Como explicar atração sexual e interesse amoroso por criminosos como Dahmer
Série de sucesso da Netflix sobre o serial killer gera tietagem ao ator Evan Peters, romantização do assassino e mais status ao ‘true crime’
Além das ações hediondas, algo bizarro une serial killers brasileiros como o Maníaco do Parque (Francisco de Assis Pereira) e o Maníaco de Goiânia (Tiago Henrique Gomes da Rocha).
Eles, assim como outros criminosos do gênero, receberam incontáveis cartas amorosas na prisão. Muitas com propostas de namoro e casamento.
Comportamento igualmente estranho foi estimulado pela série ‘Dahmer: Um Canibal Americano’, disponibilizada em setembro na Netflix, que se tornou um fenômeno de visualizações e repercussão midiática.
Nas redes sociais, numerosos usuários não tiveram pudor em elogiar a beleza do matador Jeffrey Dahmer e sexualizar a atuação de Evan Peters, o ator que interpreta o ‘Canibal de Milwaukee’.
A excitação por um criminoso — a ponto de a pessoa atingir o prazer sexual pensando nele — tem nome e explicação.
Em entrevista ao Sala de TV, o psicólogo Alexander Bez, autor de livros sobre relacionamentos e saúde mental, explica essa condição patológica e outras questões relacionadas ao serial killer tratado como figura pop do momento, inspirando até dancinhas no TikTok.
Há controvérsia a respeito da classificação de Jeffrey Dahmer. Alguns profissionais de saúde mental dizem que ele não era psicopata porque demonstrava sinais de afeição pelas vítimas. Qual sua opinião?
Ele era um psicopata, indiscutivelmente. Dahmer foi um dos mais cruéis assassinos em série dos Estados Unidos. A exacerbação máxima de sua crueldade-sádica-sexual era a masturbação que fazia nos intervalos de suas matanças, sob o corpo já abatido das vítimas. Dahmer aniquilou, intencionalmente, quase 20 homens, como isso não é psicopatia? Para mim, não há controvérsias nenhuma, porém, a classificação mental de Dahmer é extensa e complexa. Começando pela psicopatia sádica, a sua satisfação em matar, estourar as vítimas após serem mortas e desmembrá-las. Virou sua marca como serial killer. Era necrófilo, outra parafilia sexual, também moldada pela psicopatia. Seu transtorno de personalidade antissocial é muito claro. Dahmer não tinha apenas a matança desenfreada focada em seu espectro de interesse sexual. O controle, a dominação e a submissão de suas vítimas eram o seu mote psicótico central, por isso as drogava. Motivado pela psicose, dissecava os corpos e os armazenava como troféus. Em nenhum momento ele esboça arrependimento. Vale lembrar que para ser um serial killer, tem que ser antes um psicopata. Dahmer não era só um serial killer, mas também um ‘serial rapist’ (estuprador em série), canibal e pedófilo. Todas essas condutas psiquiátricas necessitam da psicopatia para serem executadas.
Nas redes sociais, há quem romantize Jeffrey Dahmer, o classificando como uma vítima de sua condição mental. Concorda?
Não, não concordo! Transtornos mentais psiquiátricos podem surgir já no nascimento. No próprio parto, se faltar um segundo de oxigenação, a psicose pode se fazer ali. Dahmer tinha a maldade no DNA, independentemente de qualquer outra coisa. É importante deixar claro que psicose não se muda, é uma condição que só piora, não há recuo nem cura. São fragmentações cerebrais orgânicas na estrutura mental do portador. Temos que nos preocupar com as vítimas e seus parentes, não com um monstro dessa magnitude negativa e de caráter antissocial-assassino-psicopático.
Como explicar que muitos espectadores tenham desistido de assistir à série pelas cenas explícitas de violência e canibalismo, e tantos outros ficaram empolgados e consumiram os episódios rapidamente?
Cada pessoa responde a um estímulo de uma maneira. Envolve condições emocionais e sentimentais de ver ou não, mesmo quando a pessoa quer assistir. A curiosidade determina a velocidade com que a pessoa consome uma série como esta. Porém, apesar do interesse, há quem não dê conta de assistir por muito tempo, justamente pelo mote que a fez começar: a violência, o canibalismo e as situações retratadas. A série é realmente pesada, muitas pessoas ficam ansiosas para ver como acabou, e aí, a consomem mais rapidamente. Já para outras, uma série desse porte pode trazer desconforto pelo fato de ver a realidade perturbadora de como tudo aconteceu, e assim desistem de assistir.
Assistir a uma série tão violenta e impactante pode estimular uma tendência agressiva ou até psicótica no telespectador?
Só vai estimular psicose ou agressividade em quem já a tem, aumentando o poder de uma ação desse porte. Ou para quem já tinha, mas não era explícita, e agora a pessoa pode ir do conteúdo latente, parado e invisível, para o conteúdo manifesto, visível e ativo.
Por que essas produções chamadas de ‘true crime’ (crimes reais) fazem tanto sucesso? Como explicar nossa curiosidade pela desgraça alheia?
São ações que despertam mesmo interesse. Algumas pelo olhar clínico (de profissionais, como psicólogos e policiais), outras pela simples curiosidade. Outras para ver até onde vai a maldade humana, outras para tentar conhecer melhor a personalidade humana. Cada um tem suas particularidades. Algumas pessoas podem assistir a uma produção como ‘Dahmer’ até mesmo para tentar se proteger de situação parecida.
Como explicar quem se sinta atraído pela beleza física de Jeffrey Dahmer, mesmo sabendo se tratar de um serial killer? Há quem tenha tendência a ser atraído pelo perigo?
Pessoas que sentem atração por serial killers, bandidos e marginais têm uma patologia psicológica chamada hibristofilia. Usualmente, são pessoas com uma estrutura mental muito fraca. Além das fantasias, elas acreditam que estarão protegidas do perigo ao se relacionar justamente com quem representa o perigo. Uma ideia delirante.
Em tempo: Jeffrey Dahmer matou pelo menos 17 rapazes, entre 14 e 31 anos. Foi condenado a várias prisões perpétuas. Em 28 de novembro de 1994, morreu após ser espancado por outro detento na prisão. Tinha 34 anos.