Crítica Os Rejeitados | Professor chato é educador pra vida
Filme de Alexander Payne mostra como todos temos algo para ensinar, nem que seja um pouco de compaixão misturada com mau humor
Existe um tipo de filme bem específico que parece ter perdido destaque nos últimos anos que é aquela produção em que jovens sem muito rumo na vida acabam mudando a forma como pensam por conta de um professor inspirador. São filmes como o clássico Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams, ou mesmo Ao Mestre com Carinho, que mostram o poder transformador da docência.
Quando vi a sinopse de Os Rejeitados, filme do diretor Alexander Payne (As Confissões de Schmidt), acreditei ser basicamente a mesma coisa, mas com Paul Giamatti (O Espetacular Homem-Aranha 2) de olho torto e sem paciência no lugar. Para a minha surpresa, o novo filme, indicado ao Oscar 2024, traz sim um professor mudando a vida de um aluno, mas é muito mais sobre pessoas perdidas que aprendem o seu caminho na vida com as companhias mais improváveis.
Deixados para trás
O filme gira em torno de um grupo de personagens em um colégio interno nos anos 70, com destaque para um professor que não é muito bem visto pelos seus colegas e alunos. Mal humorado, com um estilo bastante clássico de ensino, Paul Hunham se vê obrigado a passar as festas de fim de ano com alunos que não puderam viajar para passar a data com suas famílias.
Giamatti, que trabalhou com o diretor pela última vez no filme Sideways - Entre Umas e Outras, entrega uma das melhores atuações de sua carreira no papel do professor, conseguindo ir da comédia ao drama com uma facilidade sem igual. Em vários momentos, seu Hunham chega a ser patético, mas aos poucos, ele vai revelando cada vez mais de sua personalidade além de chato para caramba, se tornando carismático, do seu próprio jeito.
O filme começa passando a impressão que veremos uma história em que um grupo de alunos deixará um professor maluco durante todo o período de festas, fazendo um monte de loucuras na escola, mas o longa elimina essa possibilidade já nos primeiros minutos.
Quando todos os alunos conseguem uma carona para passar o período junto da família de um deles, Angus Tully acaba ficando para trás, pois sua família não responde a tempo. O personagem, interpretado por Dominic Sessa em seu primeiro papel na carreira, é muito inteligente, mas arredio e propenso a desobediência.
Sessa surpreende no filme, principalmente por já demonstrar que tem potencial para ser um excelente ator nos próximos anos, caso de fato vingue na indústria. Seu Angus é irritante e, às vezes, o personagem marca as características de todo "aluno problema" de filmes de escola, mas assim como Hunham, ao revelar mais sobre sua vida, ganha mais camadas.
Juntos dos dois, a cozinheira da escola, Mary, vivida por Da'Vine Joy Randolph (Dolemite é o meu Nome!), que permaneceu no local pois ainda está de luto pela morte do filho, que morreu no Vietnã, e não se sente à vontade para visitar a família.
Com esses três personagens de certa forma deixados para trás, o filme se desenvolve de uma maneira leve, mesmo que ele grite ser de um estilo que parece ter sido abandonado na década de 90. É impressionante como Payne faz um filme relativamente "parado", mas que acontece muita coisa.
Um professor ensinando e aprendendo a viver
O relacionamento entre professor e aluno em Os Rejeitados não é particularmente inovador e, é preciso dizer, é possível ver de longe para onde está indo. Porém, a química entre Giamatti e Dominic Sessa, aliados às cenas com Da'Vine, fazem você se importar com os personagens.
O roteiro traz diálogos que soam reais, com acontecimentos que, por mais que sejam manjados, se desenvolvem de maneira realista, e não estão lá apenas para tentar despertar alguma emoção no espectador. Quando Hunham começa a baixar a sua guarda para a cozinheira e o aluno, acaba influenciando ambos a ver as coisas de maneira diferente, enquanto ele faz o mesmo, influenciado pelos dois.
Os Rejeitados é um retrato sobre pessoas perdidas, seja por erros do passado, uma falta de perspectiva para o futuro ou um luto que faz as coisas perderem o sentido. O filme acaba mostrando que, por um acaso do destino, esses personagens se conectam de uma forma que muda tudo e traz novas possibilidades para todos.
Mencionei Sociedade dos Poetas Mortos no início, um dos meus filmes favoritos e que mostra um grupo de alunos que têm suas vidas mudadas pela forma de pensar de um novo professor de literatura. Nele, o personagem de Robin Williams mostra aos alunos que eles podem ser livres para ser o que desejam, que têm todo o potencial do mundo dentro deles próprios.
Os Rejeitados não tem isso. Hunham estaria tão perdido quando os jovens do outro filme, com apenas uma linha de raciocínio para a sua vida. Ele não está ali apenas para ensinar, mas ao lado de Angus Tully e Mary, eles aprendem juntos sobre a necessidade de viver e abrir suas asas.
Nada mal para um filme sobre um professor vesgo que fede cuidando de um aluno preso na escola durante o Natal.
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