‘Quem imaginaria, um preto e favelado ator?’, diz Pedro Ottoni, de 'Toda Família Tem'
Série do Prime Vídeo é sátira humorada a histórias de família, e personagens foram criados por Pedro
Protagonista da série de humor “Toda Família Tem”, do Prime Vídeo, Pedro Ottoni começou a atuar ainda criança. Em casa, enquanto a avó assistia ao “Show do Tom”, de Tom Cavalcante, ele se emperiquitava com os acessórios dela.
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Ele ainda usava fraldas, mas vestia os óculos escuros que encontrava pelo caminho e gritava “cuecão de couro, mano”, em alusão ao personagem “PitBicha”, de Tom.
Atuar, para Pedro, veio muito antes do teatro. Nascido e criado na Favela do Mandela 1, no Rio de Janeiro, era o único homem em uma casa dominada por mulheres. Primeiro neto, recebia atenção dobrada da avó, mas também o afago da mãe e das duas tias; futuramente, vieram as primas, e ele seguiu sendo o único menino da casa.
“A gente não tinha muito, mas tinha o suficiente para não faltar o básico. Digo em todos os sentidos: comida, educação e amor”, afirma Pedro em entrevista exclusiva ao Terra. Quando chegava da escola, ele corria para a rua e brincava com as outras crianças – que, em sua maioria, também eram meninas. Os meninos da rua eram mais velhos, ele conta, e não tinham paciência para novatos.
“Acabei sendo o menino que gostava de brincar com ‘coisas de menina’ e, desde pequeno, entendi rápido que essa divisão binária das coisas era uma bobagem”, ele afirma.
"Enquanto os meninos queriam jogar futebol, eu queria jogar queimada. Enquanto eles queriam carros e bonecos, eu queria também bonecas, até porque não se constrói uma história apenas com personagens homens. Eu pensava isso na infância."
Suas escolhas durante a infância fizeram com que Pedro desenvolvesse muito cedo a habilidade de criar histórias e personagens, algo que hoje é seu grande talento. É ele a cabeça por trás dos personagens de “Toda a Família Tem”, série desenvolvida por Jonathan Haagensen e da Mariana Veil, da Black Pen, para o Prime Vídeo.
O estilo ‘aparecido’ fazia Pedro dar indícios da profissão que seguiria. Enquanto criança, ele ouvia com frequência de adultos ao redor que deveria fazer teatro, mas “eu nem sabia direito o que era teatro”, conta. E ele deve essa falta de conhecimento à falta de representatividade nas telas. “Era um lugar ao qual pessoas como eu não tinham acesso, e isso me fez acreditar que eu não poderia ser ator. Mas minha família mudou tudo”.
A família de Pedro o incentivou desde o início a correr atrás da carreira de ator, já que era esse o sonho dele. Da família, ele cresceu ouvindo que tinha que estudar e que, se acreditasse que essa profissão o faria feliz, deveria investir seus esforços nela. “Quando eu disse que seria ator, todos me apoiaram. Quem imaginaria, um menino preto, favelado, ator? Isso era loucura para a minha família, mas ainda assim eles apoiaram essa loucura”, relembra.
Então, aos 16 anos, Pedro e o teatro finalmente se encontraram. Ele entrou na turma de TV e Cinema do ator Ricardo Conti, no teatro Miguel Falabella. Aos 18, veio sua primeira peça profissional, “O Mágico de Oz”, e foi quando ele percebeu que talento não era suficiente para encher um teatro em todas as sessões. “Aquilo me desesperou, foi um choque de realidade. Eu precisava fazer algo para ser visto, queria ser descoberto. Foi quando criei o canal ‘Atormentado’ e comecei a divulgar meus vídeos”.
O canal de Pedro hoje tem 576 mil inscritos, e abriga as esquetes que o fizeram despontar. “Por causa desses vídeos eu pude estar na primeira temporada de ‘Matches’, da Warner, e logo em seguida protagonizar o filme ‘Vale Night’”, diz.
“Durante a pandemia, comecei a escrever esquetes também para o meu Instagram, só por achar que não cabiam naquele formato no canal. Não esperava que fosse dar tão certo. Na minha cabeça, eram apenas ideias que eu queria compartilhar, jamais imaginaria que fossem atrair publicidade ou algo do tipo. No final, tudo serviu pra que eu chegasse ao meu objetivo principal: trabalhar com audiovisual.”
Na hora de pensar um personagem, ele tenta não se preocupar em prender ou não o público, mas na qualidade do conteúdo. “Querer viralizar não pode ser maior que a ideia”, explica. E quando vai escolher aceitar ou recusar um papel, há diversas análises que costuma fazer. Mas, a primeira delas é o dinheiro.
“Sei que não é motivador, mas precisamos desmistificar a ideia de que o artista não precisa comer nem pagar conta ou ter lazer. A gente faz por amor, 95% desse trabalho é amor. Mas é um trabalho. Quando estou confortável financeiramente, me permito recusar um papel ou outro, mas não acontece com muita frequência. Gosto de estar no set de gravação. É que às vezes corpo e mente precisam de uma pausa, e eu levo isso em consideração”, diz.
“Mas se eu me apaixonar pelo personagem, não há o que me faça recusar o trabalho, nem mesmo a grana ou minha exaustão. Se eu me apaixonar, ignoro tudo isso e faço.”
Para o segundo semestre, os planos de Pedro são muitos. Além das séries, tem produzido novas esquetes, escrevendo seu solo de stand up e uma peça. Ele também atua na série “Cosme e Damião”, com Rafael Portugal e Cézar Maracujá, nova série do Globoplay prevista para estrear ainda este ano.