Longlegs, cultuado como 'o terror da década', não precisa ser original para mostrar que o inferno são os outros
Terror chega esta semana aos cinemas brasileiros.
Em um primeiro instante, são óbvias algumas referências imediatas que se vê em "Longlegs - Vínculo Mortal", terror estrelado por Nicolas Cage que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29). A primeira delas, de certo a mais proeminente, é ao inigualável "O Silêncio dos Inocentes" (1991), mas há também algumas pitadas de outros suspenses e terrores de excelência, como "Psicose" (1960), "Se7en - Os Sete Crimes Capitais" (1995) e "Zodíaco" (2007). Comparações do tipo nem sempre são um bom presságio, mas o caso aqui é um pouco diferente: ao invés de tentar reprisar o que essas obras já fizeram, o novo filme pega emprestada uma página da cartilha para construir um terror que trabalha o medo no mais assustador dos terrenos: o subconsciente.
A trama, a princípio, não é nada revolucionária, e talvez a boa sacada esteja aí. Lee Harker (Maika Monroe) é uma agente do FBI responsável por investigar os assassinatos cometidos pelo serial killer autointitulado Longlegs. Munida de seu faro investigativo e das mensagens criptografadas deixadas pelo assassino nos locais de crime, ela vai aos poucos tentar entrar na mente de seu alvo, o que acaba revelando uma ligação mais sinistra entre os dois.
Em um primeiro momento, o espectador pode ter a sensação de estar diante de um suspense investigativo que pouco tem do que já não tenha sido visto inúmeras vezes nas telonas. E, de fato, não há nada realmente novo a não ser a correlação entre o suspense investigativo e o thriller sobrenatural que vão se mesclando ao longo da projeção. De forma sagaz, o diretor e roteirista Oz Perkins costura alguns dos elementos mais tradicionais destes gêneros para deixar o público sempre na ponta da cadeira.
Neste ponto, nada é realmente óbvio, apesar da roupagem ser uma que quem acompanha esta vertente do cinema reconhece imediatamente.
De forma simples, o escopo da história é realmente o mais raso possível, mas é aí que mora a perspicácia da trama. O personagem-título é mantido fora da câmera na maior parte do tempo, o que ajuda a construir a ideia de seu teor sanguinário enquanto compõe certa aura mística a respeito de como ele realmente opera.
Neste ponto, à medida que vai inserindo novos elementos na construção deste mistério, e vai chegando cada vez mais perto de ideias ritualísticas macabras e satânicas que explodem no desfecho da trama, o filme vai se afastando mais e mais do que seria o lugar-comum do terror ao abordar determinados subgêneros. Sem que o espectador se dê conta, o filme já o levou a imaginar os piores cenários possíveis dentro daquela realidade.
O fato de o personagem interpretado por Cage permanecer uma incógnita, um ponto de interrogação a ser decifrado tanto pelo FBI quanto pelo público, é algo em que o filme particularmente se destaca. Não vá assistir esperando tomar sustos a cada cinco minutos, já que o medo vem muito mais pela construção da atmosfera, em que Perkins brilha. O uso de planos abertos e subjetivos faz com que o olhar da audiência sempre se desvie para o que está no fundo da imagem, já pronto para receber dali alguma figura diabólica que pule sem aviso para o primeiro plano.
O fato de nada disso acontecer da maneira que se espera é o grande trunfo de "Longlegs". Em momento algum o perigo daquilo é subestimado, mas também não é menosprezada a inteligência do espectador e a sua capacidade de enxergar à distância quem o está tentando enganar. Ao colocar elementos sobrenaturais em algumas das tramas mais humanamente assustadoras já vistas no cinema, o filme põe no mesmo lugar alguns dos piores temores em que alguém pode pensar. Por mais que nem sempre seja feliz nas suas intenções, e precise se expor até demais no terço final, é um sopro de originalidade no meio de tantos filmes iguais com papas e exorcistas por aí.