Confuso, sem vida e enfadonho, O Corvo é refilmagem que não tem o que dizer
Bill Skarsgard vive o personagem-título nesta nova versão para os cinemas dos quadrinhos de James O'Barr
Antes de o espectador tentar tecer qualquer comparação, as primeiras cenas de "O Corvo" já tiram o elefante branco do meio da sala e deixam claro que o filme faz um esforço hercúleo para se distanciar da primeira versão, o terror gótico quintessencial dos anos 90. Ao invés de irmos direto para o momento em que os policiais entram no apartamento de Eric e Shelly e a levam para o hospital, somos apresentados a um passado sombrio de Eric, repleto de traumas e dores mal-curadas, enquanto, do outro lado, descobrimos em Shelly uma personagem com seus próprios segredos e problemas a resolver.
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A ideia central aqui, é claro, é mostrar que o filme não está tentando ser uma cópia da obra que ficou eternizada e culminou na trágica morte de Brandon Lee. A simples ideia de fazê-lo esbanjaria um mau gosto aproveitador, e é disso que o filme foge a todo custo. A atmosfera soturna permanece ali, mas desta vez todas as propostas parecem diferentes, da estética à emocional.
Se a ideia de esclarecer imediatamente que não se trata de uma cópia fiel é nobre a princípio, os resultados na prática não são tão felizes. Dirigido por Rupert Sanders e estrelado por Bill Skarsgard e FKA twigs, o filme apresenta uma nova origem para Eric e Shelly, desta vez dando mais atenção ao encontro de almas gêmeas, e ainda criando uma nova motivação para a tragédia que leva os dois à morte.
Se por um lado há uma inegável nobreza nesse ímpeto de originalidade, que se debruça sobre os quadrinhos para referências de composição, por outro talvez tivesse sido melhor optar por alguma rota alternativa.
O filme passa quase uma hora desenvolvendo aquele romance tórrido entre Eric e Shelly, que no fim das contas é um encontro que dura no máximo dois dias do primeiro vislumbre à morte. Se a intenção era criar algo real entre os dois, o resultado trabalha totalmente contra a força da narrativa. Ao invés de fortalecer a ideia da conexão inesgotável, toda essa introdução enfraquece o enlace, pois é incapaz de realmente convencer o espectador de que aquele é um romance que atravessaria as fronteiras entre a vida e a morte. A apatia da protagonista feminina, cabe ressaltar, também não ajuda muito.
Embora seja notável o esforço de Bill Skarsgard para extrair uma dor e certa complexidade de seu personagem, a impressão que fica é de ver o ator trabalhando no vazio, já que absolutamente nada do que o cerca consegue transparecer mínima verdade. Primeiro porque a jornada de vingança contra a morte, que na teoria deveria ser uma espécie de grito de revolta, não passa de uma vendetta contra um inimigo com motivações desnecessariamente complexas. O filme precisa a todo momento lembrar o expectador os motivos de aquele grupo inimigo, uma espécie de seita demoníaca, ser o vilão contra quem Eric precisa lutar, já que nada daquilo está diretamente ligado a ele.
Desta forma, não apenas é impossível acreditar naquele amor como também não há nada na narrativa que seja forte o bastante para despertar qualquer tipo de emoção, positiva ou negativa, no espectador. A artificialidade está em todos os cantos, da direção de Sanders que não consegue criar romanticismo à estética que mira na modernidade e acerta em um emo cafona e fora do ponto.
Neste sentido, a artificialidade da direção de arte é o segundo ponto mais grave desta sucessão de erros. Ao invés de se estabelecer como um produto de seu próprio tempo, "O Corvo" é um filme que fica perdido entre realidades, tentando reproduzir uma estética pós-punk que talvez se adequasse mais a um videoclipe musical do que a um longa-metragem de quase duas horas.
Enquanto o filme de 1994 se firma claramente como um reflexo de sua década, com referências ao grunge que empregam o tom certo para a esfera ao mesmo tempo ligeiramente demoníaca e urgente ao entender que dialoga com uma juventude cansada e descrente, este fica solto entre qualquer momento entre meados dos anos 90 e 2010, sem estabelecer qualquer diálogo com os anseios contemporâneos.
Sanders tenta, no entanto, e cabe destacar que aumenta um ponto na violência gráfica que se destaca em um dos trechos finais, em uma montagem sob o cenário de uma ópera que consegue, pela primeira vez, mostrar certa personalidade. É uma pena que não o tenha feito antes. Na seara de refilmagens e continuações atuais, está entre as menos inspiradas de que se tem notícia.