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‘Aos Olhos de Ernesto’ faz retrato emocionante de velhice

Uma entrevista com a diretora Ana Luiza Azevedo e com a atriz Gabriela Poester sobre o longa nacional que conta a história de Ernesto e Bia

21 set 2020 - 09h00
(atualizado às 09h53)
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Um filme para se pensar a velhice de forma avassaladoramente honesta e afetuosa. Aos Olhos de Ernesto é de tamanha beleza, simplicidade que perdura em você como as ondas em um lago, após o choque de uma pedra lançada por alguém. O filme de Ana Luiza Azevedo deixa uma marca. 

Ernesto e Bia. Uma parceria pouco provável
Ernesto e Bia. Uma parceria pouco provável
Foto: Fabio Rebelo / Divulgação

Em Aos Olhos de Ernesto, Jorge Bolani é Ernesto. Um senhor fotógrafo aposentado de 78 anos que vive só e enfrenta as limitações de sua idade avançada. Não enxerga mais direito e tem dificuldade em se locomover. A insistência na solidão e os grandes silêncios são ora ocupados por interações, hilárias e implicantes, com o vizinho, e por pequenos passeios pela vizinhança. Até a chegada da Bia (Gabriela Poester). Uma jovem de 23 anos, que não inspira confiança, mas de alma igualmente solitária. Suas vidas se encontram e Ernesto passa a perceber a sua velhice a partir dos olhos dessa jovem. 

Tantos temas são tratados desse encontro que mostra uma jornada do resgate da alegria do viver, uma “declaração de amor” ao Uruguai, como conta a diretora, e um testemunho honesto de uma fase renegada da vida humana: a velhice. Um filme lindo, um aprendizado em audiovisual. Para falar mais sobre os bastidores do longa, que estreou nas plataformas, o Terra conversou com a diretora e roteirista Ana Luiza Azevedo, e também com a atriz Gabriela Poester, que dá vida à Bia

Aos Olhos de Ernesto está disponível nas plataformas Net Now, Vivo Play e Oi Play, pelo Canal Brasil e também nos serviços de drive-ins e cinemas do Rio de Janeiro (drive-in Cinesystem: de 5ª a 4ª, às 22:30); de Brasília (Cineflix JK: sessão diária às 20:05) e Belém (Cinema Moviecom: sessões diárias às 16:50 e 20:10). Confira a seguir a entrevista. 

Terra: Como foi o início desse projeto? 

Ana Luiza Azevedo:

Já faz um tempo que eu tenho trabalhado com essa temática. Lembro quando eu fiz 'Dona Cristina Perdeu a Memória', que é uma relação de uma senhora de 80 anos que mora num asilo e que se relaciona com um vizinho, que é um menino de 8 anos. Essa troca deles, em uma tentativa de manter a memória... eu acabei participando de muitos encontros. Tu vira meio aquela entendida do assunto. E então as pessoas me contavam uma história ou outra, é muito engraçado. E ao mesmo tempo, quando eu estava fazendo outro filme, o Fábio del Ré, que é um fotógrafo, me contou a situação do pai dele, que também era um fotógrafo. E ele viveu nessa situação de limitação por causa de uma cegueira. Ele era uma pessoa muito autônoma, vivia sozinho, e naquela situação, estava sendo difícil, porque ele não estava aceitando a limitação. Ele também tinha uma correspondência com a irmã que ele já não conseguia manter. E aquilo eu achei... me instigou a contar essa história, a criar essa história com um personagem que estivesse vivendo essa situação. Porque a velhice é um momento que é muito rico e ao mesmo tempo te provoca e faz tomar decisões de como você quer viver a tua velhice, e enquanto tu vive limitações que não dependem de ti. Você não tem escolhas, às vezes. E ficar cego não é uma escolha, dificuldade de caminhar não é uma escolha, a escolha é como viver esse momento da vida. E isso é muito dramático e então é um prato cheio para a dramaturgia. É muito rico para a dramaturgia.

Gabriela Poester: Esse convite chegou em um momento muito especial da minha vida. Eu tinha descoberto um câncer em 2018, um câncer de mama e eu estava pronta para começar um tratamento, eu ia fazer quimioterapia, cirurgia e Ana Luiza Azevedo (diretora e roteirista de Aos Olhos do Ernesto) me chamou ir até à Casa do Cinema conversar com ela. E eu fiquei pensando na possibilidade dessa conversa ser um convite, para um papel pequeno, que fosse, e eu teria que dizer não. Porque eu ia ficar careca. Eu não sabia o que ia acontecer comigo. Eu poderia morrer. Eu não sabia. Eu lembro de estar no caminho até à Casa do Cinema e ficar pensando de sempre querer ir até aquele lugar, trabalhar naquele lugar, e naquele momento estar pensando de ter que dizer não. E me preparei para aquilo. E então quando eu cheguei lá, e conversei com a Ana. Eu não a conhecia e também não sabia que ela me conhecia ou sabia da minha existência. E eu estava tão nervosa, logo comecei a falar. E ela me olhou e falou: 'tá bom. você está bem? eu tenho um convite para te fazer, de um filme que eu estou escrevendo há muito tempo, e há muito tempo eu tenho um papel que é pra ti. E não importa como você vai estar. O que vai acontecer. Esse papel é teu, e você vai fazer esse filme'. Ela falou que não tinha problema, que se fosse o caso ela adaptaria o personagem se eu ficasse careca, para o que fosse. E foi muito doido. Porque todo esse período que foi bem esquisito, mas ao mesmo tempo a promessa do filme era uma coisa que me motivava a estar bem. Todo esse período eu passei indo à Casa de Cinema ensaiando. Eles me viram no meu pior momento, na pior fase, com o meu cabelo cor cinza. E aquela angústia de que o meu cabelo não ia crescer. E então nos deram as datas de gravação, e eu só calculando, meu cabelo não crescendo. Fizemos um molde de peruca. E eles começaram a adaptar a Bia para ser uma menina que teria um cabelo raspado, e uma semana antes de começar a gravar o filme, pouco tempo antes, o meu cabelo veio com tudo. Tanto que eu tive que cortar o meu cabelo várias vezes durante a gravação. Eu sempre digo para a Ana que esse é o filme da minha vida. Ele tem um lugar muito especial na minha vida. Ele também fala sobre vida, sobre morte. Eu acho que essa é uma experiência também que me deixou mais próxima do Bolani (intérprete do Ernesto), porque é uma experiência pesada, é uma experiência de quando as pessoas ouvem, elas se aprofundam na relação contigo. Quando eu contei pra ele essa história, ele ficou muito tocado. E foi a partir de eu ter contado essa história pra ele, que a gente se tornou grandes amigos. Então o filme chegou nesse momento pra mim, e é um filme muito, muito especial. Eu dei tudo para fazer a Bia. 

"É o filme da minha vida", diz Gabriela Poester sobre Aos Olhos de Ernesto, diagnosticada com câncer pouco antes de aceitar convite de Ana Luiza Azevedo
"É o filme da minha vida", diz Gabriela Poester sobre Aos Olhos de Ernesto, diagnosticada com câncer pouco antes de aceitar convite de Ana Luiza Azevedo
Foto: Fabio Rebelo / Divulgação

Terra: É um resgate da alegria de viver. Não tinha como ser diferente então. Tudo se encaixa. É uma mensagem muito bonita. 

Gabriela:

E eu acho que a Bia tem essa leveza, mas ela também tem um peso. Existe a tristeza, ela está nisso também. Tem uma cena que ela apanhou, e por mais que ela esteja cabisbaixa, e carregando um peso ainda maior, ela tem esse lugar de leveza. Eu acho que essa experiência toda, por mais pesada que tenha sido, a Bia se alimentou um pouco desse peso, mas as experiências de morte assim, em geral, te fazem viver a vida com uma leveza muito maior, de uma forma muito mais profunda. O que eu quero dizer é que esse personagem, por mais que ele seja leve, ele tem uma profundidade, uma densidade. 

Terra: Há a sensação, ao assistir ao filme, que a gente fala muito pouco sobre envelhecer, é isso também que você quer levantar? Você também tem essa sensação de que a gente discute pouco essa fase da nossa vida? 

Ana Luiza Azevedo:

Acho que sim, acho que as pessoas têm muito pudor em falar da velhice. Tanto que criam eufemismos: melhor idade, terceira idade. Não! É uma idade difícil, mas é uma idade que tem que ser vivida e tem que ser falada. E acho que se fala também muito de uma forma demagógica. Acho que é bacana quando tu fala da velhice com todas as coisas boas e ruins que ela tem, não tem problema nenhum. Tem que encarar isso. Eu sempre tive avós, e tenho uma relação muito próxima. E tenho os meus pais que já estão velhos e que optaram por viver intensamente a vida deles. E isso é muito bom, é muito fácil a convivência, quando você fala sobre isso, quando você convive sobre isso. O problema da velhice é quando você deixa de ter planos. E se você vive mantendo os seus planos sempre, sempre tendo alguma coisa que queira fazer, não tem idade ruim. Eu acho que a gente tem que falar mais, sim. 

Terra:O filme também é sobre tantas outras coisas. Claro que a gente mergulha nesse universo da velhice, mas como deixar de falar sobre a amizade do Ernesto com a Bia, ou com o próprio vizinho do Ernesto. Também tem a questão da violência da Bia. Qual mensagem você acha que o filme pode passar, no fim das contas?

Ana Luiza Azevedo:

Eu não gosto muito dessa coisa de mensagem principal, acho que o bom filme, ele tem várias. Ele fala de várias coisas, e é legal que seja assim. Então eu acho que, sim, acho que tem essa questão da forma como o filme lida com a velhice, e fala dela. Acho que tem essa questão de uma amizade entre duas pessoas que são muito distintas, essa troca entre pessoas de idades muito diferentes, que é fundamental. Porque te apresenta coisas, universos que não viveria. E isso é muito estimulante para viver a velhice, inclusive. E acho que essa coisa de que quando o velho consegue perceber as limitações dele podem ser grandes, mas que ele pode olhar o mundo através do olhar do outro, é muito bacana. Estabelece uma troca e você não para de viver. E isso é muito bonito. Eu me lembro da minha avó, e que a minha avó sempre gostava de estar entre os jovens, muito mais do que da idade dela. E o meu pai também, uma pessoa muito otimista, e ele está sempre querendo saber dos netos, da história de cada um, como estão, sobre o trabalho. É uma forma dele estar ativo, vivendo através das nossas histórias também. Se ele já está em uma idade que ele já fez muita coisa e está com menos atividades próprias, mas tem os outros que estão do lado dele que estão em atividade, e acaba que você está sempre pensando no que você vai contar pra ele, se te acontece alguma coisa. Então isso torna a vida dos velhos viva, essa troca. A Bia faz isso com o Ernesto, ela apresenta um universo que o Ernesto jamais viveria. E ao mesmo tempo, mostra pra ele, aquele jeito meio destemido dela, faz com que ele encare os sentimentos dele. Ele se transforma. O jeito que ele escreve para o filho. A forma que ele passa a se manifestar para o filho, e ela, ao mesmo tempo, também que tem toda aquela inconsequência do que ela vai fazer... e ele dá uma bronca. Ele dá uma segurança e um afeto que ela também não tem. Ela tem alguém que olha por ela e se preocupa. Ela é uma teatina, como a gente lá no interior. Uma pessoa que não tem ninguém. Então ela tem essa coisa de valorizar isso nele. Ele é uma pessoa que olha pra ela sem julgar. 

Terra:Você acha que é por causa disso que essa relação é especial? A Bia fez com que o Ernesto baixasse a guarda, com o filho dele não era assim. Você acha que foi esse inspirar de cuidado que fez com que ele baixasse a guarda?

Ana Luiza Azevedo:

Eu acho que sim. Às vezes, é engraçado, porque a relação de filho é um pouco difícil. Porque tem um momento que os pais querem controlar os filhos e tem um momento que os filhos querem controlar os pais. E às vezes uma pessoas que não tem esse vício dessa relação consegue chegar mais dentro, consegue se aproximar mais da pessoa e ter uma relação mais franca. Acho que a Bia estabelece uma relação extremamente franca com o Ernesto. A partir do momento em que ela se abre e passa a não mentir um para o outro. Pronto. Ali vira uma relação de confiança. E isso é uma coisa que a Bia nunca tinha experimentado, de amor e confiança. Ela diz: eu nunca conheci. Essa relação afetuosa que ele estabelece com ela, também é uma novidade para ela. 

Terra: E você, Gabriela. Dessa relação da Bia com o Ernesto, o que você acha que a Bia tem de tão especial para fazer com o Ernesto baixasse a guarda? 

Gabriela Poester:

Eu acho que ela é o único personagem que não trata ele como um velho. Ele trata ele como uma pessoa normal. Do jeito dela. Ela trata todo mundo assim. E eu acho que esse choque, do jeito de tratar ele, é uma das características que diferenciam ela dos outros personagens. Porque a diarista também trata ele como se ele tivesse quase morrendo. Tem aquela cena que eu adoro, que ela chega pra acordar ele e ela acha que ele está morto. O próprio vizinho. Todo mundo trata ele como um velho que vai morrer. E a Bia trata ele como um homem, como um amigo, como qualquer pessoa que ela trataria. Ela trata todo mundo assim. E eu acho que esse tipo de se relacionar com ele, nessa espontaneidade, desse jeito de falar as coisas, eu acho que ele acha engraçado, eu acho que ele se interessa por isso. 

Terra: E para a Bia, o que você acha que essa relação foi transformadora? Porque ela também mudou bastante depois que conheceu o Ernesto. 

Gabriela Poester:

Sim. Eu acho que ela tem um começo, quando ela conhece o Ernesto, ela tem toda essa questão que ela tenta passar a perna nele. É isso. Eu acho que é a mesma coisa, na real, pra ela. Porque eu acho que todo mundo vê ela com algum preconceito. Acham que ela vai roubar, acham que ela vai fazer alguma coisa. Eu acho que ela tem essa empatia com o Ernesto porque ela percebe que ele é muito legal com ela ainda assim. É algo que vai para os dois lados. Eu acho que eles se tratam diferentes de como normalmente as pessoas tratam eles. E eu acho que a Bia, ela acaba também entrando nesse lugar, nesse vazio que o filho deixa pra ele. Ela se tornando... ela até fala para ele que não é filha dele. Ela fala isso, por que ela acha que as coisas acabam se confundindo. Mas eu acho que ela preenche esse vazio, de abandono mesmo, ele está solitário. E é muito interessante. Eu sempre penso nisso. Ele acha que ela é uma filha para ele, uma neta. Mas é interessante porque muitas pessoas vieram falar que pensam que eles vão ter um caso. 

Terra: E é uma relação de muita confiança também.

Gabriela Poester:

Sim, e ele sabe que ela está roubando ele. Mas ele pensa assim: vou ensinar ela. E também isso que falamos dela falar com ele não como se ele fosse um jovem, mas de tirar essa carga de ele ser um velho. Na cena que ela pergunta pro Ernesto se ele transou com a Lucia. Eram dois amigos ali. Imagina? Era o Bolani ali. Era até difícil de falar ali com ele. Ele era uma gentileza em pessoa. Super correto, ator genial. E eu tendo que falar aquilo para ele como se ele fosse o meu amigo. Bem, ele é meu amigo. Mas como se fossemos da mesma idade. Essa cena é isso. Eles se veem de outro jeito. Eles precisam um pouco um do outro. A Bia não tem ninguém para cuidar dela. Ela é uma pessoa muito sozinha. Acho que ela vê no Ernesto uma figura bem paternal também. 

Terra: Com o filme também a gente fica com a sensação de que é muito mais fácil demonstrar os sentimentos, assumir os sentimentos para estranhos, não é?

Ana Luiza Azevedo:

Às vezes sim. Mas ao mesmo tempo tem uma coisa que a partir do momento em que um ajuda o outro, eles passam a ter uma relação de dependência também. E a Bia não aceita. Porque ela viu ali... opa. Não, você não é meu pai. Então chega um momento em que ela disse, não, não, esse papel não é meu. Eu não eu quero. E ele já estava projetando nela esse papel. Mas de qualquer forma, eles têm essa relação. Eles estabelecem essa relação aberta em que ela pode chegar pra ele e dizer isso. 

Terra: Você tem uma cena preferida? A cena do xadrez, por exemplo, é muito especial, mostra cuidado, mostra humor, mostra realidade. 

Ana Luiza Azevedo:

Eu gosto muito da relação dos vizinhos, daqueles dois. Que é essa relação de implicância, mas é uma implicância afetuosa. Eles se implicam para estar juntos. É um código deles. É quase para dizer que um ama o outro. Eles têm que se implicar. Eu gosto muito dessa relação. Mas de cena, eu gosto do SLAM. Foi uma filmagem muito forte. Porque aconteceu a roda de SLAM de verdade. Aquelas pessoas que estão ali eu convidei que são do SLAM Peleia. Então, elas fizeram uma roda mesmo, vários poetas. E foi muito bacana. Eu gosto também da primeira leitura da carta. Tem várias cenas boas. Tem as mais cômicas como a do banheiro, acho divertida. A do xadrez também, eu gosto bastante. É uma conversa muito comum. 

Roda de SLAM, cena do filme Aos Olhos de Ernesto, um dos trechos favoritos da diretora Ana Luiza Azevedo
Roda de SLAM, cena do filme Aos Olhos de Ernesto, um dos trechos favoritos da diretora Ana Luiza Azevedo
Foto: Fabio Rebelo / Divulgação

Terra: E as cartas são muito especiais, não são? Principalmente a última, com a reviravolta. 

Ana Luiza Azevedo:

Mas a gente não pode contar. Quando eu terminei de escrever a carta, eu me emocionei com a carta que eu tinha escrito. 

Terra: Porque a gente deixa de falar muitas das coisas que a gente sente pras pessoas, né? E ele pôde fazer isso. 

Ana Luiza Azevedo:

É. Sim. E isso foi uma coisa que a Bia ensinou para ele. Quando ele faz aquele vídeo, e ela diz para ele parar de falar conversa de elevador e dizer o que sente. Acho que isso foi inspirador para ele. 

Terra: E foi muito bom ver isso no filme. Para a gente perceber que não paramos de aprender nunca. A Bia ensinou o Ernesto a ter coragem de demonstrar os sentimentos. E a Bia se transformou também com esse convívio.

Ana Luiza Azevedo:

Totalmente. Ela era completamente inconsequente e ela acaba sendo mais madura. Ela aceita o afeto dele. 

Terra: Tem alguma cena de bastidor que tenha te emocionado bastante, algum momento que tenha também deixado uma marca especial pra você? 

Ana Luiza Azevedo:

As filmagens foram muito prazerosas. Os atores criaram um vínculo muito grande e isso foi muito legal e são dois grandes atores. Tanto a Gabriela Poester como o Jorge Bolani. E é muito bonito. Naquela despedida deles, ela é quase real, o afeto deles. E a gente conseguiu estabelecer essa troca. De criar um ambiente para que isso acontecesse. E foi muito gostoso porque o Bolani, ele não falava português. Ele já tinha feito Whisky (filme de 2003), em que ele falava um pouquinho o português, mas ele fala outras línguas e ele queria falar, sim, português perfeito. E eu falei para ele que não, não era isso. Tantos os argentinos, como os uruguaios que moram aqui, eles continuam falando o 'portunhol' mesmo. E isso está incorporado. E então a gente criou esse portunhol juntos. E ele foi ficando mais à vontade. E acabou que o set de filmagens todo mundo falava o portunhol, foi muito divertido. Às vezes era um portunhol que ninguém entendia, mas todo mundo falava o portunhol. Foi uma troca muito boa. Eu tenho uma admiração imensa pela cultura uruguaia, pela literatura, pela música. Então esse filme tem um pouco de uma declaração de amor por esse país que está aqui do lado e que a gente, às vezes, que tem muita gente que conhece tão pouco. 

Terra: E você, Gabriela, alguma cena de bastidor?

Gabriela Poester:

Tudo era especial. Mas acho que a cena da leitura da carta na cama. Aquela cena foi bastante editada para o filme. Ela era bem maior. E a gente fez ela, em primeiro momento, em plano sequência, não cortou nada, e ela ficou muito boa. Ali na hora. E eu acho que ela é significativa pra mim porque eu e o Bolani já estávamos muito unidos. Nós ficamos muito amigos, fora das gravações. E aquela cena da leitura da carta na cama é um pouco disso. E tem outra cena que me marcou bastante também, que foi uma cena que a Ana falou para gente improvisar. Que é quando a Bia organiza os livros dele por cor e ele não gosta. E depois eles estão ali mexendo nas fotos. E a Ana falou para gente fazer o texto e depois vocês improvisar à vontade. E foi muito legal o improviso, a gente dava risada. Mas no fim não pôde entrar no filme porque ficou muito extenso. Mas aquela cena foi muito boa de se fazer.  

Ana Luiza Azevedo com Jorge Bolani
Ana Luiza Azevedo com Jorge Bolani
Foto: Fabio Rebelo / Divulgação

Terra: Para você depois de trabalhar nesse projeto, a ideia do envelhecer mudou? Porque é um filme muito honesto sobre essa vida. A gente fala muito pouco sobre ser velho. 

Gabriela Poester: 

Sim. Os velhos não são os protagonistas. Também tem esse preconceito de que se forem os protagonistas, por exemplo, de um filme, vai ser um filme chato. Eu não sei se mudou (a ideia do envelhecer), sabe? Mas com certeza eu vejo um pouco, toda a experiência um pouco mais pelo olhar da Bia, um pouco mais de tratar a pessoa como ela é. Não exatamente botando todos esses dedos. E é. Não chegou mudar radicalmente. Mas com certeza é um olhar bem mais carinhoso. E também o próprio Bolani. Ele é um exemplo. Ele já tem uma idade avançada e trabalhando um monte, fazendo teatro, fazendo filme. 

 

Terra: Então pra você foi uma experiência dupla. Na ficção e executando o trabalho. 

Gabriela Poester:

Foi. A ficção só foi uma consequência de toda a experiência que foi gravar esse filme. Ele é um filme muito especial. Para todo mundo. Quem assiste esse filme, fala coisas maravilhosas. Eu me emocionei de verdade. O filme foi para Coreia do Sul e depois ele foi pra Cuba, Uruguai e Japão. E é muito doido porque ele consegue dialogar com as pessoas nesses lugares. As pessoas amam o filme. As pessoas querem contar as suas histórias depois de assistir ao filme, as pessoas se identificam. O final do filme é muito tocante. Até no Japão. Os japoneses me escrevem mensagens e me mandam falando coisas muito bonitas. O filme chega até eles. Esse olhar que tem aqui, que é um olhar muito específico, do Uruguai, da Argentina, Porto Alegre, essa cultura que é muito naturalizada, eu achei que fosse muito daqui. Que as pessoas não fossem conseguir entender. Mas é ao contrário, as pessoas têm interesse em entender sobre esse lugar. Eu sei que lá no Japão eles estavam até vendendo chimarrão, matte, para as pessoas depois do filme. E uma pessoa me contou que depois viu o filme, tomou um matte, um vinho tannat, e fiquei com vontade de escrever cartas. E eu não tenho vovôs, então de alguma forma viver no filme com uma pessoa que poderia ser o meu avô, é também um jeito de descobrir esse lugar que eu sei que existe em mim, mas eu não conheço muito. É quase uma vontade de ter um avô, e poder compartilhar coisas, como eu compartilhei com o Ernesto. 

Fonte: Redação Terra
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