Script = https://s1.trrsf.com/update-1736967909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Luiz Bertazzo, de 'Ainda Estou Aqui', explica construção do vilão do filme: 'entre a violência e a gentileza'

Ator que dá vida a agente da ditadura conta detalhes do personagem que invade casa de Eunice Paiva (Fernanda Torres) em longa de Walter Salles: 'a situação por si só já era apavorante'

21 jan 2025 - 18h00
(atualizado às 20h00)
Compartilhar
Exibir comentários
None
None
Foto: Luiz Bertazzo em 'Ainda Estou Aqui' (Divulgação) / Rolling Stone Brasil

A entrada de Luiz Bertazzo em cena marca uma virada em Ainda Estou Aqui. É a partir da chegada de Schneider, o soturno personagem do ator, que a história solar dos Paiva passa a ser acompanhada pela sombra da ditadura que tira, de uma hora para outra, a figura de Rubens Paiva (Selton Mello) de cena. O momento não é violento em si, mas sim sutil, o que cumpre o papel de imprimir o horror sutil da violência que Walter Salles retrata no longa inspirado na história real da família de Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que deu origem à história.

"O horror tinha que estar justamente na sensação de perigo por aquilo que não estava explícito, esse é mais um dos mecanismos de tortura dos agentes da ditadura: 'a falta de respostas'", diz Bertazzo em entrevista à Rolling Stone Brasil.

Coube a Bertazzo a missão de representar o inimigo invisível do filme - para o que contou com uma visão clara do diretor Walter Salles, da preparação de elenco de Amanda Gabriel e da troca em cena com Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva, a mãe de Marcelo e esposa de Rubens, que é deixada sem respostas após o desaparecimento do marido (levado para um interrogatório sob tortura, e ultimamente para seu assassinato na ocasião retratada no filme).

"O olhar de Eunice sempre voltava pro Schneider; um olhar desconfiado, buscando respostas, protegendo a cria, a casa. Isso ajudou na tensão; não havia espaço para vacilar sem que o outro percebesse, e minha estratégia do jogo era de que o Schneider não podia entregar o que estava acontecendo", diz o ator.

À medida que se aproxima o momento das indicações para o Oscar 2025, crescem as esperanças da indicação de Ainda Estou Aqui para a premiação. A vitória de Fernanda Torres como Melhor Atriz Dramática no Globo de Ouro no início de janeiro dá boas esperanças para quem torce pelo longa. Para Bertazzo, o sucesso é a janela de oportunidade de aproximar o olhar do público para os horrores de um tempo, como seu personagem, obscuro da história brasileira.

"Quando contamos a história de Eunice Paiva, as vítimas da ditadura e de outros governos autoritários, ganham nomes, família, e o risco deixa de ser impessoal, e muito menos distante."

Leia a entrevista completa:

Rolling Stone Brasil: Em Ainda Estou Aqui você interpreta Schneider, o agente da ditadura que ocupa a casa dos Paiva quando Rubens (Selton Mello) é levado. Como foi a preparação para viver o personagem?

Luiz Bertazzo: O Schneider existiu, segundo o relato do próprio Marcelo Rubens Paiva no livro que deu origem ao filme, mas não sabemos quem é. O que chama a atenção é a forma como os militares são retratados na memória do autor: são extremamente gentis dentro da casa que invadiram. E foi nessa contradição entre a violência e a gentileza que criei a figura soturna e secreta. Se o militar fosse feito de forma violenta e bruta, poderia afastar o espectador, torná-lo um clichê, uma alegoria da violência. Quanto mais próximo ao cotidiano daquela casa, mais perigosos eles pareceriam. Cheguei a rever o Christoph Waltz como o coronel nazista em Bastardos Inglórios, para ter onde apontar a bússola, e depois busquei encontrar a forma de um sujeito que poderia ser um vizinho, um familiar, alguém próximo, à espreita.

Luiz Bertazzo (por Caio Lírio)
Luiz Bertazzo (por Caio Lírio)
Foto: Rolling Stone Brasil

Rolling Stone Brasil: Schneider é talvez o rosto mais marcante desse inimigo invisível do filme, que é a ditadura militar brasileira - ainda assim, sua interpretação é sutil. Como construir um vilão sem os traços vilanescos clássicos?

Luiz Bertazzo: O horror tinha que estar justamente na sensação de perigo por aquilo que não estava explícito, esse é mais um dos mecanismos de tortura dos agentes da ditadura: "a falta de respostas". Muito pelas provocações da Amanda Gabriel, preparadora de elenco, entendi que o Schneider acontecia no "entre", naquilo que não está nas falas, na tensão da figura andando pelas sombras daquela casa, a situação por si só já era apavorante. Construímos um contorno de personagem que, quanto menos vilanesco, mais aparentes seriam os comentários de violência da cena.

Rolling Stone Brasil: Você recorda de como Walter Salles o ajudou a construir o personagem?

Luiz Bertazzo: O Walter tinha uma ideia muito concreta sobre essa cena na casa. Quando ensaiamos, pela primeira vez, as cortinas se fechando, entendi o sentimento de destruição daquele lar, daquele sonho de Brasil, que era também um sonho dele, pois o Walter frequentou a casa na sua juventude, ele era amigo de uma das filhas. No mesmo dia de ensaio, mais cedo, eu tive a chance de assistir à família criando a cena da sorveteria, e foi importante pra minha construção do Schneider, pois ficou nítida a crueldade do que viria depois com a entrada da minha personagem. Além disso, o Walter defendeu a ideia de "subtração" na atuação; não era preciso fazer nada. Os ensaios ensinaram a gente a história de Eunice Paiva (Fernanda Torres). Na "ação", nossa função era contá-la.

Rolling Stone Brasil: Grande parte do impacto do seu personagem se dá na relação com a Eunice de Fernanda Torres. Como foi trabalhar com ela e como ela o ajudou a construir essa tensão, quase palpável, em cena?

Luiz Bertazzo: A Fernanda Torres e eu, como as personagens, nos olhávamos o tempo todo na cena, havia muito jogo e cumplicidade de atores por trás da narrativa da cena. Mesmo quando uma das filhas vinha da rua ou quando o Rubens entra no carro pela última vez, o olhar de Eunice sempre voltava pro Schneider; um olhar desconfiado, buscando respostas, protegendo a cria, a casa. Isso ajudou na tensão; não havia espaço para vacilar sem que o outro percebesse, e minha estratégia do jogo era de que o Schneider não podia entregar o que estava acontecendo.

Luiz Bertazzo (por Caio Lírio)
Luiz Bertazzo (por Caio Lírio)
Foto: Rolling Stone Brasil

Rolling Stone Brasil: Com o sucesso do filme no Brasil, mas também no exterior, seu papel acaba sendo responsável por ilustrar o impacto da ditadura militar sobre a vida doméstica das pessoas de uma geração. Como sente que o filme retrata isso, para quem conhece a história e para quem está conhecendo só agora?

Luiz Bertazzo: O impacto da ditadura vem atravessando gerações; os responsáveis pela morte de Rubens Paiva ficaram impunes, assim como o pensamento que ele representa. Ainda Estou Aqui estreia no Brasil no momento em que se descortina uma trama golpista que colocou a democracia em risco. O filme evoca uma memória para falar de agora, de um pensamento pautado pela violência, pelo discurso de ódio, que é universal. A extrema direita vem se fortalecendo e ganhando novos seguidores a cada novo ciclo de escolha de representantes dos países e sinto que por isso também o filme tem tanta aderência internacional, o filme estreou no Festival de Veneza, e a Itália vive hoje um governo com essas características de opressão. Quando contamos a história de Eunice Paiva, as vítimas da ditadura e de outros governos autoritários, ganham nomes, família, e o risco deixa de ser impessoal, e muito menos distante. Ele pode bater na porta a qualquer momento e te arrancar uma pessoa amada.

Rolling Stone Brasil Rolling Stone Brasil
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade