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'Os Enforcados' mistura jogo do bicho e Shakespeare em história que é o 'puro suco de Brasil'

Novo filme é estrelado por Leandra Leal e Irandhir Santos

24 out 2024 - 15h05
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Foto: Divulgação/Paris Filmes / Pipoca Moderna

Pensar o cinema em seu diálogo com temas socialmente tópicos e relevantes obviamente não é uma obrigação, mas trazer pontos de vista incômodos ou questionadores faz parte da gênese do que é esta forma de arte. O novo filme de Fernando Coimbra, seu reencontro com Leandra Leal 11 anos depois do excelente "O Lobo Atrás da Porta", é neste sentido uma provocação direcionada à classe média cuja história é o mais puro "suco de Brasil", aos moldes shakespearianos que adicionam pitadas excêntricas ao que já seria absurdo na origem. Envolta em uma comédia de erros, no entanto, a acidez da trama vai para lugares inimagináveis, testada conforme as decisões dos personagens protagonistas navegam entre a crítica, o escárnio e o banal.

Todos os elementos centrais da trama de "Os Enforcados" parecem retirados do noticiário brasileiro, um sinal claro da comédia de absurdos que já é a realidade. Na trama, Leandra Leal e Irandhir Santos vivem um casal de classe média, moradores da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, passando por momentos turbulentos durante a reforma da casa luxuosa em que vivem. Com problemas financeiros, Valério é influenciado pela esposa a assassinar o próprio tio para tomar conta dos negócios da família, que envolvem apostas e jogo do bicho, e assim se reerguer financeiramente. Mas o crime o leva a uma escalada de violência e sangue quando a situação sai do controle e as consequências passam a se tornar mais urgentes, enquanto Regina é tomada por uma paranoia crescente que também afetará o casamento até então estável.

"Os Enforcados" se constrói na relação hiper conectada entre a violência e o deboche praticamente entranhados na sociedade carioca, e Coimbra usa todo o requinte disponível para enfeitar a história com elementos que façam conexão entre o real das notícias e o imaginário da ficção. O diretor, dispondo de artifícios mais complexos do que aqueles que empregou no seu sucesso lançado há mais de uma década, cria uma teia impressionante dos símbolos de poder que causam fascínio na classe média, para culminar em uma história cômica que não está muito interessada em uma crítica que poderia ser encontrada em qualquer textão de rede social. 

Neste sentido, é interessante observar o quanto a construção dos pontos de tensão é eficaz para tirar o espectador do lugar confortável de ver essa história sob uma ótica mais comum. Enquanto Regina se mostra obcecada pela reforma da casa, focada na intenção de morar em um palácio dos sonhos e despreocupada com as consequências, Valério tenta transparecer que tem tudo sob controle, secretamente preocupado com o dinheiro entrando ser cada vez menor. A obsessão despreparada faz com que as decisões de Valério e Regina sejam cada vez piores, e isso escancara que a postura idealizada que tentam transparecer é, de fato, apenas uma fachada.

A partir de uma decisão cujas consequências saem do controle, "Os Enforcados" entra em uma espiral de erros que torna a trama cada vez mais cômica, à medida que as decisões tomadas pelos protagonistas mostram que tudo que os move é uma farsa. Envolto neste sarcasmo, o filme de Fernando Coimbra mira a falha das instituições, o suborno, a corrupção e a ilegalidade que funcionam a olhos vistos. É evidente que, ao optar por rir desta classe que se diz no controle, o diretor escolhe ridicularizar suas relações fracas e a instabilidade na qual tamanho poderio se sustenta. 

O tom de deboche funciona. Leandra Leal e Irandhir Santos parecem se deleitar com esses personagens que permitem as falas e as ações mais absurdas, e a contradição entre o luxo ostentado e a sujeira que é escondida é posta de forma inteligente na reforma da casa, que serve como uma metáfora também para as rachaduras que vão se formando na fundação do casal. Induzir o espectador a rir da inabilidade destes bandidos supostamente tão poderosos é uma forma de contravenção que não dá margem para que eles cresçam ou tenham alguma razão. 

No entanto, é arriscada a construção do sarcasmo neste estilo em que tudo é engraçado e nada é realmente perigoso, sobretudo em um contexto em que realidade e ficção se cruzam tanto. O escárnio corre risco de virar apenas reprodução acrítica da realidade atual do Brasil, principalmente porque há uma escolha de deixar momentos importantes do filme apenas no que é dito e nunca no que é mostrado. 

Mesmo momentos de brutalidade crua, que seriam capazes de mostrar a transformação daquele Valério bonachão em alguém capaz de tantas atrocidades, ficam apenas no imaginário -- não porque a câmera fica do lado de fora da porta fechada, como em uma fatídica cena muito bem feita no início do filme, mas porque ficamos sabendo do acontecimento porque alguém disse que aquilo ocorreu. Isso acontece várias vezes durante o longa, o que acaba se tornando um ponto irritante.

Por isso, o resultado é um filme que permanece mais preso ao campo das ideias e que peca na execução. Ao hesitar tantas vezes para representar o pior lado destes personagens, acaba banalizando a violência, e não zombando dela como farsa. A aposta alta no jogo dos absurdos acaba fazendo o filme soar como um "Fargo do Carnaval" um pouco fora do tom, em que tudo é impactante e, por isso, nada é impactante de fato.

Há, sim, uma excelente proposta em "Os Enforcados", mas falta lapidação para atingir o alvo com mais força. 

Fonte: Redação Entre Telas
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