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Apoio do setor cinematográfico francês a Roman Polanski pode estar diminuindo

A ARP, uma associação de diretores de filmes, declarou que apresentará uma moção aos seus membros para excluir qualquer pessoa condenada por abuso sexual e suspender todo membro que estiver sendo investigado nesse sentido

21 nov 2019 - 14h23
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PARIS - Durante 40 anos Roman Polanski viveu e realizou filmes na França que foram sucesso de bilheteria e colecionou prêmios incluindo a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

O diretor é uma figura muito aceita na França, embora tenha fugido dos Estados Unidos em 1978 depois de declarado culpado de manter relações sexuais com uma adolescente de 13 anos.

Mas nas últimas semanas, depois de ser acusado de um outro estupro nos anos 1970, há sinais de que o apoio a ele por parte do setor cinematográfico francês vem diminuindo.

Na noite de segunda-feira, a ARP, uma associação de diretores de filmes da qual fazem parte, entre outros, Gérard Depardieu e Claire Denis, declarou que apresentará uma moção aos seus membros para excluir qualquer pessoa condenada por abuso sexual e suspender todo membro que estiver sendo investigado nesse sentido.

Os membros analisarão essa moção na próxima assembleia geral. Se aprovada, Polanski será suspenso. (A data da assembleia ainda não foi fixada). "A ARP apoia firmemente todas as vítimas de violência e se compromete vigorosamente a apoiar a luta pelos direitos das vítimas", diz o comunicado.

A notícia foi veiculada horas depois de ser revelado que o mais recente filme do diretor, J'Accuse, um relato histórico da vida de Alfred Dreyfus, militar judeu condenado erroneamente por traição na França - bater recordes de bilheteria no país, apesar de protestos de grupos de feministas terem levado à retirada do filme em vários cinemas em Paris, na cidade de Rennes e também em Saint Nazaire.

Um público de 386 mil pessoas assistiu ao filme na primeira semana de lançamento de acordo com a CBO, empresa que coleta dados das bilheterias de cinemas. J'Accuse deverá ser lançado em países de língua inglesa em 2020 com o título Um Oficial e um Espião.

A ARP não está sozinha nesse movimento contra Polanski. Em 14 de novembro, Delphine Emotte, diretora executiva da France Télévisions, que ajudou a financiar o filme, declarou numa conferência sobre igualdade de gênero que a decisão de apoiar o filme foi um "erro de julgamento". "Compreendo a emoção e as dúvidas levantadas por essa decisão", afirmou.

Polanski se defronta com um novo foco no seu passado por causa de outra acusação, apresentada em oito de novembro por Valentine Monnier, fotógrafa, de que foi abusada por ele em 1975 quando ela tinha 18 anos de idade, num chalé na Suíça.

Segundo ela, Polanski a assediou quando desciam por um teleférico de uma estação de esqui a caminho do chalé do diretor. No chalé, ele bateu nela e a violou. O diretor nega a acusação e sua porta-voz não respondeu ao pedido para comentar o artigo.

Outra acusação de abuso sexual no setor cinematográfico francês parece ter mudado a disposição de ânimo entre os cineastas. Em três de novembro o Mediapart, webside de notícias, publicou uma investigação envolvendo acusações apresentadas pela atriz Adèle Naenel, que afirmou que desde a idade de 12 anos foi abusada sexualmente pelo diretor Christophe Ruggia no set de filmagem de The Devils (Os demônios), um filme de 2002 no qual ela interpreta uma criança autista, acrescentando que o comportamento dele continuou depois do lançamento do filme.

Ruggia negou as acusações, mas disse que "cometeu um erro ao representar o Pigmaleão", o que gerou "mal-entendidos". (Na mitologia grega Pigmaleão era um escultor que se apaixonou por uma das suas esculturas).

Em entrevista ao vivo ao Mediapart no YouTube, Haenel disse que estava relatando sua história para ajudar outras pessoas. Queria que outras que sofreram abusos soubessem que não estavam sós e as encorajou a se manifestarem também.

A entrevista de Haenel provocou um terremoto em todo o setor cinematográfico de acordo com o editorial do Libération. A Sociedade de Realizadores de Filmes, outra associação de diretores, imediatamente abriu procedimentos para cancelar Ruggia como associado. Em comunicado, afirmou que a "SRF expressa seu total apoio, admiração e gratidão a Adèle Haenel".

Essas reações de organizações cinematográficas foram bem diferentes daquelas que surgiram no início do movimento #MeToo na França. No ano passado, Catherine Deneuve e mais de 100 francesas publicaram uma carta aberta afirmando que o movimento fora muito longe, gerando um clima em que "até um flerte desajeitado" agora estava proibido (Mais tarde a atriz pediu desculpas às vítimas de abuso sexual).

A revelação da história de Adèle Haenel foi chave para essa mudança, disse Johanna Soraya, organizadora do "@JaccuseP", conta no Twitter que atua como um centro para as pessoas protestarem contra o filme de Polanski. "Muitas vítimas se manifestaram antes, mas Adèle é realmente famosa e não uma atriz do passado", disse Johanna. O vídeo seguinte da entrevista apresentado pelo Mediapart criou "o momento perfeito" para as pessoas questionarem o apoio a Polanski, disse ela.

Mas mesmo nesse clima de mudança, os cinéfilos franceses acorreram em massa aos cinemas para assistir ao filme de Polanski. Na noite de segunda-feira no cinema MK2, no bairro Stalingrad em Paris, diversas pessoas disseram ter pensado duas vezes se veriam o filme. "Vim aqui escondida", disse Virginie Dupon, professora de 47 anos. "Não me sinto muito orgulhosa".

Jocelyne Javelaud, 48 anos, diretora de uma empresa, afirmou que "é difícil admirar o trabalho de uma pessoa que você não apoia. "Disse a mim mesma que não diria a ninguém que assisti ao filme".

Outras pessoas se mostravam menos apreensivas. "Assistir ao filme não é um ato de solidariedade", afirmou George Bismuth, 66 anos, pintor. Ele disse que é judeu e o filme, que trata de um dos famosos episódios de antissemitismo na história da França, era importante para ele. "Este filme atinge meu sentimento de identificação e de pertencer do ponto de vista social".

Charles Bridier, 40 anos, disse que tinha dúvidas se assistiria ao filme, mas depois ouviu alguém dizer no rádio que as pessoas deviam separar a vida privada de Polanski dos seus filmes.

"Acho que podemos ver o filme e manter distância entre ele e o diretor", afirmou Bridier.

Tradução de Terezinha Martino

Estadão
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