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Festival de Berlim começa com mais de 18 filmes brasileiros

Tradicionalmente, evento cinematográfico é receptivo às produções nacionais

19 fev 2020 - 06h10
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BERLIM - Berlim sempre foi, tradicionalmente, o festival internacional mais receptivo ao cinema brasileiro. Em 2018 e 19, a Berlinale acolheu 12 títulos nacionais a cada ano, entre curtas e longas. Foram filmes como Marighella, que até agora não estreou nos cinemas do País, Divino Amor, Greta, Tinta Bruta, Indianara, Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, etc. Para este ano, na 70ª edição do festival, não apenas o número aumentou - para 19 -, como o Brasil está de volta à competição, com Todos os Mortos.

No primeiro ano do italiano Carlos Chatrian como diretor artístico, a Berlinale de 2020 começa nesta quinta, 20, e prossegue até o domingo, 1.º de março. No sábado, 29, o júri anuncia os vencedores da 70.ª edição. O Brasil está de volta à disputa do Urso de Ouro, que já recebeu duas vezes - por Central do Brasil de Walter Salles, em 1998, e Tropa de Elite, de José Padilha, em 2007 -, com o novo longa de Marco Dutra, em parceria com Caetano Gotardo. Todos os Mortos é um drama de época que os dois diretores começaram a conceber em 2013, até como tentativa de compreensão dos movimentos de rua que estavam sacudindo o Brasil naquele momento.

E surgiu a história de uma mãe e suas duas filhas no período pós-Proclamação da República e libertação dos escravos. Uma antiga escrava permanece agregada à família e é por intermédio dessas quatro mulheres que a dupla de diretores tenta dar conta da estrutura social brasileira. "A desigualdade social no País não é um fato novo, mas tem origem nas condições históricas. Não é possível entender o hoje sem se referir ao passado", reflete Dutra. É um diretor que gosta de trabalhar em dupla - com Juliana Rojas, com Gotardo - e com frequência tem se exercitado no cinema de gênero. Dessa vez, não espere pelo terror - a pegada é outra.

Para sua edição de 2020, o Panorama terá como tema as migrações. Cidade Pássaro, de Matias Mariani, olha São Paulo pelo ângulo de um músico nigeriano que busca o irmão no Brasil. "Estar em Berlim com esse filme demonstra que há um interesse em ir além das histórias que se espera do Brasil. Uma consequência inesperada dessa crise democrática que estamos vivendo é o fato de nós, cineastas, estarmos percebendo a necessidade de alargar um pouco o conceito de filme brasileiro, de criar pontes narrativas mais sólidas como resto do mundo e ser um pouco menos autorreferentes", diz o diretor.

Também no Panorama, Karim Aïnouz mostra o documentário Nardjes A. A história desse filme não poderia ser mais curiosa. Karim foi à Argélia em busca de suas origens, para traçar um retrato do pai. Descobriu essa ativista por direitos. Não resistiu - filmou-a do jeito que dava, isto é, com IPhone, e só isso já faz do filme uma experiência de linguagem por parte de um autor que tem ousado bastante nos temas.

O experimentalismo também dá o tom de Apiyemieki, de Ana Vaz, no Forum Expanded. Na mostra Generation, o representante do Brasil é Meu Nome É Bagdá, de Caru Alves de Souza, sobre garotas skatistas que enfrentam o machismo na família e nas ruas.

Outros longas brasileiros na Berlinale - No Forum: Vil, Má, de Gustavo Vinagre; Luz nos Trópicos, de Paula Gaitán; e Chico Ventana También Quisiera Tener Un Submarino, de Alex Pipero; no Forum Expanded: Jogos Dirigidos, de Jonathan Andrade; (Outros) Fundamentos, de Aline Motta; Vaga Carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr; Letter From a Guarani Woman in Search of a Land Without Evil, de Patricia Ferreira Pará Yxapy.

Ainda na Panorama, Un Crímen Común, de Francisco Márquez, coprodução com a Argentina, sobre assassinato que expõe a desigualdade de classe; O Reflexo do Lago, de Fernando Segtowick, na seção Dokumente, sobre comunidade que, mesmo vivendo junto a uma das maiores hidrelétricas do mundo, na Amazônia, não dispõe de eletricidade; e Vento Seco, de Daniel Nolasco, sobre garoto do interior de Goiás cuja vida sofre sobressalto ao conhecer sósia de herói de quadrinhos. Este último surge desde logo como candidato ao Teddy Bear, o Urso gay, que filmes brasileiros têm vencido com regularidade nos últimos anos.

Novo diretor mantém compromisso político do evento

A partir desta quinta, 20, e até o domingo, 1.º, Berlim veste-se de gala para sediar o evento de cinema mais político do mundo. É a edição de número 70 do festival e a primeira seleção de Carlo Chatrian, italiano que, até recentemente, fazia a curadoria do Festival de Locarno e agora é o novo diretor artístico da Berlinale. Chatrian manteve o comprometimento social e político de seu antecessor, Dieter Kosslick, mas já é possível perceber sua independência. A Berlinale muitas vezes foi acusada de sacrificar a estética à política. Com ele, Berlim busca conciliar interesses: política + cinema autoral.

Com 18 filmes na disputa pelo Urso de Ouro, a seleção contempla grandes diretores internacionais - Hong Sang-soo (The Woman Who Ran), Philippe Garrel (Le Sel des Larmes), Ritty Panh (Irradiated), Tsai Ming-liang (Days), Christian Petzold (Undine) - com novos talentos emergentes, incluindo os brasileiros Marco Dutra e Caetano Gotardo, que farão sua estreia na Berlinale, e a argentina Natalia Meta, com El Prófugo (O Intruso).

Autores frequentes na seleção berlinense, como a britânica Sally Potter, de The Roads Not Taken, estarão de volta. A seleção dos EUA inclui o sempre visceral Abel Ferrara, com Siberia. Há grande curiosidade por um dos concorrentes alemães - Berlim Alexanderplatz, de Burhan Qrbani, transpõe para a atualidade e condensa o livro de Alfred Doblin que Rainer Werner Fassbinder transformou numa minissérie de mais de dez horas em 1980.

Ao divulgar sua primeira seleção berlinense, Chatrian disse: "Os filmes da competição contam histórias íntimas, impressionantes, individuais e coletivas, que têm efeito duradouro e ganham impacto com a interação com o público. Se houver predominância de tons escuros, isso pode ser porque os filmes que selecionamos tendem a olhar o presente sem ilusão, não para causar medo, mas porque querem abrir nossos olhos para a realidade".

O júri que vai outorgar os Ursos de Ouro e Prata será presidido pelo ator britânico Jeremy Irons. Entre os seus integrantes está o diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho, de Aquarius e Bacurau, além de Bérénice Bejo (Argentina/França), Bettina Brokemper (Alemanha), Annemarie Jacir (Palestina), Kenneth Lonergan (EUA) e Luca Marinelli (Itália).

Estadão
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