Você se lembra da última vez em que esteve numa locadora?
O colunista Ygor Palopoli foi à Video Connection, no centro de SP, e conta sobre uma das grandes locadoras que resiste até hoje no Brasil.
Nesta semana, fui até a Video Connection, uma das últimas grandes locadoras sobreviventes no Brasil e decidi trazer um pouco mais do mergulho que foi estar entre os corredores que remetem a uma nostalgia tão única.
Localizada no famoso prédio Copan, em São Paulo, a Video Connection é mais do que uma simples locadora: é um ato de resistência do acervo físico que o proprietário Paulo relata ser seu maior tesouro.
“Eu, como dono da locadora, sinto um prazer danado quando vêm pessoas e comentam: ‘Nossa, que saudade, que legal isso’. Dá uma satisfação em saber que é um negócio que traz tanta felicidade pra tanta gente”, conta Paulo com brilho nos olhos.
A locadora é separada não apenas entre categorias e gêneros, mas também em coleções especiais de diretores como Guillermo del Toro, Jean-Luc Godard, Wim Wanders, Quentin Tarantino, Bruno Barreto, Jorge Furtado, Tim Burton, Werner Herzog, Akira Kurosawa, e muito mais.
Pode parecer que entrar em uma locadora e aproveitar o local é mais um caso da nostalgia nos fazendo sentir saudade do que era pouco prático, mas o caso aqui é diferente.
Enquanto estive na locadora, pude ouvir o proprietário conversar com alguns clientes e pensei no quanto as recomendações baseadas em uma troca real, em vez de algoritmos, é algo que aos poucos foi se perdendo.
A conveniência cobra o preço do tato, da troca humana, da interação.
“As pessoas perderam o hábito, tem muita gente que se desfaz dos aparelhos que têm em casa por causa da facilidade. E essa facilidade faz com que elas não procurem ir na locadora para pegar o filme na mão, e quando acontece elas sentem saudades”, relata Paulo.
A coleção da locadora é de causar inveja a qualquer colecionador ou entusiasta, contando com versões lacradas, originais, especiais e raras de centenas de obras. O proprietário Paulo diz ter pena de se desfazer, mas considera que um dia possa ser necessário.
Em sua fachada simples, no térreo do Copan, Paulo faz questão de dar atenção a cada cliente que aparece em sua locadora, e também instaurou serviços de conversão de VHS e digitalização para se manter financeiramente. Ele é o dono, atendente e caixa do estabelecimento, de segunda a sábado das 11h as 20h.
“O coração da gente não deixa”, me disse Paulo sobre a ideia de fechar a locadora.
“A paixão pelo cinema… A gente não pode perder isso. Isso que me mantém no negócio, mas tem a idade, eu já tô aposentado e vou sentindo que um dia vou ter que parar. E não vai ter quem continuar”.
No meio de uma coleção tão vasta, Paulo tem o seu filme preferido, e faz questão de posar ao lado dele em toda matéria ou reportagem que o procure: 'A Partida', de Yojiro Takita, que conta a história de um violoncelista que ao procurar emprego numa agência de viagens, descobre que o trabalho é na verdade em uma funerária e envolve a preparação do corpo dos mortos para a próxima vida.
Quando eu coloquei os pés pra fora da locadora, pude entender melhor o que o proprietário dizia com brilho nos olhos.
O mundo definitivamente não é mais o mesmo de 15 anos atrás, e no meio dessa aceleração e facilidade, algo de muito humano se perdeu no meio do caminho.
Alguns chamariam isso de preço do progresso. Preço esse que Paulo prefere se abster e pagar multa – assim como nas boas e velhas locadoras.