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'Apocalipse nos Trópicos': Petra Costa analisa influência evangélica na política brasileira em novo doc

Novo documentário, ovacionado em estreia em Veneza, retrata com urgência o crescimento das vertentes teocráticas no Brasil

21 out 2024 - 18h17
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Imagem de 'Apocalipse nos Trópicos', novo documentário de Petra Costa
Imagem de 'Apocalipse nos Trópicos', novo documentário de Petra Costa
Foto: Mostra SP/Divulgação

Petra Costa não se esquiva de colocar a si mesma em seus filmes. De uma forma ou de outra, a documentarista parece gostar que seu público entenda que qualquer obra tem, obviamente, um ponto de vista, e que isso cruza a subjetividade mesmo nos temas mais objetivos. Em "Apocalipse nos Trópicos", no entanto, Costa diminui sua própria presença comparado ao seu título anterior, "Democracia em Vertigem", e parte para uma investigação urgente do Brasil contemporâneo por meio de uma das forças mais poderosas que influenciam na política atualmente: a igreja evangélica. 

A diretora continua a documentar o Brasil pela ótica da ascensão da extrema-direita, e traça um panorama do crescimento de Jair Bolsonaro com a ajuda da forte influência de pastores evangélicos, sobretudo uma figura específica: Silas Malafaia, cuja presença e respostas sem "papas na língua" dão o tom de todo o material.

Petra, no entanto, abandona o simplismo e desenha um retrato rico em detalhes e com uma abordagem histórica aprofundada não apenas da relação do Brasil com a religião, mas também da transição de pensamento de líderes religiosos. A cineasta vai para o passado a fim de descobrir em que momento houve essa mudança, no sentido de pastores e demais figuras influentes religiosas voltarem o olhar para o poder da política, e mostra com clareza como isso tomou uma proporção muito grande em questão de uma década. É nisso, também, que Petra mostra por que conquistar tal eleitorado tornou-se um movimento tão importante e rapidamente cooptado. 

Ao colocar Silas Malafaia no centro de sua proposta narrativa, Costa constrói um filme com um acesso muito valioso e honesto aos seus pensamentos – a diretora o acompanha em diversos momentos, e apresenta entrevistas em que ele fala abertamente sobre sua relação com Bolsonaro e sua influência direta em decisões e táticas governamentais. O mais enriquecedor desta narrativa, no entanto, é o fato de a diretora ir à gênese das conexões entre política e religião, para além do Brasil e em um contexto sócio-econômico que relaciona o abandono e a falta de assistência social à força de correntes ideológicas fundamentalistas.  

É inteligente, neste sentido, a estruturação do filme em capítulos que remetem à bíblia, pois o material acaba bem organizado entre a apresentação de contextualizações históricas e comentários sobre um Brasil que ainda guarda resquícios da repressão da ditadura militar e é, desde a colonização, extremamente ligado à fé. É possível olhar para o que move pessoas religiosas, que se voltam para a igreja como fonte de informações e aspirações políticas, sem pensar que se trata de uma simples e pura manipulação barata; "Apocalipse nos Trópicos" é um documentário que aponta um olhar para a urgência e a importância de, mais do que nunca, pensar na relação do Brasil com a fé e não menosprezar as implicações disso ao nível global. 

Imagem de 'Apocalipse nos Trópicos', novo documentário de Petra Costa
Imagem de 'Apocalipse nos Trópicos', novo documentário de Petra Costa
Foto: Mostra SP/Divulgação

Mesmo assim, faz falta ir além apenas da figura de Malafaia como um articulador de Bolsonaro e da direita, e Petra Costa parece perder o foco quando se volta para a campanha presidencial de Lula em 2022, após sua soltura. No momento passa a acompanhar o embate político entre Lula e Bolsonaro nas últimas eleições, o documentário deixa de lado essa conexão tão interessante das partes iniciais, que vai tão fundo nas complexidades do Brasil, aparentemente em prol de culminar nos atos golpistas do 8 de janeiro, sem grandes novidades ou novos vieses que abram uma nova corrente de pensamento. Nisso, acaba parecendo mais um resumo dos últimos anos do Brasil, moldado para o público internacional, infelizmente um pouco desconexo de todo o resto.

Com tudo isso, "Apocalipse nos Trópicos" traz um retrato contundente do país diante do crescimento das vertentes religiosas que não podem, de maneira alguma, ser ignoradas num contexto tão urgente. Ainda que não se disponha a dar resoluções e escorregue nos terços finais, é um documentário com muito a dizer sobre um Brasil tão fragmentado.

"Apocalipse nos Trópicos" está em cartaz na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. 

Fonte: Redação Entre Telas
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