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"Mazzaropi ficou bilionário com o cinema", diz biógrafo

9 abr 2012 - 17h09
(atualizado às 17h51)
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Marina Azaredo
Direto de São Paulo

Jeca, o mais famoso personagem que interpretou no cinema, pouco tinha em comum com o seu criador, Amácio Mazzaropi. No dia em que são celebrados os cem anos de seu nascimento, o Terra publica uma entrevista concedida pelo biógrafo do ator, diretor e produtor, Paulo Duarte, na qual explicou como o lendário humorista conseguiu confundir sua própria pessoa com seus personagens.

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"Mazzaropi ficou bilionário fazendo cinema no Brasil. Mas ele negava isso por medo de ser assaltado", disse Duarte, autor do livro Mazzaropi - Uma Antologia de Risos, garantindo que o artista era também muito mais sofisticado em seu cotidiano do que demonstrava publicamente. "Mazzaropi morava em uma casa com lareira, tinha amigos na Academia Brasileira de Letras, frequentava teatros, gostava de ópera, de música clássica, então era o falso caipira. Na verdade, o personagem era um caipirão, mas ele mesmo não. Vestia-se bem, era vaidoso, estava sempre de terno e gravata. Usava até smoking."

Na conversa, o biógrafo procurou explicar o sucesso do ator como uma combinação de sorte e de sua vontade de sempre inovar. O personagem caipira que se tornou símbolo de sua longa história na dramaturgia, por exemplo, foi um tipo com o qual o público se identificou justamente pelas características que viam em comum com ele na ocasião. "O caipira, o nordestino, o pessoal que tinha sido criado nas zonas rurais, estava fazendo o movimento de ida para as capitais. As pessoas estavam se estabelecendo nas cidades para construir o Brasil da indústria, esse Brasil novo", contextualizou.

"E o Mazzaropi começou a mostrar na tela o caipira que estava em conflito com essa modernização. Então, o cara do interior que estava na cidade e, nos momentos de folga, ia ao cinema para assistir a um filme, se via refletido na tela. Quando ria do Mazzaropi, ria mais por uma identificação, porque ele estava se vendo na tela, estava rindo dele mesmo. Existia uma massa muito grande indo para as capitais para trabalhar, a tal da mão de obra barata. E ele estava falando para esse pessoal."

Confira a entrevista na íntegra a seguir:

Cineasta que se tornou lenda do humor completaria 100 anos de vida nesta segunda
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Foto: Acervo Museu Mazzaropi / Divulgação

Terra - Mazzaropi começou a fazer filmes apenas aos 40 anos. Por quê?

Paulo Duarte - Pois é. Quando ele fez o primeiro filme, já tinha passado por todos os outros segmentos. Já tinha trabalhado com circo, teatro, rádio e TV. A propósito, ele estava no dia da inauguração da televisão, foi o primeiro humorista a se apresentar na TV brasileira, no dia da estreia e por isso pode ser considerado o patrono dos cômicos no Brasil. Mazzaropi, no entanto, tinha um hábito: quando ele atingia o ápice em alguma coisa, passava para frente. Esse "passar pra frente" era sempre feito de uma maneira um pouco traumática, porque significava vender tudo o que ele tinha para ir para o próximo estágio. Foi assim que ele acabou indo parar no cinema.

Terra - O Mazzaropi empresário era bem sucedido?

Paulo - Ele sempre se deu muito bem. Era um investidor de alto risco, um cara que tinha esse perfil de arriscar. E tinha sorte também. Por exemplo, ele vendeu tudo o que tinha para comprar um pavilhão. Depois, conseguiu comprar um circo. Depois, conseguiu montar a peça de teatro dele, para poder viajar pelo Brasil. E depois, finalmente, quando começou a fazer filmes, viu as filas dando voltas em torno dos cinemas, com todas as sessões lotadas, e entendeu que era ele quem estava chamando aquele pessoal para o cinema. E fez mais uma vez isso: vendeu tudo o que tinha, colocou um anúncio no jornal que dizia o seguinte, "humorista Mazzaropi vende tudo o que tem para fazer o primeiro filme. Se der certo, está tudo lindo; se não der, vou precisar arranjar uma mulher rica para me bancar, pois vou estar na bancarrota". E aí ele fez o filme Chofer de Praça, que foi o primeiro bancado do bolso dele.

Terra - E a empreitada deu certo?

Paulo - Sim. Ele se deu muito bem e começou a criar uma coisa que todo mundo que faz cinema no Brasil quer fazer, mas ninguém nunca conseguiu: uma indústria sustentável de cinema. Um filme bancava o outro. Tentamos fazer isso no cinema várias vezes, com a Vera Cruz, a Atlântica, a Maristela e nada deu certo. O Mazzaropi, que era um cara "caipirão", foi quem acabou conseguindo criar essa indústria e ficou três décadas fazendo um sucesso atrás do outro. E ele trabalhava em um circuito que, em média, tinha 25 salas. Hoje, um blockbuster é lançado em 600 salas e ninguém faz o que ele fazia com apenas 25 salas.

Terra - Como a carreira dele se tornou o sucesso que conhecemos?

Paulo - Eu costumo dizer que o Mazzaropi era o cara certo no lugar certo em todos os momentos. Quando aconteceu a Revolução Constitucionalista, ele morava em Taubaté, que era onde as tropas descansavam. Então, para animá-las, tinha que ter teatro, circo, música. Naquela época, na década de 1930, Taubaté acabou virando um pólo muito efervescente de cultura. E ele viu muitos artistas importantes do Brasil passarem pela cidade. Já de primeira, ele estava no lugar certo. Depois, começou no teatro porque o Oscarito teve um problema com uma das peças, precisaram de alguém e colocaram Mazzaropi. No dia da estreia da televisão, ele estava lá. Outros cômicos não puderam ir, então também tem aquela coisa da sorte. Foi ele o cara que conseguiu mostrar a cara primeiro na televisão.

Terra - E como Mazzaropi foi parar no cinema?

Paulo - Quando chegou ao cinema, ele já tinha uma fama muito grande. O cinema nacional já tinha uma série de artistas, mas que estavam basicamente no Rio de Janeiro. Mas, quando a Vera Cruz começou a produzir em São Paulo, não queriam chamar um cara do Rio para fazer um filme em São Paulo. Naquele momento, o cara de São Paulo famoso no rádio e na TV era o Mazzaropi. Como ele já havia passado por tudo, quando chegou a hora de ir para o cinema, já estava lapidado. E o momento histórico também ajudou.

Terra - Por quê?

Paulo - O Brasil estava em um período de industrialização e crescimento, e alguns anos depois surgiria Brasília. Então, o caipira, o nordestino, o pessoal que tinha sido criado nas zonas rurais, estava fazendo o movimento de ida para as capitais. As pessoas estavam se estabelecendo nas cidades para construir o Brasil da indústria, esse Brasil novo. O que o Mazzaropi fazia no circo e no teatro era muito parecido com o que o Genésio Arruda já fazia.

Terra - Mas, então, qual é a diferença do Mazzaropi para o Genésio Arruda, por exemplo?

Paulo - Justamente o momento histórico. O Mazzaropi começou a mostrar na tela o caipira que estava em conflito com a modernização. Então, o cara do interior que estava na cidade e, nos momentos de folga, ia para o cinema assistir a um filme, se via refletido na tela. Quando ria do Mazzaropi, ria mais por uma identificação, porque ele estava se vendo na tela, estava rindo dele mesmo. Existia uma massa muito grande indo para as capitais para trabalhar, a tal da mão de obra barata. E ele estava falando para esse pessoal.

Terra - A Xuxa e os Trapalhões também fizeram um grande sucesso no cinema pouco tempo depois, mas tinham a divulgação da TV Globo por trás. Como Mazzaropi conseguiu tanto sucesso sem esse tipo de divulgação?

Paulo - Era puro boca a boca. Até hoje é fenomenal esse alcance dele, mas acho que a explicação está na raiz de duas coisas: no momento histórico e no fato de ele falar de uma coisa que é muito primitiva. A raiz do humor está no primitivo, na piada de uma pedra caindo na cabeça de uma pessoa. Desde a época das cavernas, a humanidade ri disso. E ele falava sem muitos filtros, símbolos, signos. Ele sabia que falava para as massas, para as pessoas mais simples e que não podia complicar o discurso, porque as pessoas não entenderiam. O discurso era de fácil acesso.

Terra - Então muito do sucesso do Mazzaropi se deve à sorte que ele teve?

Paulo - Não, nem tudo foi obra do acaso. Depois que ele conseguiu se estabelecer, o mais difícil foi fazer a administração, a manutenção do nome, dos personagens, dos filmes. E ele conseguiu chegar a um ponto em que seu nome se tornou uma grife. O povo ia para o cinema sem saber se era Jeca, que personagem era. Se estava escrito Mazzaropi, o pessoal entrava, assistia e dava risada. Então ele conseguiu transformar o nome dele em uma grife, outra coisa que a gente não tem no cinema nacional.

Terra - Nunca ninguém tentou fazer remakes dos filmes dele?

Paulo - Já conversei com amigos cineastas sobre a possibilidade de fazer o remake de filmes do Mazzaropi, mas acho que não funcionaria, porque seus filmes só davam certo porque havia ele. Mazzaropi era um elemento fundamental nas coisas que fazia, era um tipo único. Apesar de, em geral, aquela frase de que ninguém é insubstituível não ser verdadeira, acho que nesse caso é. O registro de voz dele, o jeito de andar, de se comportar. Por exemplo, no começo da carreira, Mazzaropi sofreu um acidente de carro e isso gerou algumas sequelas, como muitas dores nas costas. Quando foi fazer os filmes, ele inventou um andar meio característico, em que colocava as mãos nas costas, o que acabou sendo incorporado ao personagem, mas que na realidade era uma dieficiência dele. Até nas pequenas coisas, ele foi muito ágil, muito esperto, ao ter essas sacadas.

Terra - Dizem que Mazzaropi ficou rico com o cinema, mas ele negava isso.

Paulo- O Mazzaropi não ficou apenas rico, mas bilionário, fazendo cinema no Brasil. Ele negava, mas provavelmente por medo de ser assaltado. Todas as pessoas que eu entrevistei disseram que ele tinha muito medo de ser uma figura pública. Ele tinha medo de ser assaltado, medo que roubassem ele, medo que fizessem algum tipo de maldade com ele. Era um pânico que ele tinha. Mas Mazzaropi morava numa casa com lareira, tinha amigos na Academia Brasileira de Letras, frequentava teatros, gostava de ópera, de música clássica, então era o falso caipira. Na verdade, o personagem era um caipirão, mas ele mesmo não. Vestia-se bem, era vaidoso, estava sempre de terno e gravata, usava até smoking. Estava sempre bem colocado.

Terra - Por que há tão poucos registros sobre a vida de empresário dele?

Paulo - Quando Mazzaropi estava para morrer, houve um incêndio criminoso na sede da PAM Filmes (Produções Américo Mazzaropi). Quando chegaram lá, os cofres estavam arrombados e tudo havia sido levado embora. E, do ponto de vista histórico, uma coisa mais importante é que todos os registros de caixas, de pagamentos de funcionários, de controle das salas de cinema (ele tinha o hábito de colocar fiscais nas bilheterias dos cinemas, pois não confiava nos donos das salas), tudo isso foi tudo queimado, rasgado, roubado. Então, no final da vida dele, tinha alguma coisa meio estranha. O grande problema é que Mazzaropi não deixou um sucessor nem na frente nem atrás das grades.

Terra - Que legado Mazzaropi deixou para a geração atual?

Paulo-Acho que, nesse centenário, o mais importante é a gente saber que o conjunto da obra dele está conservado e, mais importante do que isso, está acessível ao povo. Hoje o Mazzaropi passa na televisão, está em DVD. Logo depois que ele morreu, relançaram seus filmes no cinema e a bilheteria era maior do que a dos filmes que estavam estreando. Na televisão, a TV Manchete tinha acabado de passar Pantanal, tinha batido a Globo e não sabia mais o que colocar no ar para manter o mesmo nível de audiência até estrear Ana Raio e Zé Trovão. Então eles acabaram criando a Semana Mazzaropi,, que conseguiu bater a audiência da própria Pantanal. Depois, ele foi um fenômeno de vendas em VHS e DVD. Hoje, Mazzaropi já está no Netflix, no Terra. Parece que a obra não tem prazo de validade, talvez justamente por falar de coisas mais primitivas, porque é um humor que não é tão elaborado e não é tão específico, atemporal mesmo.

Terra - Qual era a relação de Mazzaropi com o cinema norte-americano?

Ele tinha meio raiva de Hollywood. O que ele fazia era um pouco tirar uma onda do que fazia sucesso. O Exorcista fez muito sucesso, aí ele foi lá e fez o Jeca contra o Capeta

Fonte: Terra
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