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Clássico do Dia: 'King Kong' inovou nos efeitos especiais ao colocar na tela um enorme macaco

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este de 1933 que teve direito a reportagem de capa no 'Estado' quando estreou no Brasil

11 mai 2020 - 14h20
(atualizado em 22/10/2020 às 19h48)
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Cruel como Tímon de Atenas, forte como Sansão, ciumento como Otelo, amaldiçoado como Orestes, e vulnerável como todos eles. Que outro personagem, senão o rei Kong, poderia reunir todas essas características? A definição é de David Robinson, que foi consultor no livro Movies of the Thirties, da Orbis Publising, de Londres. Os anos 1930 começaram com a afirmação do sonoro e a verdadeira hecatombe da miséria produzida pelo crack da Bolsa de Nova York em 1929. Foi a década em que Garbo reinou em Hollywood e surgiram estrelas como Bette Davis e Joan Crawford. A década em que os gângsteres ditaram a lei nas telas - Paul Muni, Edward G. Robinson, - , em que Leni Riefenstahl documentou as grandes paradas do nazismo e King Kong emergiu da Ilha da Caveira.

Skull Island! É para lá que ruma um produtor de filmes, Carl Denham, com a garota que encontrou na fila do pão, em Nova York. Ann Darrow está tão faminta que rouba uma maçã. Ecos de Victor Hugo, Os Miseráveis, mas Ann não tem um policial na cola dela, como Jean Valjean. Denham a leva para esse lugar distante, onde pretende rodar um filme misterioso. Na verdade, ele está em busca de alguma coisa - que encontra. Pouco antes, ele encenou com Ann a cena em que ela deve expressar o medo diante do desconhecido. Mas, agora, o medo é real. Ann foi sequestrada pelos nativos e amarrada a duas estacas. E, diante dela, das pofundezas da floresta, surge o macaco gigantesco.

Os nativos tentam aplacar a fúria de King Kong com sacrifícios humanos, mas essa mulher é diferente. Kong a olha com curiosidade, interesse. Ternura? Ele arranca Ann da estaca e foge com ela na mão enorme. Dunham o persegue, boa parte da expedição é destruída, mas, eventualmente, Dunham consegue derrubar com alguma dose maciça de sonífero. Kong é aprisionado e levado a Nova York para exibição pública, mas foge e provoca destruição e pânico na cidade, enquanto procura Ann. Sobe no Empire State, que era o prédio mais alto do mundo na época - 1933. Atingido pelos tiros, despenca lá do alto. Diante do cadáver do monsdtro, o policial observa - "Os aviões o derrotaram." E Dunham - "Não, não foram os aviões." Não mesmo - foi a garota.

O cinema contou muitas vezes a história da Bela e a Fera, mas essa, que talvez seja a menos fiel à letra da criação de Mme. Lerprince Beaumont, é a que mais se aproxima do espírito do original. Até hoje existe controvérsia sobre a gênese do projeto. Merian C. Cooper teria tido a ideia durante um, safári na África, só observar os macacos. Começou a delirar - e se um macaco gigantesco se soltasse na cidade grande? Com Ernest B.Shoedsack, ele já havia feito dois documentários de viagerns e duas ficções, uma das quasis - The Four Feathers, de 1929 -, com Fay Wray, que seria a garota, Ann.

O acaso desempenhou seu papel, e em 1932 Cooper foi contratado por David Selznick na RKO, onde conheceu Willis J. O' Brien, o animador que fizera os efeitos de O Mundo Perdido, a versão de 1925. Cooper e O'Brien começaram a trabalhar na criação do rei Kong, a RKO abriu o cofre - US$ 650 mil, uma fortuna na época -, o escritor inglês Edgar Wallace foi incorporado ao desenvolvimento do roteiro, a saga começou a tomar forma. Wallace morreu e criou-se o mistério, nunca elucidado, sobre o que restou dele no filme. Segundo sua filha, tudo. O conceito, o macaco, mas ela é suspeita.

O certo é que o sucesso de King Kong tem muito a ver com as circunstâncias da época. Com todas as dificuldades decorrentes da depressão econômica, o público estava farto de miséria e queria sonhar. King Kong tinha tudo. Ação, aventura, romance, um tantinho de humor e o espanto diante do mundo novo - do desconhecido. Nunca se havia visto nada parecido com aquele gigante na tela. Quando o filme estreou no Brasil, teve direito a reportagem de capa do Estado, aspresentado como o fenômeno do século. King Kong fez sonhar toda uma geração de espectadores, e novas gerações têm sonhado desde então. O sonho vira pesadelo e uma das cenas que impressionavam há 87 anos, e continuam impressionantes, é a tomada de dentro da casa, mostrando o olho enorme na janela.

É o olho de Kong, claro, mas cada vez mais os críticos atribuem diferentes significados à imagem. Seria, por exemplo, o olho do Estado - comunismo, nazismo? - que tudo vê, ameaçando destruir a individualidade. E o macaco varia de dimensões, o que é próprio do sonho. Suas cenas com Ann possuem uma dimensão erótica muito forte. A Bela, a Fera e a psicanálise. Com as chaves de Freud, fica tudo muito mais rico e complexo em Kong Kong. O filme permaneceu como espelho da época. Nos anos 1970, quando John Guillermin fez sua versão, e a garota era Jessica Lange, os EUA viviam a crise institucional decorrente do escândalo de Watergate. No dia seguinte à vitória no Oscar - que recebeu por O Retorno do Rei, fecho da extraordinária trilogia O Senhor dos Anéis, em 2004 -, Peter Jackson certamente pensava em animar a fauna e a flora da selva com as ferramentas que a tecnologia lhe permitiam. A motion capture transformou Andy Serkis no rei Kong mais humano de todos. O curioso é que, quando seu filme estreou, o mundo vivia a euforia dos papéis que levou à grande crise de 2008. E quando Jordan Vogt-Roberts voltou ao mundo perdido em Kong - A Ilha da Caveira -, que se passa nos 1970, Donald Trump havia sido eleito presidente, com sinais de encrenca no horizonte. Com King Kong - Pai, afasta de mim este cálice - a crise está sempre no ar.

Onde assistir:

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Estadão
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