'Eu não tenho medo de compartilhar minha dor', revela Kirsten Dunst
Atriz fala sobre 'The Power of the Dog', um novo filme da Netflix dirigido por Jane Campion que traz uma das melhores performances da atriz de 39 anos
O que Kirsten Dunst mais queria de sua viagem à Itália era dormir profundamente no avião e tomar um Bellini na hora da chegada. Todo o resto ela consideraria um bônus e, como aconteceu, os bônus foram consideráveis.
Dunst foi à Itália para o Festival de Cinema de Veneza, no qual estreou The Power of the Dog, um novo filme da Netflix dirigido por Jane Campion que traz uma das melhores performances da atriz de 39 anos. Ela chegou no último dia de agosto, após meses cuidando de um bebê recém-nascido e, um ano antes disso, presa em casa porque, enfim, todos sabem.
Então vocês podem imaginar como Dunst se sentiu quando saiu do avião, entrou em um barco ao pôr do sol e correu para o hotel com as luzes de Veneza piscando no horizonte. Conforme ia absorvendo tudo isso, Dunst começou a se sentir bem: um dia inteiro de viagem, quatro meses sem dormir cuidando de um bebê e a cidade mais bonita que você já viu fazem isso com uma pessoa.
As próximas 48 horas foram tumultuadas. Dunst tentou superar o jet lag e foi para a piscina do hotel, onde bebericou Bellinis com seu irmão e observou os italianos idosos e endinheirados se divertirem. No dia seguinte, Dunst colocou um vestido Armani Privé que a fez se sentir à prova de balas e acompanhou Campion e o protagonista do filme, Benedict Cumberbatch, à estreia na Sala Grande.
Quando o filme terminou, o público aplaudiu de pé The Power of the Dog por vários minutos, e Campion e seu elenco exibiram grandes sorrisos. As coisas não poderiam ter sido melhores. Dunst estava emocionada?
"Eu estava tão animada com a experiência", ela me disse depois, "e com um cansaço devastador por dentro".
Mesmo quando está sorrindo, Dunst pode sugerir algo muito mais complicado acontecendo por trás da superfície. Esse dom funciona bem em The Power of the Dog, baseado no romance de Thomas Savage e estrelando Cumberbatch como Phil, o sádico dono de um rancho em Montana, no ano de 1925. Por toda sua vida, Phil manteve seu irmão mais novo sob seu controle, mas quando George conhece e impulsivamente casa-se com a melancólica Rose (Dunst), Phil se incomoda com a intrusão dessa mulher e começa a agir para destruí-la.
Então uma armadilha é colocada para a pobre Rose: George adora sua nova noiva e a encoraja a se abrir, mas tudo que Rose expõe sobre si são pontos de vulnerabilidade que Phil pode usar contra ela. Mesmo quando Rose se volta para o álcool para lidar com a dominação de Phil, ouvimos seu murmúrio: "Ele é apenas um homem". Mas a forma com a qual Dunst diz a fala, como se mal acreditasse no que está dizendo, sugere que Rose conhece muito bem o mal que os homens podem fazer.
The Power of the Dog é o primeiro longa-metragem de Campion em mais de uma década e pode se tornar o filme mais aclamado da diretora desde O Piano (1993), mas também funciona como o mais recente exemplo de uma das reinvenções mais notáveis na carreira de alguém: após anos sendo escalada para interpretar loiras doces e ensolaradas, de alguma forma, Dunst se tornou uma das nossas principais cronistas do desespero mais sutil.
Pensem em Melancolia, no qual a depressão de Dunst atinge níveis apocalípticos mesmo antes de o mundo chegar a um violento fim; na forma com a qual suas piadas trazem uma pitada amarga na enganadora comédia romântica Quatro Amigas e um Casamento; ou no filme de Sofia Coppola O Estranho que Nós Amamos, em que Dunst alimenta uma solidão tão privada que chega a parecer uma intrusão apenas observá-la. Mesmo em seus trabalhos para a TV, como Fargo ou Como se Tornar uma Divindade na Flórida", Dunst pega personagens com alto potencial cômico e faz com que estejam sempre operando com um desapontamento real e profundo. Ela já sentiu isso antes, e faz com que você também sinta.
"Ela tem profundidade; ela sabe, ela viu", Campion me disse. "O que acho incrível é que ela está tão imersa na emoção do momento. Ela te leva à empatia imediatamente"
Eu perguntei a Dunst como ela faz isso e ela pensou sobre a questão por um tempo.
"Eu não tenho medo de compartilhar minha dor", ela finalmente disse. "Não tenho nenhuma barreira quando se trata de compartilhar essas partes minhas. E é meu trabalho compartilhar tudo isso"
"Por muito tempo, nunca fiquei brava com ninguém", ela disse. "Eu engoli muita coisa. Quando você está no set, é uma atuação, é agradável. Em determinado momento você tem que ficar brava, e eu acho que, eventualmente, isso acaba se desenvolvendo na gente. Não dá pra sobreviver assim. Seu corpo te impede".
É por isso que, depois de entrar nos 30 e trabalhar nos últimos anos com a professora de interpretação Greta Seacat, Dunst encontrou uma nova conexão catártica com seu trabalho: ela quer pegar toda essa confusão que as pessoas guardam e fazer com que a vejamos nas suas performances.
"É o que a atuação deveria ser", ela disse. "Essas são as performances que eu amo, as mais reveladoras sobre os seres humanos e as coisas mais difíceis que passamos na vida."
TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES