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'O terror tem um lado social, visceral e violento', diz diretor de 'A Semente do Mal'

O cineasta português Gabriel Abrantes, que roubou a cena com o elogiado 'Diamantino', mostra que não quer ser colocado em prateleiras fáceis de rotular

20 jun 2024 - 15h54
(atualizado às 20h34)
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Foi por volta de 2018 que o cineasta português Gabriel Abrantes entrou na mira dos cinéfilos. O motivo foi um filme independente, que surgiu do nada, e rapidamente se tornou uma sensação daquele ano: Diamantino, uma película de tons rosa neon sobre um jogador de futebol entrando em desgraça. Seis anos depois, ele retorna aos cinemas de outro jeito: com um terror falado em inglês, com parte do elenco americano, com A Semente do Mal.

Estreia da última quinta-feira, 13, o novo longa de Abrantes traz todos os signos do cinema de terror moderno: um casal (Brigette Lundy-Paine e Carloto Cotta) viaja até Portugal para encontrar a família perdida do rapaz. O irmão gêmeo é idêntico ao protagonista, enquanto a mãe tem uma aparência como ninguém imaginava, com o rosto todo repuxado e a boca deformada por plásticas. Body horror? Talvez - é cinema de terror simples e direto.

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"Quando era criança, não tinha coragem de assistir a filmes de terror. Por isso, quando decidi fazer um filme de terror, fiz muita pesquisa sobre clássicos que não tinha visto antes", confidencia Gabriel em papo ao Estadão. Com isso, bebeu como inspiração de clássicos como Frankenstein, O Drácula de Bram Stoker, Suspiria e, principalmente, O Iluminado.

Segundo ele, todo o processo foi um aprendizado. "Trabalhar com terror pela primeira vez foi desafiador, pois tive que aprender a linguagem do gênero e pensar nela", diz. " Mas me senti muito à vontade com essa linguagem. O terror tem um lado social, visceral e violento".

O fato é que, conforme assistimos ao novo A Semente do Mal, entendemos como Abrantes entra nessa história. Sim, há clichês de terror pra lá e pra cá, assim como um excesso de jumpscares, mas também há ousadia: o longa-metragem trata de assuntos tabus, sem medo de constranger, colocando o horror para dentro da família. Não é um mal que chega das sombras. Pelo contrário: o terror está ali, fincado no seio familiar, encravado no peito.

Além disso, o filme vai além do susto - há até algo cômico aqui. "Muitos dos filmes de terror que eu gosto têm humor, como Pânico e A Hora do Pesadelo. Mesmo em O Iluminado, quando Jack está gritando e quebrando a porta do banheiro, há um elemento quase ridículo na cena. Então, esse lado mais absurdo do terror é algo que eu gosto bastante. Me senti em casa, e há muitos elementos de Diamantino que transitam para A Semente do Mal. O prazer de criar sustos e trabalhar nas cenas de ação foi algo que eu realmente aproveitei".

Essa naturalidade, segundo Gabriel, também abraça o cinema que o inspira - quando Mary Shelley escreveu Frankenstein, o livro já lidava com questões sociais complexas. "Quando James Whale, que era gay, dirigiu o filme nos anos 30, ele transformou a história para tratar de temas como a sexualidade no armário. A sociedade vê o monstro assim e o trata como tal, não deixando que ele encontre amor", diz. "Esses temas mais delicados são comuns no terror, que muitas vezes usa metáforas para explorar questões sérias. Além disso, o terror permite explorar o humor, o grotesco e o que nos afeta emocionalmente. É uma forma de lidar com tabus presentes em todas as sociedades, desde a Austrália até o Alasca".

Gabriel Abrantes e a nova onda portuguesa

Depois de filmes tão opostos, como Diamantino e A Semente do Mal, é difícil não tentar compreender o que move Abrantes - quais são seus objetivos, suas ideias, seus medos?

Pra começo de conversa, o português conta se sentiu pressão ao assinar sua primeira produção em língua inglesa e se o sucesso de Diamantino colocou pressão em seu trabalho. Quer um spoiler? Sentiu que precisava ser original. Cá entre nós, conseguiu.

"Sempre há ansiedade e pressão para não falhar, para ser original. É normal que todos os artistas sintam isso", contextualiza Gabriel. Eu trabalho muito intuitivamente e com liberdade. A escolha de fazer um filme de terror foi minha, e eu queria abraçar um gênero de entretenimento puro, com muito amor ao cinema e aos gêneros populares".

Para ele, A Semente do Mal conversa com Diamantino, mesmo como opostos. "A Semente do Mal é um filme muito diferente de Diamantino e acredito que algumas pessoas que não gostaram do meu primeiro longa-metragem podem gostar deste filme, e vice-versa. No fim, o importante é seguir a intuição e abraçar novos desafios".

Pensando no próximo filme, aliás, Gabriel vai mudar de direção novamente, sem se deixar ser colocado numa prateleira. "Estou trabalhando em um filme baseado na minha infância", conta. "Cresci em Washington, D.C., embora minha família seja portuguesa. Esse filme de terror se passa na cidade onde cresci e envolve um culto em uma igreja local. Além disso, estou escrevendo um roteiro com Daniel Schmidt, com quem colaborei em Diamantino. Esse novo projeto é uma comédia de ação super ambiciosa, ambientada nos EUA e refletindo questões políticas atuais. Estamos muito empolgados com esse próximo passo".

Estadão
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