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'Triângulo da Tristeza' discute relações de poder e gênero na base da vergonha alheia

Longa de Ruben Ostlünd, que está indicado ao Oscar 2023 de Melhor Filme, Direção e Roteiro Original, estreia nos cinemas brasileiros.

15 fev 2023 - 07h11
(atualizado às 18h58)
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Foto: Neon

Usar a sátira para fazer uma crítica social é desafiador. Existe sempre o risco de parecer forçado demais ou deslizar em algum ponto e cair no limbo do cancelamento. Conseguir superar esses obstáculos e ainda gerar entretenimento é algo que nem todo filme consegue. 'Triângulo da Tristeza', dirigido pelo sueco Ruben Ostlünd, parece bem-sucedido na empreitada.

O último longa a conseguir tal feito com extrema maestria, e amplo reconhecimento, foi 'Parasita', de Bong Joon-ho, vencedor de seis Oscars em 2020, entre eles Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro original. São justamente essas as três categorias ao qual 'Triângulo da Tristeza' concorre este ano. O filme vem bem credenciado à premiação depois de vencer a Palma de Ouro em Cannes (troféu que Ostlünd já tinha conquistado com The Square, em 2017).

'Triângulo da Tristeza' já está disponível em sessões especiais em alguns cinemas de São Paulo como os Espaços Itaú (Pompeia, Augusta e Frei Caneca), o Petra Belas Artes, o CineSala e o Reserva Cultural. E, a partir de quinta (16), dia do lançamento oficial, em mais salas.

Atenção: a partir de agora o texto contém spoilers.

A cena de introdução já evidencia o tom de ironia sobre as relações de poder e a exposição da superficialidade dos personagens mais ricos do filme.

Durante um teste para modelos, todos homens sem camisa, eles são desafiados a fazer diferentes expressões com o rosto de acordo com a marca para o qual estão posando. O famoso 'carão' para marcas de grife como Balenciaga, alternado com um semblante sorridente e 'popular' para lojas de departamento como a H&M.

É neste momento que conhecemos Carl (Harris Dickinson), um dos personagens centrais do longa. Seu relacionamento com a também modelo e influenciadora digital Yaya (Charlbi Dean) abre as discussões sobre desigualdade de gênero no filme. Ela tem uma conta bancária mais cheia que a dele, como é comum no universo da moda, onde modelos masculinos ganham menos que as mulheres. E isso vira um prato cheio para as nuances de 'vergonha alheia' e sarcasmo que Ostlünd espalha durante as 2 horas e 27 minutos de 'Triângulo da Tristeza'.

Mas o casal não é o único a sofrer com seus 'white people problems'. O filme, dividido em três atos, começa a ganhar mais rostos a partir da segunda parte, intitulada 'O Iate'. Carl e Yaya sobem a bordo de um cruzeiro que junta todo o tipo de excentricidade: de um capitão alcóolatra e marxista a um bilionário russo capitalista. Tudo ali está pronto para dar errado. E realmente dá.

O roteiro descamba para a escatologia na cena que mais arranca gargalhadas (pelo menos na sessão em que este repórter assistiu ao filme), quando um jantar no navio acaba fazendo praticamente todos os passageiros vomitarem por conta de uma turbulência em alto-mar.

Se você gosta de ver gente rica passando aquele perrengue básico, este filme é para você.

A crítica sobre as relações de trabalho vai crescendo com o passar do tempo e chega ao ápice na parte final, quando definitivamente os papéis se invertem. Após um ataque pirata, o navio é explodido e poucos passageiros conseguem chegar a uma ilha deserta, incluindo Carl e Yaya. O grupo se vê obrigado a obedecer à gerente de limpeza do navio, Abigail, já que ela é a única que sabe como pescar e fazer uma fogueira, por exemplo. É uma filipina, bem interpretada pela atriz Dolly de Leon, que rouba a cena e se torna protagonista no último ato da narrativa.

"Se você observar, na parte do iate, ela é praticamente invisível, você quase não a vê nas cenas e ela não fala nada. Abigail só se torna visível na hora final do filme", diz a própria atriz em uma entrevista gravada durante o Festival de Cannes e divulgada com exclusividade agora pelo Estadão (assista ao vídeo completo ao fim do texto).

A última cena de 'Triângulo da Tristeza' apresenta um dilema moral e deixa o final aberto a interpretações. Ninguém finaliza o longa sem uma opinião formada sobre qual deveria ser o destino das personagens. O próprio diretor afirma que não bateu o martelo sobre uma conclusão definitiva. Ame ou odeie, a obra de Ostlünd gera um bom debate depois de sair da sala de cinema.

Estadão
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