Além de 'Ainda Estou Aqui': quem é o outro brasileiro com filme indicado ao Oscar
Diretor de fotografia ítalo-brasileiro, Andrea Gavazzi comemora momento de destaque do país no cinema e enxerga futuro promissor
Andrea Gavazzi considera um "encerramento de ciclo" o fato de ser levado ao Oscar pela primeira vez com um filme que aborda o tratamento dado a imigrantes nos Estados Unidos. "Revivi os últimos dez anos da minha vida, as dificuldades e a distância da família e dos meus pais. Você nunca sabe qual será o projeto com o qual as pessoas vão se conectar", reflete, em entrevista ao Estadão, sobre o momento em que soube que o filme A Lien, do qual é diretor de fotografia, estava indicado a Melhor Curta de Ficção.
Para Andrea, o momento é simbólico porque sua relação com a mudança de países vem desde a infância. Filho de imigrantes italianos, ele nasceu em São Paulo, mas passou a infância e a adolescência, até os 18 anos, entre a fazenda do pai no interior paulista e a realidade caótica de Roma. "Eu voltava ao Brasil durante quatro ou cinco meses no ano, e era o oposto da minha vida na Itália. Andava descalço o dia inteiro, tinha liberdade completa", recorda. "Saía às nove da manhã e voltava às oito da noite."
Dono de um português fluente, o diretor de fotografia mora hoje nos Estados Unidos, mas continua visitando o Brasil com regularidade. E é justamente por isso que a trama do filme dirigido pelos irmãos Sam e David Cutler-Kreutz fala tão diretamente com ele.
Na história, o imigrante Oscar Gomez (William Martinez) está indo para a entrevista do Green Card com a esposa e a filha de sete anos, ambas americanas. Mas o que deveria ser um dia de conquista se transforma em um pesadelo diante das burocracias e do risco do processo migratório norte-americano.
Apesar de fictício, o filme denuncia algo que acontece de verdade com imigrantes em processo de legalização de sua permanência no país. A indicação de A Lien ao Oscar soa particularmente atual em meio às novas medidas do governo do presidente Donald Trump, que está expandindo a deportação desde que assumiu seu novo mandato.
"Sempre que as pessoas pensam no processo de deportar um imigrante, elas acreditam que isso acontece quando alguém fez algo de errado, criminoso ou violento. Mas, na maioria das vezes, acontece como [no filme]. São pessoas que moram a vida inteira nos Estados Unidos, não têm conexão alguma com o país de origem e só precisam de um único documento. E, como o governo não te comunica, não tem como você achar a solução até ir atrás e se entregar. É isso que a história conta."
Em 14 minutos, A Lien mostra como o dia daquela família se inicia com o natural nervosismo que se instaura diante da formalidade da entrevista, e se transforma quando Sophia (Victoria Ratermanis) percebe que o marido está correndo risco e foi alvo de uma armadilha. O acúmulo de tensão eclode em um final cujo poder está na capacidade de fazer o público se enxergar impotente diante da realidade. "É uma técnica que está no limiar da legalidade", explica Gavazzi.
Brasil como referência
Hoje com 34 anos, Gavazzi passou longe do cinema quando foi para a faculdade. Formado em Economia, ele nunca trabalhou na área, mas viajou para o Brasil assim que concluiu o curso. Começou a trabalhar como assistente de produção em curtas de alunos da FAAP. Foi ali que ele entendeu qual carreira gostaria de seguir.
"Tudo o que eu gostava de fazer e eu achava que era papel do diretor era, na verdade, a direção de fotografia. Encontrei um diretor de fotografia brasileiro que me levou para trabalhar em vários curtas como segundo assistente, e ali aprendi muito. Depois, consegui tirar o visto e fui para os Estados Unidos, porque sabia que haveria muitas oportunidades", explica.
A mudança deu certo. Hoje, Andrea acumula no currículo comerciais para Nike, Prada e Reebok, além de videoclipes com Kaytranada e Childish Gambino, Diplo, Charli xcx e Cage the Elephant. No dia em que os indicados ao Oscar foram anunciados, ele lançava um novo curta-metragem no Festival de Sundance.
Ainda que more longe, Gavazzi carrega consigo as bases do que aprendeu trabalhando no Brasil, e as múltiplas referências do cinema italiano com o qual cresceu - o pai de seu melhor amigo de infância era simplesmente roteirista de Dario Argento, e também trabalhou em Era Uma Vez na América.
"O Brasil tem um jeito muito lindo de viver o trabalho", reflete. "Trabalho no mundo inteiro e às vezes as pessoas entram em um ritmo muito cerrado, mas no Brasil as pessoas não enxergam limitações porque é parte do espírito sempre achar um jeito."
E, é claro, além de torcer pela vitória de A Lien, Andrea também está de olho nas chances de Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui. Para ele, há uma grande porta aberta no momento para o cinema fora do eixo da América do Norte.
"A personagem Eunice me lembrou muito minha mãe, e o filme é importante porque uma ditadura acaba e, em muitos países, simplesmente seguimos, como se aquele pesadelo nunca tivesse acontecido. Não só no Brasil e na América Latina, mas também em alguns países da Europa. Faz uns anos que tenho visto um começo de ciclo para o cinema latino. Não sei quanto tempo vai durar, mas é o início de alguma coisa. Há uma crise no cinema americano e europeu, e talvez esta seja uma oportunidade."
