'O'Dessa' reinventa o musical para a era pós-apocalíptica: 'Surreal, mas com emoção', diz diretor
Dirigido por Geremy Jasper, filme estrelado por Sadie Sink combina folk e estética queer em uma jornada psicodélica que acaba de chegar ao Disney+
Um musical folk queer e psicodélico ambientado em um Estados Unidos pós-apocalíptico. Essa é a inusitada proposta de O'Dessa, longa-metragem que estreou recentemente no catálogo do Disney+. A obra é a aposta mais autoral, original e arriscada do cineasta Geremy Jasper, que já havia experimentado o gênero musical no aclamado filme independente Patti Cake$.
No entanto, as duas produções seguem caminhos opostos. Enquanto seu primeiro longa contava a história de uma aspirante a rapper com orçamento extremamente limitado, O'Dessa é mais ambicioso e experimental: acompanha a jornada de uma fazendeira (interpretada por Sadie Sink, a Max de Stranger Things) que parte em busca de uma preciosa herança familiar. Sua missão a leva a uma cidade estranha e perigosa, onde acaba encontrando seu verdadeiro amor.
"A inspiração para o filme nasceu inteiramente da personagem", revela Jasper ao Estadão. "Há muitos anos, tive essa ideia de uma mulher baixinha, de topete, com um violão, vagando por um vasto deserto psicodélico. Eu não sabia o que aconteceria, mas era uma personagem que me fascinava. Anos depois, quando chegou a hora de escrever outro filme, pensei: 'esse é um mundo que eu amo'. É a combinação de tudo que me apaixona: ficção científica, música, tradições folclóricas americanas, contos de fadas europeus. É surreal, mas com emoção. Segui meus instintos e combinei todas essas coisas que adoro, e assim O'Dessa nasceu".
'As músicas são blocos de construção'
A partir dessa premissa, Jasper se revela um cineasta genuinamente interessado em explorar o universo que cria, mesmo quando nem tudo faz sentido à primeira vista. Há elementos do cinema queer na concepção da protagonista - ecos de The Rocky Horror Picture Show, ainda que as histórias não se relacionem diretamente. E a música se torna o elemento diferencial da narrativa.
Em uma época em que alguns musicais parecem desconectados de suas próprias canções, O'Dessa mergulha no universo folk para estabelecer uma conexão entre o visual psicodélico e esse mundo pós-apocalíptico - como se Mad Max ganhasse uma versão musical.
"A música é meu lugar de conforto. Sou músico e compositor desde antes de começar a escrever e dirigir", confessa Jasper. "É a parte mais natural do processo para mim. Queria algo operático, usar canções para refletir o mundo do filme e os personagens. Levar o público em uma jornada. O filme levou anos para ser finalizado, e durante esse tempo fui compondo e gravando. Quando chegou a hora de filmar, já tínhamos uma extensa coleção de músicas criadas por mim e pelo meu parceiro musical. Elas são os verdadeiros blocos de construção dessa história".
Atualmente, Jasper - um entusiasta do gênero musical que constantemente busca criar novas ideias e tendências - acredita que estamos presenciando um renascimento dessas narrativas construídas em torno de canções.
"É curioso, porque os musicais vão e voltam, assim como os faroestes. É um gênero que algumas pessoas amam e outras detestam. Periodicamente, eles fazem sucesso e depois desaparecem novamente", analisa o diretor, com certa melancolia na voz. "O que me anima é ver alguns musicais quebrando os padrões estabelecidos do gênero. Isso é realmente empolgante. Musicais são inerentemente surreais e irrealistas, o que nos permite brincar com a narrativa, fragmentar o tempo e acessar o coração e a mente do público de um jeito único. São desafiadores, mas também uma forma incrivelmente libertadora de contar histórias".
Pressão pelo próximo sucesso
Muitos podem não se lembrar, mas o primeiro longa de Geremy Jasper - o já mencionado Patti Cake$ - foi um verdadeiro fenômeno no circuito de festivais em 2017. O cineasta norte-americano estava apenas iniciando sua carreira como diretor de longas-metragens, mas o filme recebeu enorme atenção no Festival de Sundance, desencadeando uma intensa disputa nos bastidores pelos direitos de distribuição nos Estados Unidos.
Para dimensionar o sucesso da obra, o site Vulture, da New York Magazine, classificou o filme como "encantador" e o descreveu como "a surpresa mais cativante" do Festival de Cinema de Sundance daquele ano. Danielle Macdonald, protagonista do longa, foi recebida com uma ovação de pé ao subir no palco após a estreia mundial.
Jasper admite que a experiência de dirigir um novo filme após todo esse reconhecimento no circuito - mesmo que não tenha se convertido efetivamente em bilheteria - foi bastante intimidante.
"Foi uma experiência paradoxal. Me senti intimidado, mas ao mesmo tempo em casa. O filme é extremamente ambicioso, e eu sabia que estava assumindo um grande desafio. Por vezes me senti ingênuo por tentar algo tão grandioso. Mas, uma vez dentro do processo, você só pode seguir em frente e continuar insistindo", explica o diretor.
Ele revela que em O'Dessa - com mais orçamento e expectativas - ficou impressionado com o nível de resiliência necessário. "Meu primeiro filme era pequeno e já foi difícil, mas gravamos basicamente em um único local. Em O'Dessa, tivemos que construir um mundo inteiro, algo que sempre sonhei fazer, mas que foi incrivelmente exigente e estressante. Muitas coisas não funcionam como planejado, figurinos precisam ser ajustados, e quanto maior o mundo criado, maior a pressão. Mas o que aprendi no primeiro filme foi me conectar com os personagens e com a emoção das cenas, tentando não me distrair com o resto", reflete.
Agora, após essa experiência imersiva, Jasper adianta que deve se afastar temporariamente do universo musical. "Estou tentando fazer algo completamente diferente de O'Dessa agora. Acho que meu próximo filme será um terror psicológico", revela, com um sorriso enigmático.
