'Baby' questiona o conceito de família: 'É o coração do filme', diz diretor
Filme fala sobre um rapaz, que acabou de sair da prisão, que forma família com um homem mais velho que o protege nas ruas de São Paulo
Lá se vão cerca de 15 anos desde que o cineasta Marcelo Caetano começou a filmar o centro de São Paulo como cenário de suas histórias. Foram quatro curtas, uma série no Canal Brasil, Notícias Populares, e um longa-metragem, Corpo Elétrico. Todos buscam, de alguma maneira, entender a cidade por novos prismas e olhares. Mas nenhum é tão feliz quanto o novo trabalho de Caetano: o longa-metragem Baby, que estreou nesta quinta-feira, 9.
"Minhas obras tratam de temas recorrentes, como famílias alternativas e o encontro entre pessoas muito diferentes. Eu gosto de explorar esses encontros que, embora não impossíveis, são improváveis", resume Marcelo Caetano em entrevista ao Estadão, por vídeo. "Baby consolida todos esses temas que estavam presentes nos projetos anteriores."
Na história do longa-metragem, Wellington, ou apenas Baby (João Pedro Mariano), sai de um centro de detenção para jovens sem rumo pelas ruas de São Paulo depois que os pais o abandonaram. Não há mais ninguém, até que visita um cinema pornográfico e conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa que tem Baby como seu protegido.
A partir daí, os dois iniciam uma relação tumultuada, marcada por conflitos entre exploração e proteção, ciúme e cumplicidade. "O coração do filme é questionar o conceito de família", diz o diretor. "No Brasil, vemos uma tentativa de capturar o conceito de família como algo biológico, tradicional. Quero falar de famílias homoafetivas, de famílias escolhidas, de amizades que se tornam famílias. O filme mostra que esses vínculos podem ser amorosos, sexuais, afetivos e econômicos. Baby questiona que tipo de família é a brasileira".
Fora do País, o filme já foi um sucesso: foi selecionado para a semana da crítica de Cannes, em 2024, e ainda coroou Ricardo Teodoro como o ator revelação da competitiva.
A cidade como personagem
Engana-se, porém, quem pensa que Baby tem apenas o cinema pornográfico do centro como cenário. Tudo ali se transforma. Caetano tem gosto de andar pelas ruas e vielas da cidade, explorando tudo o que o concreto devolve aos personagens e até aos atores.
Afinal, conta ele, a preparação com o elenco, e também com a equipe técnica, era uma volta pelas ruas de São Paulo. "Toda vez que eu convidava alguém para participar do filme, o primeiro passo era dar um rolê no Centro", diz. "Saíamos daqui de casa, na Alameda Glete com a Avenida São João, e caminhávamos até a República, depois à Sé, e voltávamos. Esse passeio servia para apresentar os lugares que gosto, que têm uma relação afetiva comigo, e também onde eu imaginava que os personagens viviam ou poderiam ir."
Marcelo diz que essas caminhadas ajudaram a mostrar os diferentes grupos que ocupam o Centro: o ballroom, a comunidade gay, a comunidade lésbica, as pessoas trans, a comunidade negra LGBT, migrantes nordestinos, africanos, sírios. "Tudo isso foi fundamental para integrar as pessoas ao projeto", diz. "As locações surgiram de maneira natural dessas explorações, como uma pensão que tivemos a sorte de liberarem pra gente".
Nessa paixão que o cineasta tem pelas ruas da cidade, o filme não segue aquele caminho óbvio da cidade oprimir os personagens. Eles vivem, se aproveitam dela e sobrevivem.
"Os personagens são os donos da rua. Toda vez que caminho pelo Centro - o que faço diariamente -, tenho consciência de que estou entrando na casa de muita gente. Há muitas pessoas que moram ou ocupam as ruas diariamente", nota. Por isso, durante as filmagens, Marcelo seguia um esquema de ocupação natural: avisavam os órgãos responsáveis, mas não fechavam as ruas. "Nossa equipe filmava no fluxo da cidade, avisando quem estava próximo. Queríamos capturar a vida pulsante, as cores, as dinâmicas reais do Centro", conta.
Agora, em 2025, parte desse cenário já se dissipou. A pensão da Dona Maria, que abriga algumas das melhores cenas do longa-metragem, foi demolida - assim como o cinema pornográfico que abriga o primeiro contato entre Baby e Ronaldo. "Essa é uma dinâmica do Centro de São Paulo: as coisas mudam, abrem, fecham, se transformam", diz Marcelo.