Ron Howard reflete sobre crise criativa em filme sobre criador dos Muppets: 'Nem tudo é comercial'
Em 'Jim Henson, o Homem-Ideia', Ron Howard conta quem foi o criador dos Muppets e reflete sobre crise criativa e o poder da arte.
O que o criador dos Muppets tem a ensinar ao mundo sobre crise criativa? A pergunta pode soar estranha, mas a resposta é ampla. Morto aos 53 anos em 1990, Jim Henson deixou um legado dos mais versáteis do mundo do cinema e da TV, e o segredo do sucesso de Caco, Miss Piggy e companhia até soa clichê, mas é o amor de seu criador pela arte.
Ao menos é o que conta "Jim Henson, o Homem-Ideia", novo documentário dirigido por Ron Howard ("Uma Mente Brilhante", "Han Solo") já disponível no Disney+. A obra, que conta com entrevistas de colegas de trabalho e familiares de Henson, narra sua trajetória da criação dos primeiros fantoches ao fenômeno absoluto em que se transformaram.
Engana-se quem pensa que estamos falando de um documentário tradicional sobre vida e obra de algum criador famoso. O material reunido por Howard é um retrato do poder da ideia e da criatividade, com uma atenção especial ao fato de Henson testar toda e qualquer possibilidade com suas criações. Foi diante de seus muitos fracassos, inclusive, que ele foi capaz de aprimorar o discurso e transformar seus bonecos em figuras incomparáveis da cultura pop.
"Eu achava que sabia quem era Jim Henson. Eu certamente conhecia os personagens, mas não sabia o quanto ele era engraçado", conta Ron Howard, em entrevista ao Terra. "Não fazia ideia do quanto ele era criativamente inquieto. Ele estava em uma busca constante por novas formas de experimentar, de se expressar e de entreter as pessoas. De fazê-las rir, mas também pensar e sentir. Achei isso inspirador."
Embora não tenha sido amigo Jim Henson, Howard o conheceu brevemente, e sabia que o homem havia sido um grande amigo de George Lucas. O criador de Star Wars, inclusive, chegou a convidar Jim para ser o manipulador do Mestre Yoda, que recusou o convite e sugeriu para o papel seu grande amigo e braço-direito Frank Oz. Embora Lucas não esteja no documentário, ele aprovou o material.
"Ele ainda não assistiu, mas eu conversei com George", confessa Howard, na ocasião da entrevista, antes de o documentário ser exibido no Festival de Cannes.
"George não faz elogios facilmente, mas quando eu perguntei a ele sobre Jim, ele apenas acenou e disse: 'Jim Henson. Sim, ele era um gênio'. E isso foi tudo o que ele falou. Eu obviamente apoio a ideia, principalmente depois de ter passado pelo projeto e visto toda a experimentação, inovação e risco criativo que ele assumia. Jim definitivamente merece este título."
Ron Howard, sobre o que George Lucas teve a dizer sobre Jim Henson.
Durante sua vida, Henson não criou apenas os Muppets. Também é ele a mente por trás dos personagens da Vila Sésamo e de obras hoje consideradas clássicos cult, como "Labirinto - A Magia do Tempo", com David Bowie, e "O Cristal Encantado". O filme trata de criar uma linha narrativa que conecta todas as suas grandes criações às obras mais experimentalistas, sempre colocando na balança o que ele ganhava profissionalmente e o que chegou a sacrificar de sua vida pessoal e da relação familiar.
"Ele era movido por algumas coisas", sugere Howard.
"As pessoas ao redor o reconheciam como um cara talentoso. Ele queria fazer jus a isso e, para ele, o tempo era precioso. Acho que, por ele ter perdido um irmão tão novo, ele reconhecia que a vida era frágil e nunca desperdiçou um minuto. Ele queria preencher a vida com alguma coisa, fosse criatividade, conexão com a família e com os amigos, ele só não queria desperdiçar. Espero que esse filme inspire pessoas a ir além dos seus personagens conhecidos."
Criatividade no topo (e em crise)
Parece pertinente que um documentário tão centrado no poder da arte e das novas ideias assuma um caráter tão relevante diante do cenário atual de Hollywood. Nesta semana, as bilheterias norte-americanas atingiram um recorde negativo histórico, e é cada vez mais difícil levar o público ao cinema. Com isso, tornou-se comum que os estúdios utilizem o mesmo recurso para atrair a atenção de sua audiência: priorizar títulos já conhecidos e lotar o cinema e o streaming de refilmagens e continuações.
Somente em 2024, ainda veremos títulos como "Divertida Mente 2", "Bad Boys 4", "Um Lugar Silencioso: Dia Um", "Beetlejuice 2", "O Corvo", entre outros que caem justamente neste nicho. Isso sem falar em adaptações literárias, biografias cada vez mais questionáveis e filmes baseados em brinquedos. Há anos, a indústria criativa norte-americana vive a chamada Era do IP, pois se tornou dependente de propriedades intelectuais previamente existentes para seguir em funcionamento.
Em contrapartida, o documentário mostra como Jim Henson fez o exato oposto.
"O documentário é uma celebração desse tipo de criatividade e de assumir esses riscos", reflete Howard. "Porque ele também sofreu algumas decepções. Há projetos como Labirinto, que pensamos como clássicos, que para ele foram de partir o coração naquele momento. Mas nada o parava."
"Ele continuava insistindo. E eu diria que isso é inspirador, no que diz respeito a grandes estúdios, emissoras, e por aí vai. Eles tinham seus próprios desafios para apoiar esse tipo de criatividade a nível industrial, mas há muitas alternativas para pessoas como Jim Henson, que fez seus próprios filmes experimentais que nós simplesmente não conhecíamos."
"Eu quis incluí-los no documentário para que as pessoas saibam que nem tudo o que ele fez era tão conhecido e comercial. Eu acredito de verdade que qualquer um com esse tipo de comprometimento com a energia criativa que Jim tinha pode encontrar formas de se expressar, e pode ser encontrado hoje muito mais facilmente do que antes", prossegue o cineasta. "Isso pode não ter relação com grandes estúdios, mas eventualmente eles vão querer essa criatividade individual e ser parte dessa agenda. É assim que as coisas funcionam hoje."