'A Praga', filme de Zé do Caixão de 1980, dado como perdido e 'amaldiçoado', chega enfim aos cinemas
Conheça a saga do média-metragem deixado incompleto pelo cineasta brasileiro. Ele foi restaurado, passou por um processo de dublagem e estreia nesta quinta-feira (6)
É possível desconfiar de que o filme A Praga realmente foi amaldiçoado em algum momento de sua produção. Afinal, este média-metragem de Zé do Caixão, que finalmente chega aos cinemas nesta quinta-feira, 6, passou por maus bocados e, por muito tempo, foi visto como um filme perdido. Acreditava-se que ele nunca veria a luz da madrugada.
Primeiramente, o filme, que nasceu de um roteiro do quadrinista Rubens Lucchetti, era um projeto de um episódio de 50 minutos para a televisão. Nunca foi para o ar e, para piorar, o material se perdeu em um incêndio no acervo da TV Bandeirantes.
"A Praga foi escrito para Além, Muito Além do Além, programa produzido e exibido pela Bandeirantes, de São Paulo, e apresentado por José Mojica Marins, o Zé do Caixão. O programa foi exibido em 29 de dezembro de 1967", explica Lucchetti, ao Estadão.
Em 1980, o resiliente, Zé do Caixão resolveu voltar ao texto e fazer um filme. Só que não conseguiu concluir as filmagens, e por falta de dinheiro, e os rolos se perderam.
Começa a saga de recuperar 'A Praga'
Em 2007, o produtor e pesquisador Eugênio Puppo estava preparando uma retrospectiva de Mojica no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (CCBB-SP) e a Cinemateca. As coisas começaram a mudar. "Ao longo das últimas semanas dessa pesquisa, que durou quase 5 anos, me deparei com cerca de 20 rolos de filmes em Super 8, que estavam originalmente destinados ao descarte. Ao colocar os filmes em uma mesa enroladeira e seguir as indicações fornecidas por Mojica, confirmei que se tratava de A Praga", diz.
Porém, a coisa não era tão simples quanto juntar esses rolos e colocar no ar. Para começar, era preciso fazer um trabalho de restauro, além de gravar algumas cenas que estavam incompletas e fazer a dublagem. Eugênio até tentou correr para colocar o filme na retrospectiva de 2007, mas não era o ponto final. O filme ainda precisava de muito: digitalização em alta resolução, revisão da montagem, finalização mais precisa de som e imagem e criação de uma trilha sonora original.
"Ao longo dos anos, buscamos financiamento para essa fase de pós-produção, inscrevendo o projeto em vários editais, mas não fomos contemplados. No início de 2021, decidi investir recursos próprios na criação desta nova versão do filme. Para chegar à sua versão final, o material original em Super 8 foi escaneado quadro a quadro e digitalizado em resolução 4K no laboratório ColorLab, em Rockville, nos Estados Unidos. Em seguida, o filme foi editado e recebeu uma nova mixagem sonora", explica Puppo, sobre o processo de restauração.
À meia-noite restaurarei seus rolos
Nesta quinta-feira, assim, o filme quebra a maldição de 40 anos. A história é simples, como eram os programas de Mojica para a TV, mas traz a mais pura essência de Zé do Caixão para as telonas - três anos após sua morte, no início de 2020. É como um renascimento desse personagem tão emblemático e que ainda encontra espaço nas telas.
A imagem está cristalina - parece que o filme foi gravado anteontem. A voz, que foi dublada postumamente e que passou até por leitura labial por uma profissional surda-muda, traz a essência da história, sem prejuízos. É como se sua morte fosse apenas uma pausa.
"Mojica foi um verdadeiro gigante do cinema brasileiro, pois não apenas realizou grandes experimentos com a linguagem narrativa, criando cenas surreais através de posições e movimentos de câmera incomuns, mas também foi um transgressor, tanto em forma quanto em conteúdo", diz Puppo.
Em A Praga, por exemplo, muito desse seu cinema surge em comentários sobre a masculinidade frágil e a violência contra as mulheres. Claro, há muitas cenas assustadoras que, com a revitalização, ficam ainda mais sanguinolentas e mantêm Zé do Caixão vivo. "Os filmes do Mojica têm espaço nos cinemas, já que são sui-generis", resume Lucchetti, sobre a continuidade de Mojica. "Não há nada igual a eles".