'O Conde de Monte Cristo' moderniza e reafirma a força de novelão épico do clássico de Dumas
Obra já ganhou mais de uma dezena de versões desde 1917; filme que chega aos cinemas esta semana rearranja algumas narrativas em prol da diversão do espectador e conta uma história de amor regada a ódio, intrigas palacianas e vingança
Já são dezenas as adaptações de O Conde de Monte Cristo, dentre filmes e séries, indo desde o seriado francês de 1917, passando pela versão americana de 2002 e até chegar na releitura francesa de 2024, estreia desta quinta-feira, 5. Dirigido e roteirizado pela dupla Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte (ambos do brilhante Qual É o Nome do Bebê), o filme busca mesclar fidelidade ao original com modernidade - e consegue.
Afinal, vale lembrar, O Conde de Monte Cristo é uma das principais obras de Alexandre Dumas, ao lado de Os Três Mosqueteiros. Publicada em formato de folhetim, a obra foi finalizada em 1846 e, desde então, se tornou uma espécie de "bíblia" sobre histórias que envolvem vingança. A jornada de Edmond Dantès, afinal, passa por todos os estágios dela: a perda, o sofrimento, o ressurgimento e, enfim, a raiva que cega e se torna uma obsessão.
Neste novo filme, o histórico personagem é vivido por Pierre Niney (de Yves Saint Laurent e Frantz). Logo após ser coroado como capitão de um navio, decide se casar com sua amada Mercedes. Mas, nessa ascensão meteórica, ganha inimigos no caminho e se torna alvo de um complô. É preso por décadas, deixando familiares e a noiva para trás, como se tivesse morrido.
Seu apoteótico retorno é marcado por uma mudança não apenas financeira, mas também de aparência. Edmond, agora Conde de Monte Cristo, não quer que as pessoas saibam com quem está lidando. Quer ser invisível, agindo nas sombras e arquitetando a vingança.
Conde de Monte Cristo: mais fiel e moderno
La Patellière e Delaporte, a partir dessa história, assumem um risco: buscar a maior fidelidade possível à trama de Dumas enquanto também modernizam personagens e até tentam remendar algumas situações mais frágeis do texto original, fruto dessa publicação em formato de folhetim. Furos de roteiro muito evidentes da adaptação de 2002, por exemplo, somem aqui, a partir de um roteiro bem mais atento com seus pontos fracos.
Por exemplo, a relação entre Edmond com o Conde Mondego se transforma - deixa aquele distanciamento da obra de 1934 de lado enquanto, ao mesmo tempo, também não embarca na furada de colocá-los como melhores amigos, como visto na versão de 2002. O comportamento de Mercedes também muda: ela se casa com o inimigo de Edmond não por estar grávida ou pelo pedido de uma moribunda, mas por simples necessidade.
São pequenas alterações que parecem cosméticas em um primeiro momento, mas que ajudam a trama a ter mais força. A jornada de Edmond se torna mais crível, e as situações mais elaboradas, como o momento em que ele se passa por um suposto inimigo do Conde de Monte Cristo, passam a ter mais apoio nas mudanças físicas do personagem do que apenas apostar na postura e em uma barba que surge do nada. Há mais cuidado.
Tudo isso, ainda, com um visual de encher os olhos. Há bons jogos com luzes e sombras (a primeira aparição do Abade é genial, por exemplo, brincando com sonho e realidade) e os cenários são austeros, mas sempre com um pé na realidade.
Nesse contexto geral, enfim, O Conde de Monte Cristo deixa de ser apenas uma história de vingança, como visto em muitas adaptações nas últimas décadas, para ser uma história de amor regada à ódio, intrigas palacianas e uma vontade de dar a volta por cima. Nem tudo é simples, mas há, ali, o mais importante: uma história com heróis e vilões bem definidos, o amor como ponto central na vida de Edmond e, acima de tudo, um novelão épico muito bem feito que move as emoções do público. 178 anos depois, Dumas permanece relevante.