Em 'Beetlejuice 2', a imperfeição é o maior triunfo de Tim Burton e seus fantasmas; leia a crítica
Sequência 'Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice' traz de volta Michael Keaton e Winona Ryder com brilho e nostalgia.
Nos 36 anos que separam "Os Fantasmas se Divertem" (1988) de sua sequência, "Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" (2024), muita coisa mudou no cinema. Para o bem ou para o mal, a indústria se transformou e ganhou outra cara em que predominam, hoje, projetos de franquias e basicamente tudo o que puder ser transformado em produto. Diante de toda a falta de originalidade que isso provoca em uma quantidade cada vez maior de blockbusters, é satisfatório ver que Tim Burton reverte todo esse poder destrutivo da nostalgia em uma crítica singela, mas definitivamente presente, na aguardada continuação que chega nesta quinta (5) aos cinemas.
É claro, estão de volta Michael Keaton, Winona Ryder e Catherine O'Hara nos papéis emblemáticos do longa original que se tornou um dos clássicos da Sessão da Tarde, interpretando respectivamente Beetlejuice, Lydia e Delia Deetz. Ainda que homenageie e traga referências inconfundíveis aos elementos mais marcantes do longa da década de 1980, "Beetlejuice Beetlejuice" jamais se prende ao passado, introduzindo novos elementos que tornam a trama mais complexa e grandiosa –o que, por sua vez, nem sempre é uma boa notícia.
É possível que a efervescência criativa tenha sido maior do que as páginas do roteiro pudessem conter, e este é o grande problema do filme. A primeira metade da projeção introduz uma enorme quantia de arcos narrativos sem jamais chegar ao lugar que todos sabemos ser o destino do filme. A construção da expectativa, é claro, costuma ser bem-vinda quando executada de uma forma compensatória, mas este não é necessariamente o caso de "Beetlejuice 2". Algumas vezes, personagens e histórias introduzidos com muita empolgação na primeira parte vão desaparecendo ao longo do filme, e terminam como simples notas de rodapé num desfecho já agitado, enquanto, paralelamente, outras tramas que poderiam ter tido mais destaque acabam aparecendo de supetão ou não têm a força emocional que deveriam ter. Os personagens de Monica Bellucci e Justin Theroux, por exemplo, são extremamente mal-aproveitados, enquanto a história de Astrid (Jenna Ortega) com o pai carece de impacto afetivo.
A história de Astrid é outra que demora a dizer a que veio, talvez por Jenna Ortega parecer completamente fora de seu elemento. Em seu segundo trabalho com Tim Burton, a protagonista de "Wandinha" sedimenta seu nome entre as novas estrelas do terror e do gótico, embora seja difícil encontrar justificativas para tal. A impressão que fica é que Ortega está repetindo os trejeitos de Wandinha Addams, acostumada demais a personagens sombrias e parecidas entre si. O problema é que Astrid é mais deprimida que apática, e uma mudança na postura da atriz teria ajudado a criar uma conexão mais forte com seus dilemas. No entanto, as escolhas de interpretação da atriz parecem dizer o contrário.
Mesmo assim, chega a ser energizante ver o quanto Tim Burton parece completamente livre de qualquer amarra na direção de "Beetlejuice Beetlejuice", e as partes mais empolgantes do filme são justamente aquelas em que ele está mais insano e desprendido de qualquer compromisso com realidade ou verossimilhança. Há uma infinidade de piadas que o espectador deve estar preparado para ser perspicaz o suficiente para pescar de primeira, mas perder uma ou outra jamais compromete a absorção da história. A parte mais nobre de toda a energizada que o filme ganha é que Burton parece dar as costas para qualquer um que tente limitar sua arte, e o filme vai ficando mais divertido enquanto a história fica mais maluca. Mas é quando Winona Ryder e Michael Keaton ficam totalmente sob os holofotes que o filme ganha uma espécie de lufada de ar de sobrevida, e tudo o que estava fora dos eixos volta ao lugar. Diante de tantos novos elementos, o que mais funciona é deixar os veteranos brilharem. Se isso não lhe diz nada, aqui vai uma dica: o clássico é clássico por um motivo.
É claro, isso não quer dizer que as inclusões não funcionem, mas sim que nem todas são aproveitadas em todo o seu potencial. A maior exceção é o camaleônico Willem Dafoe, que interpreta um ator de TV morto chamado Wolf Jackson, acostumado a viver detetives policiais em séries procedurais dos anos 90. No Além, ele assume o caminho mais óbvio e se torna um detetive de casos do submundo, o que rende ótimas piadas metalinguísticas que são possivelmente as adições mais sagazes à história.
Piadas como a do personagem de Dafoe são as que melhor funcionam no filme, já que através delas Tim Burton conta uma história da transformação midiática vivida nas últimas 3 décadas, desenhada com delicadeza nas entrelinhas do texto. Das séries policiais e dos romances góticos e vingativos aos influenciadores robotizados com telas de celular no lugar do rosto, "Beetlejuice Beetlejuice" consegue homenagear ao mesmo tempo que ironiza, e vai além quando inclui o melhor que todas essas transformações trazem enquanto deixa de lado o esvaziamento que atravessa uma era do cinema completamente tomada por refilmagens e continuações injustificadas.
Embora nem tudo funcione perfeitamente em "Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice", talvez a beleza do cinema de Tim Burton esteja justamente no caos organizado que ele consegue reger, como um maestro que se diverte enquanto trabalha, em seu melhor trabalho nos últimos 12 anos. Em tempos de propriedades intelectuais, isso vale muito mais para a autoralidade do que valeria uma suposta perfeição.