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Gaspar Noé faz sua nova provocação com 'Clímax'

Diretor franco-argentino está na cidade para mostrar filme sobre grupo de dança que entra em um processo psicótico em seu novo filme, estreia desta quinta-feira, 31

30 jan 2019 - 05h10
(atualizado às 09h19)
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De forma muito consciente, Gaspar Noé compara o cinema a uma montanha russa. "Tem gente que vai ao parque de diversões e aprecia os brinquedos mais moderados. Eu filmo para quem prefere emoções mais selvagens, uma montanha russa." Filho de pais argentinos, Gaspar Noé viveu até os cinco anos em Nova York, dos cinco aos 12 na Argentina, aí veio a ditadura, os pais - de esquerda - se exilaram e foram viver na França. Quando resolveu ser diretor, estagiou com 'Pino' - Fernando Solanas -, pai de um amigo. Com Irreversível, em 2002, virou o diretor que, após a aposentadoria de Dirty Harry, o personagem emblemático de Clint Eastwood, as feministas amam odiar.

Lembram de Irreversível? O estupro da personagem de Monica Bellucci naquela passagem subterrânea, a história contada de trás para a frente? Desde então, o nome de Gaspar Noé virou sinônimo de escândalo, de provocação. Pela primeira vez ele visita o Brasil, não como turista, mas como cineasta, apresentando um trabalho. Clímax não foge à regra do que Noé gosta de mostrar. Um grupo de bailarinos. Uma situação extrema. Sob o efeito do álcool, talvez de droga - há a suspeita de que LSD tenha sido colocado na bebida -, o grupo surta, inicia um processo psicótico/alucinógeno coletivo. E se desintegra. O filme estreia nesta quinta, 31. Noé veio numa viagem relâmpago. Deu entrevista na terça, prestigiou a pré-estreia, naquela noite, e já está voltando.

Como nasceu esse Clímax? "Estava desenvolvendo projetos que não davam certo por diferentes motivos, mas tinham em comum o fato de versar sobre catástrofes. Maraval, o produtor, me perguntou se eu não seria capaz de fazer algo pequeno, barato, para filmar rapidamente. Embora nem todos os meus filmes obedeçam a esse modelo, tenho a experiência de fazer filmes rápidos. Esse nasceu assim, vagamente inspirado numa ocorrência com um grupo de teatro, que eu transformei em dança. Cinco páginas de roteiro, apenas. Os diálogos foram improvisados com os atores. Então, toda a aposta era encontrar o elenco certo. Busquei bailarinos, só duas, incluindo Sofia Boutella, que faz Selva, são atrizes profissionais."

Os diálogos improvisados são os mais variados possíveis. Uma conversa machista entre dois dançarinos que viajam na liberação do seu desejo, antecipando oralmente tudo o que cada um deles quer fazer com alguma colega da bailarina. O jovem gay que também detalha o que gostaria de fazer com aquele carinha. Mas, de repente, em meio à paranoia que toma conta dos personagens, a barra fica mais pesada. A bailarina que pressente o perigo e tranca o filho pequeno num quarto, e perde a chave, e o garoto urra como bicho pedindo socorro à mãe. A grávida que tem um surto e tenta se matar. "Para improvisar, você precisa criar um clima de liberdade e confiança. Precisa deixar seu elenco solto para fazer tentativas. Algumas cenas foram filmadas 15, 17 vezes até atingir a intensidade que buscava."

Uma parte, justamente a mais intensa, quando já está todo mundo louco, é filmada em plano sequência. "Não são as partes que têm mais diálogo. Em geral, são as cenas mais físicas. A gente fazia a marcação, delimitava o espaço e o operador e eu ficávamos livres para também participar da dança com o elenco." A alucinação parece tão real que... Os atores se drogaram? "Não, até porque sob efeito de drogas ou bebida eles não rendiam. Então, o que fiz foi mostrar alguns filmes - Marat Sade, de Peter Brook; Os Demônios, de Ken Russell - e documentários sobre drogas e doenças mentais. Meu cinema, apesar da armação ficcional, tem algo de documentário, pelo método."

Como Irreversível, Enter the Void/Viagem Alucinante e Love, Clímax esteve em Cannes. Passou numa sessão à meia-noite, com direito a tapete vermelho. Gaspar Noé é queridinho em Cannes. Na opinião dele, por quê? "O festival, como evento midiático, precisa dos escândalos que eu forneço." E não é chato ser o escandaloso? "Na verdade, não me sinto assim. Provoco polêmica. Por Enter the Void, me chamaram até de religioso, na medida em que o filme seria budista."

Crítica: Descontrole coletivo reflete-se na tela em processo radical

Gaspar Noé adora os filmes de terror. Faz todo sentido, para quem filma para tirar o espectador da sua zona de conforto e jogá-lo numa montanha-russa de emoções. O repórter provoca - você devia fazer um filme no Brasil para refletir sobre a loucura que virou esse País. "Eu sei, acompanho de longe, mas não é um filme para mim." Noé gosta muito dos filmes de Zé do Caixão. Os de terror, nunca viu os de sexo. Deixa implícito que seria melhor se José Mojica Marins espelhasse a realidade brasileira.

Um grupo de bailarinos ingressa num processo coletivo de alucinação e paranoia, em Clímax. Surge um letreiro - 'Viver é impossível no coletivo.' O grupo, que começa dançando, termina se matando. Apesar disso, Noé não considera seu filme depressivo. "O oposto, é possível viver no coletivo, também é válido." Existem diversas maneiras para se penetrar num filme como Clímax, e nenhuma é fácil. As feministas, que odeiam o diretor pelo estupro na personagem de Monica Bellucci em Irreversível, vão querer matá-lo por causa do diálogo machista de dois bailarinos que, de cara, detalham tudo o que gostariam de fazer com certas garotas da companhia.

Um dos faróis de Noé na realização de Clímax foi o longa que Peter Brook adaptou da peça de Peter Weiss, A Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat Encenado pelos Internos do Hospício de Charenton, mais conhecida como Marat Sade. Incorporando elementos cênicos de Antonin Artaud e Bertolt Brecht, a peça, e o filme, usam a loucura para indagar sobre o verdadeiro sentido da revolução - se é possível mudar o mundo sem mudar as pessoas? Noé também cita o futebol, que, dependendo do resultado do jogo, pode produzir catarse ou loucura. E as manifestações de rua - diz que Paris tem virado uma guerra. "Não é um movimento de extrema direita nem de esquerda. Engloba todas as tribos, é de pobres e ricos digladiando seu ódio e vandalizando tudo."

Os bailarinos de Clímax são performers que poderiam ser de rua, mas num ambiente fechado. Bebem, e de repente está todo mundo se sentindo estranho. Surge a acusação de que a bebida foi batizada, talvez com LSD. Todo o mundo começa a ter alucinações, a se acusar, perseguir, e bater. A liberação dos instintos mais primários inclui o sexo. Homens e mulheres, mas também homens perseguindo homens, mulheres, outras mulheres. Surubas monumentais. O que Noé está querendo dizer com tudo isso, senão que a natureza humana é imprevisível? Podemos ser direcionados para o bem e para o mal. É um diretor que privilegia a experimentação dramatúrgica e formal. Os diálogos foram improvisados pelo elenco, a maioria de bailarinos, não atores. A câmera fluida persegue esses atores num movimento contínuo - ou que assim parece. Mas o diretor revela que usou o que chama de 'cortes invisíveis'.

Um cinema da crueldade. Gaspar Noé gosta de dizer que não acredita na impossibilidade de viver, até mesmo coletivamente. Mas o que ele não quer é se criar ilusões. Não idealiza as pessoas, o que seria fácil para o filho de um conceituado pintor esquerdista que o criou ateu, acreditando mais no homem do que na ideia de Deus. Esse desnudar-se, não apenas físico, mas emocional, pode ser difícil de suportar. Os próprios atores, Noé revela, têm uma atitude curiosa - eles fazem os filmes, mas depois não querem que seus familiares os vejam. O irmão incestuoso enfatiza à irmã que não houve nada, e pede - 'Não conte a papai.' O próprio Noé é pai? "Você acha que, se fosse, teria filmado a alucinação e o confinamento do menino?" É terrível - "Meus amigos, que são pais, dizem que, dessa vez, fui longe demais."

Estadão
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