'Medida Provisória' estreia como alerta e marco para a presença de negros no cinema
Primeiro filme do ator e diretor Lázaro Ramos reúne a maior quantidade de negros na frente e atrás das câmeras; estreia será em 14 de abril
Era para ser apenas um alerta. O primeiro, em 2011, nos palcos da Bahia. O segundo, em 2015, para todo o Brasil. 'Medida Provisória' nasceu peça, 'Namíbia, não!', escrita pelo baiano Aldri Anunciação, mas virou filme, o primeiro dirigido por Lázaro Ramos, e, enfim, com estreia, prevista para 14 de abril.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Mesmo. Afinal, o Brasil de sete anos atrás não dava pistas do que estaria por vir. 'Medida Provisória' se passa num futuro distópico em que o governo brasileiro decide reparar o passado escravocrata e obriga os cidadãos negros a migrarem para a África, por meio de uma medida provisória.
A história gira em torno dos protagonistas Capitú, interpretada por Taís Araújo, e seu companheiro Antônio, interpretado pelo ator anglobrasileiro Alfred Enoch, e do jornalista André, personagem de Seu Jorge. Os dois são primos e juntos dividem mais do que o apartamento.
"O filme era pra ser um alerta, pra gente ver esse futuro que a gente não gostaria de viver. Infelizmente várias dessas coisas aconteceram, mas o alerta continua. Agora, o filme ganha outro propósito. A gente vai rir disso, mas vai ser uma convocação também: a pensar no nosso dia a dia, qual é a nossa contribuição. Esse assunto não deve ser somente de uma parte da sociedade", destaca Lázaro Ramos.
O debate é a principal expectativa que produção e elenco têm com relação ao 'Medida Provisória'. Aldri Anunciação acredita, inclusive, que o público brasileiro – para além da bolha com letramento racial – está pronto para discutir as questões que o filme levanta. O escritor e ator baiano é autor da peça que deu origem ao filme, deu vida a Antônio no teatro e, além de roteirizá-lo, interpreta Ivan no longa.
Apesar dos dez anos que distanciam as duas obras, que já até virou livro premiado com um Jabuti em 2013, Aldri aposta que 'Medida' vem em um momento em que o Brasil está cada vez mais político e consciente do que está acontecendo ao redor.
"O filme, de certa forma, vai encontrar um público sedento por debate, e por diversão também, porque é uma sala de cinema. Eu falo: 'Você pode assistir com pipoca, mas no final talvez você coloque a pipoca no cantinho'", acrescenta.
Maior presença de negros em filmes
Lázaro Ramos recusa a ideia de celebrar, embora reconheça como marco uma característica do filme 'Medida Provisória': a grande quantidade de profissionais negros na frente e atrás das câmeras. Maquiagem, produção, protagonistas, o próprio diretor…
A jornalista e agora atriz Maíra Azevedo contou, em entrevista coletiva, que se emocionou com o que viu ao entrar no set de gravações.
"Eu me via, mesmo quando não era eu, exatamente por ter tanta gente preta por trás e também na frente das câmeras. Aquilo mexia comigo de uma forma que fazia eu ter a certeza de que aquele era o espaço que eu queria ocupar", revela, emocionada, a estreante nas telonas.
Mas, ao hesitar a celebração desse fato, Lázaro Ramos revela a preocupação com o apagamento de uma discussão que considera importante: o espaço para todos esses profissionais no mercado nacional – sem considerar os já conquistados papéis marginalizados ou subalternos. Com o 'Medida', diz Lázaro, atores e atrizes, cenógrafos, maquiadores, diretores e roteiristas, por exemplo, terão mais visibilidade e a presença desses profissionais pode passar a virar uma constante.
Essa diversidade é quase metalinguística, já que o próprio filme tem o cuidado de representar os negros em sua multiplicidade de profissões, posicionamentos e interesses.
"Na vida real é assim. Temos dores e experiências que nos aproximam, mas também temos o direito à individualidade. É bom amadurecer com relação a isso também", acrescenta Lázaro.
Maíra Azevedo reforça a habilidade de o filme humanizar os negros e permitir que as pessoas se identifiquem com cada um que está ali. No 'Medida Provisória', ela observa, os negros estão em todos os espaços, de todas as formas e de todos os jeitos.
"A partir desse filme, nenhum produtor de elenco vai poder dizer que não colocou gente preta para fazer a personagem porque não sabia que tinha. 'Medida Provisória' tem mais gente preta em um único filme do que os vinte últimos filmes brasileiros que foram lançados, se você fizer uma conta. E eu estou falando de filmes que não estão no papel do marginal", destaca.
O filme 'Medida Provisória' irá estrear nos cinemas de todo o Brasil no dia 14 de abril, depois de atrasos devido à pandemia e a um imbróglio com a Agência Nacional de Cinema (Ancine).
