Fernanda Torres sobre o Oscar: 'Odeio expectativas, sou pessimista por natureza'
Em entrevista à BBC, atriz brasileira diz que ficaria 'mais do que feliz' com indicação ao Oscar, mas afirma que já está bastante satisfeita com vitória no Globo de Ouro: 'Eu era o cavalo azarão naquela noite, e foi bonito de ver, porque é um ano muito especial para performances femininas'.
Falando à BBC, a atriz brasileira Fernanda Torres brinca que tinha acabado de subir o K2, a segunda montanha mais alta do mundo, e já estavam lhe perguntando sobre o Everest.
Nessa analogia, o K2 é o prêmio Globo de Ouro, que ela venceu no início de janeiro na categoria de melhor atriz em um drama, com o filme brasileiro Ainda estou aqui.
O Everest, a montanha mais alta do mundo, seria o Oscar.
Por conta da vitória no Globo de Ouro e da repercussão tanto do filme quanto da atuação de Torres, há grandes expectativas pela indicação da brasileira ao prêmio — que, entre os pré-selecionados para a categoria de melhor filme internacional, traz também Ainda estou aqui.
A divulgação das indicações ao Oscar está prevista para esta quinta-feira (23/01).
"É claro, eu ficarei mais do que feliz se eu for indicada ao Oscar. Mas, ao mesmo tempo, o Globo de Ouro já é uma conquista tão grande. No Brasil, é como se tivéssemos vencido a Copa do Mundo", afirmou Torres ao programa de rádio Weekend, do serviço mundial da BBC.
"Se eu conseguir um lugar na base 1 do Everest, eu ficarei mais que satisfeita, mas ganhar...", hesitou a atriz.
"Eu odeio expectativas. Sou uma pessimista por natureza. E o que vier, vou ficar feliz. Sabe, estou mais do que feliz com o meu pesado Globo de Ouro na minha mala. E eu amaria ser indicada porque isso seria muito simbólico."
"Mas eu não meço a vida em termos de ganhar ou perder."
Colunistas e veículos da imprensa internacional têm endossado as chances de Fernanda Torres concorrer, e quiçá ganhar, o Oscar.
Nicholas Barber, crítico da BBC, apostou no nome da brasileira entre as cinco indicadas. Já Caryn James, também da BBC, não deu o nome como tão certo, embora tenha classificado a atuação de Torres como "inspiradora" e merecedora de uma indicação.
Torres aparece ainda entre as apostas de indicadas ao Oscar em listas de previsões recentes da Variety, da Vanity Fair e do editor Scott Feinberg em The Hollywood Reporter.
Em um texto de 9 de janeiro, o editor na Variety Clayton Davis afirmou que a vitória de Torres no Globo de Ouro deu a ela um "impulso vital em uma categoria em que é notoriamente difícil para artistas internacionais garantirem a atenção do Oscar".
David Canfield, da Vanity Fair, afirmou que Ainda estou aqui está sendo "extremamente bem recebido pelos membros da Academia [de Artes e Ciências Cinematográficas]".
"Se votantes o suficiente assistirem, ela consegue [a indicação]", escreveu Canfield.
'Eu era o cavalo azarão naquela noite'
A carioca foi a primeira atriz brasileira a levar o Globo de Ouro, derrotando nomes conhecidos mundialmente como Nicole Kidman, Tilda Swinton e Kate Winslet.
"Eu era o cavalo azarão naquela noite, e foi bonito de ver, porque é um ano muito especial para performances femininas — performances incríveis, e também coisas muito bonitas de mulheres maduras", afirmou à BBC.
A atriz de 59 anos dedicou o Globo de Ouro à sua mãe, Fernanda Montenegro — que, em 1999, foi indicada ao mesmo prêmio e ao Oscar de melhor atriz por sua atuação em Central do Brasil, mas perdeu para Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow, respectivamente.
A conexão entre as conquistas de mãe e filha é inevitável — inclusive porque tanto Central do Brasil quanto Ainda estou aqui foram dirigidos por Walter Salles.
E é interpretando uma mãe da vida real que Fernanda Torres está alcançando voos tão altos com Ainda estou aqui: ela faz o papel de Eunice Paiva (1929-2018), esposa de Rubens Paiva, político brasileiro desaparecido e morto durante a ditadura militar no Brasil.
O longa é baseado em livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos de Eunice e Rubens.
"Marcelo escreveu o livro porque a mãe dele estava começando a ter Alzheimer. Ele pensou: se eu não escrever isso, a memória dela vai ser esquecida junto com a memória do país", relatou a atriz.
Para Torres, o filme está ensinando aos jovens "o que realmente significa viver em uma ditadura", em um momento em que o Brasil "estava perdendo sua memória".
"Muitos jovens que foram criados durante o período democrático... A democracia não resolveu nossos problemas, a desigualdade e tudo mais. Eles [os jovens] começaram a pensar que talvez uma economia liberal com um toque de ditadura iria resolver nossos problemas, porque eles não tinham qualquer memória da ditadura."
A atriz considera que o momento atual é "distópico" — como o período retratado no filme.
"Não é só no Brasil. Acho que a Eunice Paiva e a família Paiva foram vítimas da Guerra Fria, um momento muito distópico no mundo", afirmou. "E tem muito a ver com o momento que estamos vivendo agora, eu acho."
'Não é um filme que te destrói'
Fernanda relata que, mesmo diante de um drama familiar e político do país, Eunice decidiu "não se tornar uma vítima".
"Eunice sempre teve essa percepção de que, se se colocasse como uma vítima, a ditadura teria ganhado", diz a atriz, citando a marcante cena de Ainda estou aqui em que Eunice insiste em sorrir com os filhos para um retrato, após o fotógrafo de uma revista sugerir que a família — já sem Rubens Paiva — posasse de uma forma "menos feliz".
"Mesmo nas entrevistas que eu assisti para interpretar Eunice, ela sempre estava sorrindo."
Segundo a atriz, Eunice foi "criada para ser a dona de casa perfeita dos anos 1950".
"Foi criada para ser a grande mulher por trás do grande homem", comentou Torres.
"Então ela é uma mulher que, depois de abrir mão da vida utópica dela, é aí que ela se torna ela mesma."
"Ela conseguiu sair e se reinventar depois de uma tragédia como essa", disse a atriz na entrevista à BBC, acrescentando que Eunice Paiva formou-se em Direito aos 46 anos e se tornou uma ativista pelos direitos humanos e pelos povos indígenas.
Era uma "mulher à frente do seu tempo", concluiu Torres.
"É um filme sobre uma história triste, mas você sai do cinema muito tocado e com sentimento de esperança, eu acho. Não é um filme que te destrói. É um filme sobre uma família que foi capaz de sobreviver sorrindo, dizendo 'sim' para a vida."