Nova versão de ‘A Pequena Sereia’ amplia uma boa discussão sem abir mão da nostalgia
O filme tem grades acertos, como a escalação da atriz principal, mas derrapa em cenas no fundo do mar e final apressado
Muitos e complicados fatores podem explicar a decisão da Disney de regravar praticamente todo o seu catálogo de animações usando atores e cenários reais. Entre as justificativas estão a tentativa da empresa de apresentar a obra a um novo público ou corrigir alguma falha no produto original. Por outro lado, tem gente que alega que esse movimento é mais uma maneira da corporação lucrar com histórias já consagradas.
Mas, sem deixar todos esses fatores de lado ‘A Pequena Sereia’ (2023) consegue abraçar tudo isso, e mesmo com algum deslize, consegue entregar um filme que emocionante, com inovações, mas sem deixar de prestar homenagem à obra original.
A história é praticamente a mesma. Inspirada no conto, bastante sombrio, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, o filme conta a jornada da sereia Ariel (Halle Bailey), filha do rei dos Mares, Tritão (Javier Bardem), que deseja ardentemente viver em outro mundo além do subaquático. Ariel acaba conhecendo um príncipe e faz um acordo não muito favorável com a própria tia, para ganhar pernas, no lugar da própria voz.
Mesmo segundo o mesmo roteiro, a nova versão se propõe em ampliar certas discussões que a história original já tinha. É importante lembrar que existiu todo um debate em torno da Ariel ser menos feminista que suas companheiras de estúdio, como Bela e Mulan, e que ela teria deixado de ser sereia por um cara. Mas vale lembrar que ela canta uma música inteira sobre sua vontade de ser humana, de querer ter pés antes mesmo de saber da existência de Eric (Jonah Hauer-King). A paixão é apenas mais um componente que a leva a Bruxa do Mar, Úrsula (Melissa McCarthy). Mas esse ainda não é o fator decisivo, na mesma música, que a primeira canção da versão de 2023, ela ainda imagina o mundo dos humanos como um lugar onde pais não repreendem suas filhas. É nesse subtexto que a nova versão ganha uma expansão melhor, e mais interessante.
Apenas depois que Tritão descobrir, e destruir, toda a sua coleção de tesouros humanos que Ariel procura Úrsula. E o argumento final para a decisão da Ariel de fazer o pacto com a bruxa vem logo após o questionamento dessa, se sereia gostaria de continuar a ser submissa ao pai.
Reza a lenda da literatura que Christian Andersen escreveu seu conto inspirado na própria vida, e na tentativa frustrada de tentar conquistar um homem heterossexual. O fato é que a história da sereia acaba servindo analogia para muitos dramas humanos, e principalmente uma história de amadurecimento, e rompimento com a proteção dos pais e entrada na vida adulta. E esse é o grande acerto da versão de 2023. Ampliando esse aspecto da história, tanto Ariel, quanto o pai, ganham mais profundidade e ficam mais interessantes.
Mas o filme não acerta apenas nas histórias, as novas músicas deixam a trilha original ainda melhor, com destaque para ‘Wild Uncharted Waters’, solo do príncipe Eric que cheira a indicação a canção original no Oscar. Toda a interação entre Sebastião e Sabidão é muito engraçada e natural, com um trabalho de voz primoroso de Daveed Diggs e Awkwafina. Melissa McCarthy esbanja carisma como Úrsula.
O maior trunfo na nova versão é a escalação de Halle Bailey. Como atriz, ela brilha em na interpretação inocente, mas nunca boboca. Mas seu canto, parte importante para história, é sublime e emocionante. Sua participação no filme é de deixar os críticos sem voz.
Nem tudo são acertos. A versão realista do Linguado, que era para ser o adorável peixe-amigo de Ariel, é difícil de engolir, é esquisito ver um peixe cantando e sensação é que sua participação foi reduzida no corte final. Algumas cenas do fundo do mar ainda não escuras e pouco coloridas, como o fundo do mar é na realidade, mas perdem a magina que o mar tinha na versão animada. E a luta final é um pouco climática, para não dar muitos spoilers.
Contudo, ‘A Pequena Sereia’ consegue manter um bom equilíbrio entre a homenagem ao material original, com uma atualização que deixa a história relevante e divertida, além de abrir um espaço para discussões interessantes, que o original deixou de lado.