Mazzeo: "A série é prova de que a gente vai se adaptar"
Protagonista de 'Diário de um Confinado', Bruno Mazzeo fala da produção, gravada dentro de sua casa e dirigida pela mulher, Joana Jabace
Série original da quarentena, Diário de um Confinado, escrita e protagonizada por Bruno Mazzeo e dirigida por Joana Jabace, sua mulher, poderá ser vista em várias plataformas. Já disponível no Globoplay, a produção será exibida ainda na Globo aos sábados, a partir deste sábado, 4; estreia no dia 6 no Multishow; e terá pílulas durante o mês no GNT. Idealizada por Joana, é gravada no apartamento onde o casal mora com os filhos, no Rio.
Na produção, Bruno Mazzeo interpreta Murilo, que vive sozinho e, de uma hora para outra, precisa resolver toda sua vida de dentro de casa - e a distância: terapia, bate-papo com amigos, compromissos profissionais.
Ao Estadão, Mazzeo conta como nasceu a série, o desafio de gravar em casa e opina sobre os efeitos da pandemia, na TV e na vida.
Como é para você e para a Joana, acostumados a trabalhar nos sets, usar a casa de vocês, um lugar pessoal e íntimo, como cenário da série Diário de um Confinado?
Tudo foi um grande desafio. Começamos a criar já tendo limitações, como a locação, um único personagem, com toda a história se passando no mesmo universo. A vida familiar e o trabalho ficaram bem misturados. A única coisa que já é feita assim, por mim, de casa, e que eu faço muito, é o texto. De resto, tudo foi novidade. Foi desafiador desde a prova de figurino por chamada de vídeo, com a figurinista olhando meu armário e montando o Murilo com o meu guarda-roupa, até o gravar e editar em casa. Gravar com os filhos aqui, com a vida real seguindo... Olha, desafio não faltou. Adaptamos a nossa casa e, ao mesmo tempo, fomos adaptando coisas no texto também para coisas que a gente tinha aqui. Não estamos nos Estúdios Globo, onde um cenário, por exemplo, é construído de acordo com a necessidade do texto. Aqui é o contrário. O que fizemos se parece um pouco como funciona o teatro, em que o ator também é o contrarregra. Tem ainda o desafio da dramaturgia: não tinha uma fuga para cena ali na esquina, não tinha um personagem que chegava. Usamos tudo aqui de dentro, nas nossas possibilidades, mas sem poder usar um efeito especial, por exemplo. E esses desafios todos tornaram esse trabalho ainda mais prazeroso.
Como nasceu esse projeto?
A ideia veio da Joana. Já estávamos vivendo o confinamento, ela ainda trabalhando em Segunda Chamada, remotamente, e eu pensando em trabalhos mais à frente, porque estava organizado para só atuar este ano. Aí ela trouxe essa ideia: "e se pensarmos em algo que a gente possa gravar aqui em casa? Você escreve e atua, eu dirijo". Começamos, então, a pensar em crônicas de uma pessoa confinada. Chamei a Rosana Ferrão, minha parceira no Cilada, pensamos no formato e chegamos a esse, de fazer um diário com situações que a gente passa no confinamento, com algumas neuroses, paranoias...
O roteiro é construído a partir de seu dia a dia como confinado, mas também é inspirado nos perrengues de outras pessoas?
Como tudo o que escrevo, sobretudo quando escrevo sob o olhar da crônica, normalmente tem um pé na autobiografia e na de cada um que está participando comigo. Tem um ditado italiano que eu gosto muito que diz que "na arte tudo é autobiográfico" porque tudo vem de sensações minhas, de referências que recebo do mundo, coisas que vivo, que os amigos vivem. Este é um programa que busca uma identificação. Ao mesmo tempo, ele tem pitadas de uma loucurinha, que é o que a gente está vivendo, com sentimentos alterados, entre a euforia e a melancolia. E é aí que entra a carga do humor. Mas a ideia é partir sempre da realidade.
Como é feita a interação com outros atores?
Contracenamos pelo computador, também remotamente, por aplicativo de conversa / reunião. Este foi outro grande desafio: contracenar com os colegas sem estarmos juntos, olho no olho, com o calor e a troca que existe no set. Foi desafiador para mim e, talvez, até mais para as atrizes e atores que estavam sozinhos em suas casas. Curiosamente, finalmente contracenei com a Nanda (Fernanda Torres), depois de um fazer texto do outro. E tive a honra de fazer cenas pela primeira vez com Arlete Salles e Renata Sorrah, que estão entre minhas atrizes preferidas. Com Nanda e Lucinho (Lúcio Mauro Filho) o fato de termos total intimidade nos ajudou muito. E, finalmente, realizei o desejo de contracenar com Debi (Débora Bloch), esta sim ao vivo - minha vizinha na vida real e, agora, também na ficção. Mesmo que em condições completamente diferentes das de um set normal.
Na sua opinião, quais as lições que serão deixadas pela pandemia?
A gente vive, no confinamento, uma gangorra de sensações e sentimentos, né? Num dia acorda mais pra baixo, no outro está tranquilo. Num dia não quer sair do quarto, no outro está super querendo malhar pela internet. É uma loucura. Para mim, se teve uma coisa boa que veio com essa pandemia, foi a união da família. Durante boa parte desse tempo, as crianças ficaram felicíssimas, porque eles nunca têm a oportunidade de estar só com pai e mãe o tempo todo como tem acontecido. Mas quando começaram as gravações, eles "perderam" um pouco esses pais em tempo integral e não ficaram muito felizes, não. Quando começamos a gravar, eles já não tinham mais toda a atenção do início da quarentena, perderam um pouco o espaço deles na casa, porque a sala em que brincavam virou set, não podiam fazer barulho enquanto gravávamos. (risos) A pandemia trouxe as dificuldades do momento também: trabalho, as tarefas domésticas, eu com meu filho mais velho longe, a Joana longe dos pais. Acho que isso também fez a gente ficar muito unido, nos ajudando e convivendo harmonicamente. O trabalho em Diário de um Confinado veio para coroar isso. Já temos muito orgulho de ter feito esse projeto que nos uniu 100%: gravando, cuidando das crianças, arrumando a cama, sendo contra-regra, continuista... Acho que isso é o que há de mais positivo para a nossa família.
A quarentena vai criar um novo segmento para TV e streaming, que são séries e programas feitos dentro de casa, geralmente com um protagonista e poucas câmeras?
Acho que a dramaturgia vai sofrer adaptações. As coisas, por necessidade, vão ser um pouco menores, com produções mais íntimas. Pra mim, foi muito importante a experiência do Diário de um Confinado. Foi uma prova de que a gente vai se adaptar e que a arte sempre vai se reinventar de acordo com sua época, sobretudo em momentos de exceção. No nosso caso, fizemos uma dramaturgia muito íntima e, consequentemente, muito humana, pelo fato de não ter outros cenários, outros universos. Foi uma comprovação - pra gente - de que somos capazes de fazer. E que vai ter que fazer daqui pra frente. Estamos bem dentro da realidade, não só pelo conteúdo, mas pela forma como fizemos a série. E sou muito orgulhoso disso.
Essa forma de fazer programa, mais caseira, intimista e enxuta, é muito pontual ou você acredita que, depois de passada a quarentena e tudo voltar ao "normal", esse modelo poderá ser aproveitado de alguma forma?
A quarentena foi uma novidade muito abrupta para todos nós. De repente, a gente se viu numa nova realidade. Se a gente falasse há dois anos, que passaria por isso, seria até uma distopia. Acho que a dramaturgia agora vai sofrer modificações por várias circunstâncias, inclusive pelos protocolos de segurança, mas, no nosso caso, a gente queria falar realmente desse momento específico: a nova forma de receber uma comida em casa, a forma de lavar as compras que vêm do mercado, ver um amigo e não poder dar um abraço. Isso tudo é muito atual e, quando a gente começou a pensar no projeto, era ainda mais. E daqui a pouco, infelizmente, isso vai ser o normal. Para você ter uma ideia, do momento que apresentamos a ideia até o lançamento, se passou apenas um mês e meio, um tempo muito pequeno para fazer, produzir, e finalizar.