'Quem merece é uma mulher chamada Eunice Paiva', diz Fernanda Torres sobre indicações ao Oscar
Atriz interpretou Eunice Paiva no longa de Walter Salles; Filme foi indicado em três categorias da premiação
Fernanda Torres dedicou as três indicações de Ainda Estou Aqui ao Oscar 2025 à Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, torturado e morto pelo regime militar durante a ditadura. A artista concorre ao prêmio como Melhor Atriz interpretando justamente a matriarca da família Paiva no longa, que também é indicado ao Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro.
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“É para ela esse negócio. É uma mulher que ensina a gente hoje a agir em períodos difíceis como agora, em períodos distópicos. Ela teve cabeça, lutou pela civilidade, pela justiça, pela educação, pela demarcação de terra indígenas, e tudo isso na suavidade, com um sorriso, um amor. Criou aqueles filhos. É uma mulher gigante e acima de todos nós, quem merece é uma mulher chamada Eunice Paiva”, afirmou em entrevista a Andréia Sadi, na GloboNews.
Fernanda assumiu, de forma bem humorada, que não assistiu à indicação Academia de Artes e Ciências Cinematográficas na manhã desta quinta-feira, 23, mas que fez uma escova no cabelo, caso precisasse aparecer na TV. “Eu quero só chamar atenção Sadi, que a única atitude que eu tomei hoje, já há dois dias, foi marcar um cabeleireiro e fazer uma escova. Foi a única atitude que eu tomei. Eu achei até bom aquele visual lá”, disse fazendo referência à entrevista dada no dia seguinte à premiação do Globo de Ouro.
A atriz também explica que não ia ficar na frente da TV “nem morta” para ver a indicação, pois havia a possibilidade de não concorrer à premiação. Então, ficou em seu quarto esperando a notícia.
“Eu não estava na frente da televisão, de jeito nenhum, pelo amor de Deus. Cara, eu acordei com aquela angústia, porque eram duas alternativas. Uma era não ser indicada e ficar assim: será que vai ficar aquele sentimento de morreu na praia? porque as pessoas estão tão motivadas no Brasil, queria dar essa alegria, não só pelo filme, pela Eunice Paiva, por mim, por tudo”, afirma.
O outro sentimento era o medo de ser nomeada, pois sabe o trabalho que envolve até de fato ocorrer a cerimônia do Oscar. Quem assistiu a live da Academia foi seu marido, Andrucha Waddington, e o filho, Francisco, que logo correram para contar para ela. “Eles que subiram e falaram: 'Nanda, rolou'", relembra.
Para a atriz, esse é um passo para o “Everest”, e uma grande vitória, já que o filme é em português, e os Estados Unidos, por exemplo, tem uma grande questão com as legendas.
“Vocês não tem ideia, gente. O Walter merece muito isso. A família Paiva merece muito isso, Eunice Paiva, não canso de dizer, ela é quem está movendo este filme. Marcelo escreveu o livro porque descobriu o tamanho da mãe dele na fase adulta da vida dele. O Walter fez um filme guiado por ela, eu e ele fizemos uma Eunice para ser fiel a ela, e a gente realmente tem a sensação de que quem está movendo isso tudo é uma mulher chamada Eunice Paiva.”
Fernanda admitiu estar encantada com as reações que vê pela internet, nos cinemas, e nas premiações. Segundo ela, o longa uniu pessoas de classes sociais, credo, e políticas diferentes.
“As pessoas todas se reuniram em torno desse filme para dizer 'não, um estado violento como esse, que faz isso com uma família como essa, não é um estado aceitável'. E a gente há tanto tempo tão dividido, de repente, vem uma obra cinematográfica que põe todo mundo para concordar no cinema. Isso é demais, gente”, salienta.
Maratona
Perto de completar 60 anos, a atriz se diz feliz com a indicação de Melhor Atriz no Oscar. Ela diz que agora está madura para enfrentar a maratona que vem a seguir, e que percebeu a potência que o filme tinha ganhado --com todo o mérito-- quando foi ovacionado no Festival de Veneza, no final do ano passado.
“Eu entendi que a onda ia ser grande e que eu ia ter que ter cabeça para ter calma e fazer o que fosse necessário, que eu ainda não sabia o que era, sem enlouquecer. Segurando os meus cavalos, e foi isso que a gente fez”, aponta.
Ela conta que teve uma conversa com o diretor da Sony Pictures, Michael Barker, responsável por inscrever Ainda Estou Aqui em oito categorias do Oscar. Ele foi quem cuidou da campanha de Central do Brasil, estrelado pela mãe da atriz, Fernanda Montenegro, e é o 10º filme inscrito por ele que consegue nomeação para a categoria principal.
Segundo o executivo, a principal questão é fazer o filme ser visto --'muito embora ele seja extraordinário'--, pois foi lançado no final do ano, já no fim das campanhas do Oscar e Golden Globes, além de ser falado em português.
“Quando eu recebi o prêmio, aquilo foi uma virada de jogo, porque votantes da Academia estavam sentado naquela sala do Golden Globes, o Michael me falou: eu tenho certeza que no dia seguinte, quem nem sabia que filme era esse, foi lá no aplicativo da academia achar que filme era aquele e quem era a atriz’”, explica Fernanda.
Ela também afirmou que Barker recebeu vários telefones de pessoas que diziam que o filme era incrivel. "A segunda [dificuldade] é: uma vez visto, que ele toque as pessoas. E isso é um longo trabalho, de saber o que dizer, de não falar bobagem. É muito difícil, tem que estar maduro mesmo", disse.
Totalmente equivocada
Internautas resgataram a entrevista que Fernanda deu ao Roda Vida, da TV Cultura, em 1998, quando contou que seu tio esperava vê-la indicada ao Oscar. Na época, ela havia ganhado um prêmio no Festival de Cannes. "Tio Paulo não tem ideia da ralação e da sorte que é chegar até aqui. O Oscar não vai rolar nunca", afirmou ela na ocasião.
Bom, a indicação veio. “O Walter é mais pessimista do que eu. Ele é Botafogo, isso está na lama dele. A gente se entende muito bem nisso, os dois trabalham no não. Trabalhamos sim, sim e sim, certos do não”, brincou.
Cenas mais difíceis
Fernada pontua ainda que a cena de 'virada do filme' é durante o interrogatório de Eunice no DOPS, em que tiram seu capuz e ela pede um advogado. "Ali ela entende que a lei não vale". Segundo a atriz, foi uma das mais difíceis, pois retratou o pânico e o sentimento de confusão da matriarca da família Paiva, pois o guarda diz que Rubens estava envolvido com o luta armada, o que não era verdade. "O policial usa isso para quebrá-la. Ela quer defender o marido. É uma cena complexa, de milhões de sentimentos em um só momento".
A protagonista também destaca quando a esposa de Paiva volta para casa e se olha no espelho, após ser liberta da prisão. "Ela volta outra pessoa para a casa e se olha na frente do espelho do banheiro e entende que a utopia da vida dela anterior tinha acabado", ressalta. Outra cena é a da sorveteria, quando Eunice já sabe que o marido já havia sido morto. "Ela olha para as pessoas e e entende que ela tem que seguir dali para frente com os filhos dela, que acabou".
Sem deixar de lado a importância da temática de Ainda Estou Aqui, Fernanda diz Eunice viveu tempos parecidos com os que vivemos hoje, de ameaças à natureza, intolerância e uma crescente do conservadorismo.
"É assustador o que está acontecendo. Por outro lado, a Eunice, repito, ela é um grande guia, porque às vezes eu acho que não adianta rebater com a mesma estridência do outro lado. A gente tem que ter civilidade. É isso que Eunice nos ensina, a ter calma e civilidade. Ela é um grande modelo para enfrentar o momento de agora, e pensar que é uma luta longa. A história anda para trás e para frente muitas vezes no mundo. E talvez agora seja um período de retorno a esse momento apavorante da Guerra Fria, de outra maneira , talvez pior, mas nós temos que prezar pela civilidade", finaliza.