Justiça nega liminar a favor da Cinemateca Brasileira
Juíza federal disse não verificar necessidade de urgência na decisão e alegou 'separação entre poderes' para negar pedido do Ministério Público Federal e da Associação Roquette Pinto
A Justiça Federal negou em caráter liminar um pedido do Ministério Público Federal em São Paulo para que a União renovasse o contrato de gestão da Cinemateca Brasileira com a Associação Roquette Pinto. A ação também pedia o repasse imediato de R$ 12 milhões, recursos já previstos e alocados no orçamento.
A decisão era aguardada com ansiedade entre funcionários e gestores da Cinemateca, bem como entre cineastas e pesquisadores do meio, sendo apontada inclusive como a única solução possível para a instituição neste momento.
A decisão é uma derrota para os movimentos que vinham reivindicando ações efetivas do governo federal na instituição, e uma vitória para o Ministério do Turismo.
A razão fornecida pela juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 1.ª Vara Cível Federal de São Paulo, fala em "separação entre poderes" e diz não verificar urgência na decisão, conforme a Procuradoria apontava.
"Cumpre ao Judiciário determinar que seja preservado o patrimônio histórico-cultural, e não a maneira pela qual isso deve se efetivar", diz a juíza na decisão.
A juíza ainda remete o processo ao Centro de Conciliação da Justiça Federal (Cecon), fixando "a busca de solução amigável de conflitos".
O Ministério Público Federal em São Paulo agora analisa a decisão para elaborar os próximos passos.
Em audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira, 30 de julho, o secretário executivo adjunto do Ministério do Turismo, Higino Brito, afirmou que o governo federal está finalizando contratos de emergência para as questões mais urgentes, como a conta de luz e seguranças, por licitações emergenciais. "Espero que nos próximos 15 dias possamos trazer esses contratos assumidos", disse Brito.
Ele também garantiu que já está em fase de conclusão um novo chamamento público para um novo contrato de gestão.
Na mesma reunião, a secretária adjunta da Secretaria Especial de Cultura, Andrea Abrão Paes Leme, afirmou que a "equipe da Secretaria se deparou com esse problema tão logo houve a evidência dele". Ela também mencionou que nunca houve intenção da União de reincorporar a Cinemateca Brasileira, embora o próprio Ministério do Turismo tenha afirmado a intenção em nota no dia 29 de maio. "A Cinemateca Brasileira não será fechada e agora entra na fase natural de reincorporação pela União, uma vez que não existe respaldo contratual para a Organização Social permanecer", diz a nota, enviada ao Estadão.
"Nós, de início, vislumbramos a necessidade de lançar um novo chamamento público", disse Andrea. "Esse chamamento precisava estar adequado à necessidade do momento."
O Ministério do Turismo não atendeu a diversos pedidos de entrevista pedidos pela reportagem do Estadão sobre o assunto, via assessoria de imprensa.
Decisão judicial
para ler a decisão judicial na íntegra.
Para o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV), a decisão judicial é "delirante".
"Antes, o governo federal era totalmente responsável pelo abandono da Cinemateca e do acervo do audiovisual no País. Agora temos dois culpados, o governo federal e a Justiça. A juíza é co-partícipe de um possível incêndio. Ela tirou o corpo fora. Não deu nenhuma responsabilidade de urgência que o caso merece. Não sei se ela não entendeu ou se não simplesmente não deu a importância devida ao processo", opina o vereador.
Natalini e outros 13 vereadores de São Paulo destinaram emendas parlamentares, totalizando R$ 780 mil, para ações de emergência na Cinemateca. A movimentação do dinheiro agora depende da Secretaria Municipal de Cultura, que tem um convênio com a Sociedade Amigos da Cinemateca.
A gestão da Cinemateca ainda é feita pela Associação Roquette Pinto (Acerp), embora o governo federal não reconheça a validade do contrato.
"Se o contrato não acabou, o governo federal é caloteiro, pois não paga o contrato desde o início de 2020. Se a validade do contrato acabou, o governo federal é irresponsável e abandonou a instituição. Todo o arquivo está à míngua. Se a Acerp tivesse ido embora no começo do ano, quem estaria fazendo a gestão?", questiona Natalini.
Na reunião da Câmara dos Deputados, no dia 30 de julho, um dos advogados da Acerp, Jaime Morais, afirma que a União não fez nada pela Cinemateca em pelo menos oito meses, ou seja, desde o início de janeiro de 2020. Não houve, nesse período, nenhum repasse do governo federal à Acerp. Ele também reclamou da falta de contato com a Secretaria Especial de Cultura, o Ministério da Cidadania e do Ministério do Turismo, apesar de diversos enviados questionando sobre os problemas.
A urgência da demanda do MPF era, segundo a ação, "agravada diante da comprovada aceleração da degradação do acervo e do perigo real de incêndio (seria o quinto incêndio na história da Cinemateca, ou seja, um evento bastante previsível)".
A Procuradoria pleiteiava a renovação emergencial do contrato de gestão, "pelo período (transitório) de um ano, a contar (retroativamente) de 01.01.2020, com o consequente repasse orçamentário que originariamente já estava previsto e alocado para a execução do contrato de gestão da Cinemateca Brasileira para o ano de 2020, no valor de R$ 12.266.969,00, em favor da ACERP".