou essa importância'
Artista brasileiro revisitou a própria história e pioneirismo em 'Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star' e em entrevista à Rolling Stone Brasil
Após estreia no Festival Mix Brasil, Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star chega aos cinemas nesta quinta-feira, 28. O filme dirigido por Fernando Moraes retrata a trajetória de Edy Star, pioneiro do Glam no Brasil, com relatos do próprio artista e outras estrelas da música, como Caetano Veloso e Zeca Baleiro.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Edy afirmou que nunca se colocaria contra a produção de um longa-metragem sobre si: "Quem quiser fazer, faça". Ele, porém, também nunca tomaria "a iniciativa de escrever um livro biográfico ou de fazer um filme" contando a própria história.
Eu estou curioso para ver a reação das pessoas. E ainda tenho medo de ver a reação das pessoasdiante desse documentário. Será que a minha história mereceestar na tela do cinema?
Nascido em Juazeiro, o artista se mudou com a família para a capital baiana ainda na juventude. Naquela época, a Bahia era moradia de nomes que se tornariam mais conhecidos que o de Edy, como Raul Seixas — com quem formou a Sociedade da Grã-Ordem Kavernista — e Gilberto Gil, com quem divide a autoria de "Procissão".
Mais tarde, foi a vez do Rio de Janeiro oferecer oportunidades artísticas a Edy, que ocupou a Praça Mauá com shows subversivos em boates. Ele passou pelo circo, pelo teatro, pela música e chegou até mesmo a ser artista plástico, mas questiona seu legado.
Lançou o primeiro disco, Sweet Edy, em 1974. Na obra, ele interpretou músicas compostas especialmente para ele por Veloso, Gil, Erasmo Carlos, Moraes Moreira, entre outros famosos da música popular brasileira. O álbum, no entanto, foi um fracasso de vendas. Pouco depois, em 1975, participou da montagem brasileira de The Rocky Horror Show, peça escrita por Richard O'Brien.
Durantes as gravações para o documentário de Fernando Moraes, Edy se juntou a Zeca Baleiro em um estúdio para dar vida a Cabaré Star (2017), disco em que homenageia colegas da música e até recebe alguns deles para parcerias.
"Agora, quanto à minha ideia de posteridade, realmente eu não tenho. Eu não acho que fiz nada importante. Eu sou todo medíocre: eu sou um cantor medíocre, eu sou um pintor medíocre... Eu sou todo medíocre.Eu não tenho um disco, uma parada de sucesso, uma música de novela", refletiu durante entrevista.
Edy assumiu a homossexualidade na década de 1970, meados da ditadura militar no Brasil. "Sempre fui uma pessoa que lutou pelos direitos, porque eu era um gay, né?", admitiu. No mesmo período, ele tentou suicídio duas vezes — uma por problemas amorosos e outra porque "tinha dificuldade de encontrar trabalho".
"O trabalho estava rareando, era uma mudança no Rio. Acabaram os conjuntos musicais... E estava difícil de encontrar trabalho. Eu estava trabalhando,mas trabalhava por muito pouco", lembrou.
"Depois tinha as dificuldadescom a Polícia Federal, fui uma pessoa muito manjada. Fui à Polícia Federal, à censura federal,três vezes, e, na última, já eram os princípios dos anos 90,já tinha acabado a ditadurae as pessoas ainda me censuravam pelas coisas que eu dizia, pelas músicas que eu queria cantar."
Edy continuou: "Isso me fez ir embora do Brasil. Passei 24 anos lá fora. Claro que vinha sempre ao Brasil para passar o Carnaval,e voltei com amor,mas medo de morrer. Hoje eu não penso em suicídio,eu quero viver. Depois que você escapa de um câncer..."
Ao descobrir um câncer, o artista buscou tratamento na Espanha, onde viveu por duas décadas. "Se fizesse o tratamento aqui, ainda estaria na fila,esperando uma brecha para fazer o tratamento. Lá, não.E fazia o tratamento de graça,porque eu tinha acabado de receber a minha nacionalidade espanhola", justificou.
Hoje, Edy não pensa mais em suicídio e, na verdade, admitiu que tem medo de morrer: "Eu tenho medo de morrer. Sei que é inevitável,mas eu tenho medo de morrer.Eu tive medo do câncer, porque eu sou de uma geração que,se você está com câncer, significa que você vai morrer daqui a 15 minutos".
"Eu tenho medo de outras coisas. Tenho medo de apanhar, medo de cair —depois da morte do Agnaldo Rayol...", acrescentou, dizendo também que entende que pode desenvolver um novo câncer.
A incerteza em relação a emprego e dinheiro já não são motivos de dor de cabeça ou ideações suicidas para Edy. Ele revelou que não recebe a aposentadoria há seis anos — "e ninguém sabe o porquê": "Então, eu tenho que subir ao palco e cantar. Eu faço show em homenagem a Sérgio Sampaio, em homenagem a Caetano, em homenagem a Raul Seixas..."
Não recebo dinheiro,mas em compensação eu tenho um cerco de amigos. A qui em São Paulo, eu tenho quatro ou cinco amigos,e eu saio e me divirto, vou jantar, eu vou assistir a shows. I sso não me desespera. É claro que eu vejo a minha conta bancária diminuindo, de repente eu faço um show, a conta bancária volta para o lugar... Você entende? E dá para viver mais três meses... Na minha idade, não dá mais para se desesperar. [A morte] já está tão perto... Para que encurtar? Ela vem na hora certa.
Berço de grandes vozes brasileiras, a Bahia não serve mais como casa para Edy — embora ele ainda volte ao estado para visitar familiares. Segundo o músico, "o único lugar vivível, que se pode morar realmente no Brasil, é São Paulo", onde ele mora desde 2014, quando retornou da Europa.
"O lugar que você morou,não volte mais, porquea rua não é a mesma,o bairro não é o mesmo,as pessoas não são as mesmas, as situações não são as mesmas...", recomendou. "O melhor lugar do mundo é aquie agora:é São Paulo. Não vou dizer que São Paulo é uma maravilha. Meu quartel-general é São Paulo... Os meus amigos já não estão mais vivos, nem lá [Bahia], nem no Rio de Janeiro."
Aos 86 anos, Edy imagina o próprio fim: o vaso sanitário. Apesar do Rio São Francisco, que abarca Juazeiro, parecer um bom destino para suas cinzas, o artista pediu que elas sejam dispensadas na privada mais próxima.
"Ser xingado depois de morto?", disparou, argumentando que não quer que suas cinzas estraguem o cabelo de quem ficar responsável por seu descarte.
Eu não me dou essa importância. Te juro, eu não tive a intenção de entrar para a posteridade. Eu não tive a intenção de ser um grande artista. Eu nunca lutei muito por isso. Metade das coisas que vieram caíram no meu colo. Claro que eu quero fazer sucesso. Claro que eu quero fazer uma coisa boa. C laro que eu quero fazer teatro. Claro que eu quero cantar. Mas eu não lutei muito para essas coisas, não. Essa posteridade, não é que eu recuse. Quando vier, e s e vier, veio. Mas eu não me preparei e não lutei para, quando eu morrer, deixar um legado nos meus quadros, nos meus discos. Não! Eu estou vivendo, minha filha. Eu apenas estou vivendo.
Desde sempre desinibido, Edy não ficou acanhado quando o assunto foi sexo. "Entrou o rato na ratoeira... Estou aqui para o que der e vier,mesmo que o que vier,não der. A chama ainda não apagou. A gentenão toma Viagra, faz o que é possível", afirmou.
"Eu não quero ninguém maispara sexo, quero somente que gostem de mim, que não dependam do meu PIX. Não posso ter bicholô", brincou. "Bicholô é gigolô de bicha. É o meu neologismo. Pronto! Vou deixar para a posteridade o meu neologismo: bicholô — gigolô de bicha."