"Metáfora perfeita": 'The Boys' usa violência e absurdo para discutir o cotidiano
Um dos maiores sucessos recentes do streaming finaliza o terceiro ano sem perder o poder de surpreender
Um dos personagens mais curiosos de 'The Boys', série da Amazon Prime Video, é um veterano de guerra que sofreu um trauma tão intenso que não é mais capaz de falar. O homem é um sombra que se esconde atrás de uma máscara e um traje pretos.
Praticamente um enigma ambulante, ele inspira curiosidade e medo até o sétimo episódio da terceira temporada. É a partir de então que descobrimos mais sobre o seu passado, através dos amigos imaginários que aparecem no melhor estilo 'Uma Cilada Para Roger Rabbit', filme de 1988 que mistura atores humanos com animação.
Esses amigos encenam, em um palco também imaginário, os abusos e o trauma de Black Noir. Toda sequência mistura absurdo, criatividade e violência para ajudar a entender por que a série já se tornou um clássico do universo dos super-heróis, mesmo sendo muito diferente das outras produções do gênero.
Forte e sangrenta, a gravação da cena partiu o coração do ator Nathan Mitchell, que dá vida ao mascarado Noir.
"Sofri bullying quando era criança, e é interessante você ver [em um personagem] os efeitos que o bullying tem para uma pessoa. Não é só no momento, é algo que perdura", avalia o ator, visivelmente emocionado.
Parte do elenco e o criador da série estiveram em São Paulo para a exibição do último episódio da terceira temporada.
'The Boys' é um cavalo de Tróia
A violência é uma das grandes propagandas da série, o que faz uma parcela desavisada acreditar que a série é apenas sobre isso. Mas, nas palavras do próprio criador da série, Eric Kripke: "The Boys é um cavalo de Tróia".
Foi assim, com banhos de sangue catárticos, que a série me conquistou. A violência é parte importante da história, não é a história. E esse recurso narrativo é usado para discutir política, violência, culto às celebridades…
"A série é uma metáfora perfeita para descrever o momento que estamos vivendo. [...] Eu leio os jornais, fico assustado, frustrado e nervoso, como todo mundo. E existe uma lei para os escritores: se alguma coisa te incomoda no mundo, você senta e escreve sobre ela", diz o showrunner, que compara o gênero de super-heróis ao faroeste.
O ator Karl Urban reforça a importância da série para discutir temas que impactam o dia a dia das pessoas ao redor do mundo. Dando vida a Billy Butcher, um dos personagens mais complexos de 'The Boys', ele vê no entretenimento a oportunidade de a sociedade se olhar, refletir e pensar sobre suas questões.
Um desses tópicos importantes é a corrupção, que na série se materializa em Victoria Neuman, personagem interpretada pela australiana Claudia Doumit. Congressista corrupta – arquétipo bastante prevalente não só no Brasil –, ela tem a capacidade de explodir cabeças apenas com o olhar. Embora seja uma super, sua característica mais marcante é a habilidade de coagir os outros sem precisar revelar seus poderes.
Para Claudia, a catarse e o absurdo, elementos marcantes em 'The Boys', são a melhor maneira de tratar de assuntos sérios do cotidiano.
"Nós estamos cercados por todas essas notícias, e às vezes as absorvemos de uma maneira automática. Essa é a beleza da série, poder trazer novas perspectivas de uma maneira mais fácil de ver coisas difíceis", afirma. "Não quero soar como uma atriz babaca, mas é isso que a arte faz com as pessoas, seja em uma apresentação musical ou de dança, poesia… A arte te impulsiona, e é isso que o show faz, mesmo de um jeito tortuoso".
Realidade exagerada
O tom exagerado com que os assuntos cotidianos são retratados na série chamam a atenção, mas dão o toque de diversão que envolve o espectador. O Capitão Pátria, uma espécie de Superman eugenista e sociopata interpretado por Antony Starr, é um exemplo desse "equilíbrio".
"Muitas coisas que acontecem na série não são específicas de um país, mas em cada país existe algo parecido com a realidade que nós exageramos", observa o ator.
É o que acontece quando navegamos na internet e nos deparamos, em 2022, com comentários que parecem ter saído dos anos 1940. Em 'The Boys', esse conservadorismo ganhou vida e uma voz grossa na terceira temporada.
"Soldier Boy não vê nada de errado no que faz. Ele acredita que todo mundo em torno dele está errado. Ele tenta ditar as coisas: 'É assim que um homem tem que ser'; 'É assim que se trata uma mulher', 'É assim que se trata alguém que não entende'; sendo que ele é a pessoa que não entende", destaca o ator Jensen Ackles.
Para Karen Fukuhara, que interpreta a super Kimiko, a melhor parte da série são justamente os comentários sociais, feitos desde a primeira temporada.
"Amo ver o quão ridículo nós tratamos desses assuntos. É claro que a gente precisa de controle de armas, é claro que a população negra é tratada com violência pela polícia, e eu amo que com a série a gente pode trazer essas discussões de diferentes maneiras", afirma a atriz.
Jack Quaid, que interpreta Hughie Campbell, completa: "A gente pode rir das coisas, mas precisamos abrir o diálogo para discussões complexas, nem que seja através do riso, ou do absurdo", completa Jack Quaid.