‘Divino Amor’ traz debate necessário sobre religião e Estado
Longa de Gabriel Mascaro é ambientado em futuro distópico e expõe as consequências da apropriação da fé pelas instituições
O ano era 2015. “Bolsonaro não tinha um projeto muito claro”, explica o diretor Gabriel Mascaro, “nem se pensava em sua eleição”. Embrionado em vivências de sua infância, Divino Amor, seu mais novo filme, é preciso ser contextualizado. Começou a tomar forma há 4 anos, e fala de um futuro distópico, um Brasil de 2027, mas mostra uma discussão muito mais que atual, necessária.
Em Divino Amor, longa que estreou mundialmente no Festival de Sundance e participou da Mostra Panorama do Festival de Berlim, Dira Paes é a devota Joana. Funcionária de um cartório, ela usa o ofício também como instrumento de sua fé e dificulta divórcios. Joana acredita na força do matrimônio, e ao recuperar relações, barganha com Deus pela obtenção de seu próprio milagre: uma gravidez muito desejada. Ao seu lado, também tem a “comunidade” da “congregação” ‘Divino Amor’, um ambiente que reúne casais para uma espécie de terapia com técnicas progressistas liberais, mas sob viés estritamente religiosos.
Neste Brasil de 2027— que por vezes muito se parece com o de 2019, a religião permeia diversos setores vida, incluindo o Estado. E é aqui que o filme se destaca. Divino Amor não é um debate sobre a fé, mas sobre como há apropriação dela pelas instituições.
“(O filme) não julga os personagens”, avalia Mascaro, “a fé da Joana nunca foi uma questão, mas (é sobre) a lógica de mercado que a torna uma produtora de commodities”. Através de alegorias quase caricatas, o diretor exemplifica e expõe esse debate que, em sua opinião, é negligenciado. O drive thru da oração, que coloca à disposição um pastor para qualquer fiel que necessitar de conselhos, de dentro do seu carro, como num lava-rápido ou restaurante de fast-food, ou mesmo os encontros da ‘Divino Amor’, são elementos ousados do filme. Mas não se demore neles. O que o elenco espera mesmo é que a discussão vá adiante.
Expectativa. “Eu tenho um primeiro olhar de que (o filme) parece uma afronta, é o olhar mais raso. E talvez tenham esse olhar raso”, avalia Dira Paes, “mas o que a gente está propondo é avaliar se vale a apropriação de qualquer coisa, qualquer elemento, qualquer prática para ter mais fieis na Igreja? Até onde a fé te leva? Você é capaz de tudo para alcançar uma graça?”
Para Mariana Nunes, que dá vida à Lígia, o longa é também sobre a preparação do indivíduo para receber os milagres da fé. No filme, o momento que normalmente traria o ápice da concretização da fé de Joana é também aquele em que a personagem mais se distancia da comunidade. “A gente segura esse rojão? Estamos mesmo com esse discurso em uníssono?”, indaga Nunes.
Divino Amor estreia no dia 27 de junho.