“As Panteras” soa como espiãs demais para jovens feministas
Novo filme da franquia aposta em discurso anti-machismo para cativar novas gerações e pincela brasilidade com música de Anitta e Rio 'fake'.
Mulheres objetificadas, manterrupting, supremacia masculina e rivalidade feminina são alguns dos aspectos machistas que caíram por terra em “As Panteras”, novo filme da franquia Charlie's Angels (no original). No longa, que estreia na próxima quinta-feira (14), as espiãs Sabina Wilson (Kristen Stewart), Elena Houghlin (Naomi Scott) e Jane Kano (Ella Balinska) expõem suas fragilidades e mostram que, além de combater o crime e salvar o mundo, as heroínas mulheres precisam lidar com outros conflitos desafiadores.
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O fator beleza como isca para distrair e então prender bandidos parece, de início, ser a única função da personagem de Kristen Stewart dentro da organização Charles Townsend. Porém, a eterna Bella, da saga Crepúsculo, surpreende quando vence, nove vilões.
Empoderamentos à parte, algumas sequências de ação são clichês ao ponto de parecerem ter saído da animação infanto-juvenil “As Três Espiãs Demais” (2001). O fator semelhança é ainda mais explícito quando há súbita aparição de John Bosley, o Bosley, para parabenizar as panteras – quase como um Jerry, o big boss da versão animada. No filme, fica explícito que, assim como na animação, ainda é preciso que haja a aprovação de um homem-chefe para validar o trabalho realizado por elas.
Com o paralelo entre as produções e o fator nostalgia em alta entre os lançamentos mais recentes das telonas, não seria exagero dizer que Hollywood errou a mão e acabou fazendo uma versão live-action das espiãs mais amadas da TV Globinho (2000-2015).
O fator necessidade de um olhar masculino como fiscal das missões é um dos aspectos machistas mais sutis da trama. Existem, no longa, paralelos com a vida real nos quais a misoginia grita. Aqui, porém, o preconceito dá lugar a oportunidade – sem spoilers até aqui.
Antes de virar espiã, Elena era uma das cientistas mais importantes de uma empresa de tecnologia, e que, por uma falha de programação, está desenvolvendo uma ferramenta perigosa. A pesquisadora até tenta avisar sobre o problema e diz que tem interesse e competência para resolvê-lo. Mas não há ouvidos dispostos à escuta por parte dos líderes homens. Com isso, resolve comunicar à organização de espionagem que a sociedade corre perigo – e acaba sendo recrutada.
Brasil é grão de arroz
No revival, a agência Charles Townsend cresceu, tornando-se internacional. Com isso, as panteras são levadas a diversos países do mundo, entre eles o Brasil. A abertura do longa, inclusive, é da cantora Anitta, com a canção original "Pantera".
Apesar de cena ambientada no Rio de Janeiro, a brasilidade não entra em foco da trama. O País é apenas pano de fundo: não tem qualquer costume exposto ou sequer um passeio despretencioso pelo calçadão de Copacabana. A explicação da produção é que tudo foi gravado em estúdio. Então, ao assistir ao longa, não vá esperando lugares comuns como samba ou o Estádio do Maracanã. Aqui, o Rio é fake.
Elas que lutem
Há, durante toda a trama, um convite gentil à luta contra a misoginia e pela igualdade de gênero. A atualização, portanto, consegue fazer jus e modernizar o sucesso dos anos 2000, capitaneado por Natalie Cook (Cameron Diaz), Drew Barrymore (Dylan Sanders) e Lucy Liu (Alex Munday). Neste, o trio se torna uma espécie de versão girl power turbinada.
A potência do filme pode ser diretamente relacionada ao trabalho de Elizabeth Banks, que brilha não só por trás, mas também frente às câmeras. Em “As Panteras”, a atriz de Jogos Vorazes e Homem-Aranha, acumula as funções de diretora, produtora e roteirista, segurando muito bem a peteca. No papel de chefe das espiãs, sabe ser carismática e líder, sem ter nada de maternal em seu perfil.
"As Panteras" pode ser resumido com um “filme de mulherzinha”, sem o teor pejorativo do termo, para quem gosta de ação e não enxerga os estereótipos de romantismo e maternidade como intrínsecos à figura feminina.
Geração nº 3 – Evoluiu
Antes de estrear nas telonas, no início dos anos 2000, As Panteras frequentavam as casas dos estadunidenses como série de televisão transmitida entre os anos de 1976 e 1981. A produção foi um sucesso e já servia como inspiração para as jovens da época: eram três mulheres protagonistas, super-independentes e solucionavam casos com base em suas espionagens e muita luta.
Como no filme deste ano, um trio, formado por Sabrina, Kelly, Jill e Kris eram as Charlie's Angels – nome que se referia ao dono da agência de detetives Charles Townsend. Ele nunca mostrava seu rosto e se comunicava com as investigadoras particulares e com Bosley (David Doyle) pelo viva-voz. O feito se repete na atualização dos cinemas, em 2019. O detalhe é que uma mão feminina rouba a cena. Seria uma mulher a cabeça da organização durante todo esse tempo? Lá atrás, quando Charles "aparecia" estava de costas.
Ainda que a trama fosse protagonizada por um trio feminino, a sexualização de seus corpos era uma realidade. A criação era de dois homens, Ivan Goff e Ben Roberts, e a série era produzida por Aaron Spelling. Com isso, as protagonistas eram submetidas a micro fantasias que alimentavam o erotismo masculino, como empregadas domésticas e patinadoras – isso quando não realizavam missões vestindo biquínis.
Quase 20 anos depois, a franquia ressurgiu para o cinema, sob direção de McG e protagonismo de Cameron Diaz, Drew Barrymore e Lucy Liu fazendo. O Bosley era Alex vivido Bill Murray. Em 2003, foi a vez de “As Panteras Detonando” darem sequência à história da organização.
Assista ao trailer: