Rosie O'Donnell e os bastidores de I Know This Much is True
Atriz é a assistente social Lisa Sheffer em série da HBO com Mark Ruffalo que debate os estigmas de doenças mentais
Você pode conhecê-la como comediante, mas em I Know This Much is True, Rosie O'Donnel dá vida à assistente social Lisa Sheffer do Instituto Forense Hatch, personagem essencial para o arco da história de Thomas Birdsey (Mark Ruffalo), um dos principais da série HBO, que aborda temas familiares, traição, sacrifício, perdão e debate os estigmas de doenças mentais.
"Estava contente porque o personagem com esquizofrenia paranoide não estava sendo retratado com um assassino, como costuma acontecer nas séries policiais", conta Rosie. "O risco de essas pessoas machucarem os outros é mínimo em comparação com machucarem a si mesmos", diz. Para a atriz, interpretar uma assistente social teve também um significado especial. "Sentia a responsabilidade de servir tanto a esses profissionais como à narrativa porque eles frequentemente são desvalorizados, são mal pagos e as pessoas não entendem direito como eles continuam fazendo aquele trabalho apesar de tudo", revela.
Na entrevista a seguir, confira mais detalhes sobre os bastidores da série, as percepções da atriz sobre sua personagens e principais temáticas, além da sua opinião sobre como a pandemia vai afetar o futuro.
Quando você viu I Know This Much Is True, correspondeu às suas expectativas?
Completamente. Há 20 anos, quando eu li o livro pela primeira vez, não conseguia imaginar como seria se fosse filmado. Eu me lembro de uma conversa com o Wally Lamb sobre o primeiro livro dele, She’s Come Undone, em que a protagonista era uma mulher de 270 quilos e ninguém sabia como fazer aquilo. Quando eu li o segundo livro do Wally, I Know This Much Is True, pensei que ninguém seria capaz de filmar. Então a série superou realmente as minhas expectativas quando eu a vi pela primeira vez, depois eu vi de novo e amei de novo. Foi a melhor experiência da minha carreira.
O que tornou esta experiência a melhor?
Eu me senti totalmente livre como artista. O Derek é um diretor incrível e diz coisas como “Eu não posso dizer a você como atuar, mas eu posso dizer que ele não deveria ser tão autoritário com você; a decisão é sua”. (risos) Ele dá esse tipo de dica. No primeiro dia eu estava muito ansiosa. Era a minha primeira cena, uma cena longa, e filmamos no primeiro dia. Eu estava assustada porque nunca tinha feito uma cena tão longa. Quando eu pedi ajuda, ele me disse para eu mesma inventar alguma coisa porque ele queria que o momento fosse autêntico. Essa liberdade que ele dá é incrível. Todo mundo no set já tinha trabalhado com o Derek – até o dublê da cena da prisão em “O Lugar onde Tudo Termina” estava lá –, então era uma experiência de família e muito confortável, descontraída. Todo mundo era igual no set. A voz de todo mundo tinha o mesmo peso. Foi mágico ver isso. Ele é um cara zen.
Às vezes havia uma espécie de improviso?
Sem dúvida. Quando vi o resultado, eu me surpreendi com o que foi escolhido, porque havia muita coisa, às vezes fazíamos uma tomada 40, 50 vezes. Ele vai dizendo para você fazer de novo, de novo, de novo. Ele fica procurando os momentos de autenticidade. Quando consegue, passa para a cena seguinte.
Como você estava no fim do dia depois de trabalhar assim?
Era muito exaustivo. É horrível dizer isso no meio de uma pandemia, com pessoas trabalhando nas fábricas e pessoas morrendo. É uma série ótima e uma bênção que esteja dando certo. Mas era exaustivo, emocional e fisicamente. Trabalhávamos 12, 15 e até 18 horas por dia. Eu sei que muita gente tem trabalhos muito mais pesados, mas só estou dizendo que no mundo do show business é assim.
Você reconhece esse mundo da classe operária sobre o qual o Wally Lamb escreveu e que o Derek levou para a tela?
Totalmente. Eu cresci nesse mundo. É completamente verdadeiro – era como se estivéssemos lá, eu sentia tudo aquilo.
Tendo lido o livro na época em que foi lançado, você acompanhou as tentativas de pessoas diferentes de levá-lo à tela?
Eu sempre achei que seria um empreendimento incrível. Quando eu soube que o Mark ia fazer os dois gêmeos, sem usar o chroma key, vi que era uma maneira realmente nova de filmar. O Mark interpreta diante de outro ator (Gabe Fazio), que faz o papel do outro gêmeo para ajudá-lo nas reações, e depois o Mark volta e interpreta o outro gêmeo. É mágico ver tudo isso junto. Há cenas que eu não sabia como eles tinham feito.
Como o Mark interpretou tanto o Dominick como o Thomas?
Primeiro o Mark interpretou o Dominick. Quando terminamos as cenas e todo mundo aplaudiu, dissemos “nos vemos daqui a seis semanas”. Na verdade, acho que acabou sendo um pouco mais. Quando eu voltei para o set, cheguei antes para adiantar algumas coisas e vi um cara que não era de lá. Avisei ao segurança, ao Mike, e ele me disse para olhar de novo. Era o Mark. Ele tinha filmado a manhã inteira. Eu não o tinha reconhecido porque ele estava muito diferente – o jeito, o andar, o olhar, o aspecto pra baixo, o trabalho que ele tinha feito com o peso do Thomas. Foi de tirar o fôlego.
Qual foi a sua primeira reação ao receber o convite para fazer a série?
Eles ligaram para o meu empresário e disseram que o Derek queria me encontrar. Eu fui. Foi uma conversa de duas horas e meia, e era para fazer a Lisa. Era o papel com o qual eu sonhava fazia 20 anos, então me era familiar. Eu estava com o cabelo na altura dos ombros nessa época e eles me perguntaram se eu cortaria, porque a Lisa usa um cabelo punk. Eu respondi que sim, claro. Cortei o cabelo e me tornei o personagem.
Em grandes papéis, como o da Lisa, há um misto de nervosismo e emoção?
Claro. Ser convidada para interpretar uma mulher maravilhosa como essa é incrível. A Frances McDormand poderia ter feito e, com certeza, teria sido excelente. Eu fico pensando em outras pessoas que poderiam ter feito o papel. Se eles tivessem escolhido a Edie Falco, eu não teria reclamado. Então eu estava emocionada de trazer o que eu tinha, a minha experiência de vida, para o papel, como o Derek e eu conversamos na primeira reunião. Tínhamos tido uma conversa sincera sobre até onde eu poderia chegar como artista, os lugares obscuros, e acabou sendo uma experiência criativa plenamente gratificante.
Você se sentiu com a responsabilidade de retratar uma assistente social com precisão?
Sim. E eu tinha muita vontade de interpretar uma assistente social. Eu me lembro da mulher que se tornou minha mãe depois que a minha mãe morreu. Ela primeiro tinha sido professora do ensino fundamental e parou de dar aula para ser assistente social em Long Island. Eu tinha morado com uma assistente social e a conhecia de perto. Eu podia trazer isso para a personagem e sentia a responsabilidade de servir tanto a esses profissionais como à narrativa porque eles frequentemente são desvalorizados, são mal pagos e as pessoas não entendem direito como eles continuam fazendo aquele trabalho apesar de tudo.
Eu também estava contente porque o personagem com esquizofrenia paranoide não estava sendo retratado com um assassino, como costuma acontecer nas séries policiais. O risco de essas pessoas machucarem os outros é mínimo em comparação com machucarem a si mesmos. Precisamos de compaixão e compreensão com esses integrantes da sociedade. Aqui você realmente conhece o Thomas, é testemunha da luta dele e vê como é difícil para o cuidador também. São tantas questões que realmente dão um aperto no coração.
I Know This Much Is True é uma história sobre família, sobre conflitos e segredos, e sobre doença mental, claro. Esses temas te dizem algo?
Muito. Quando eu me reuni com o Derek queria ver se eu era adequada para fazer a Lisa. Conversamos sobre todos esses assuntos e sobre a minha luta com a minha filha, que agora tem 22 anos. Depois que ela fez 11 anos e entrou na puberdade, entramos e saímos de instituições de tratamento mental durante muitos anos. Eu estava familiarizada com a situação dos pais do outro lado, ouvindo a assistente social. Eu tinha passado por isso, então conhecia esse mundo.
Você encontrou o Wally Lamb quando ele visitou o set?
Encontrei, sim, e foi maravilhoso. Tínhamos amigos em comum, mas nossos caminhos nunca tinham se cruzado. Minha amiga Karen era a melhor amiga da irmã dele, então é como se eu o conhecesse por associação. Ele esteve no set e era igualzinho como aparece nos livros (risos), então não foi uma surpresa. Eu o vi sentado lá. Ele tem um espírito tão gentil, parece um anjo. Ele ficou muito comovido com as interpretações. Era uma cena em que os gêmeos se veem pela primeira vez depois que o Thomas foi internado, então havia muita emoção e choro, era pesado. Quando saímos da gravação e o encontramos, os olhos dele estavam lacrimejando. Ele disse: “É exatamente isso que eu teria imaginado para as minhas palavras”.
O trabalho em I Know This Much Is True provocou mudanças para você? Você vai buscar mais papéis dramáticos como este no futuro?
Este é o papel dos sonhos de qualquer atriz, não aparecem muitos papéis assim. E não faltam mulheres que poderiam ter feito este papel muito bem. Eu tive a sorte de fazer o papel e me sinto muito agradecida. Quanto à minha carreira, eu não me arrependo de nada, não lamento nada, mas eu fazia papéis engraçados, eu sou uma atriz de comédia stand-up. Eu interpretei a melhor amiga, e isso é genial. Muitas mulheres adoráveis fizeram esse papel tradicional e eu me sinto muito honrada de estar entre elas. Mas interpretar como uma espécie de Geraldine Page é outra coisa. Eu achava que demoraria até os 60 anos para ter essa oportunidade e estou com 58, então aconteceu dois anos antes. Este é o tipo de papel que eu espero fazer no futuro, que eu espero ser convidada para fazer. Espero trabalhar novamente com pessoas assim. Eu disse para o Derek que faço qualquer filme que ele quiser. Temos um trato. (risos).
O Derek e o Mark contaram em que papel eles tinham te visto antes de pensar no seu nome para I Know This Much Is True?
Contaram. A mulher do Mark, a Sunny, me viu na série SMILF, do Showtime, em que eu interpretava uma mulher com problemas mentais que era mãe de uma garota que tinha um bebê. Foram só duas temporadas e a série foi cancelada. A Sunny disse ao Mark que eu deveria fazer a Lisa Sheffer. E continuou repetindo isso para o diretor.
Como a pandemia vai afetar a maneira como você e os seus colegas vão trabalhar no futuro?
Quando eu fiz o programa beneficente para o The Actors Fund (um especial do Rosie O’Donnell Show) eu estava sentada aqui, as pessoas nas suas banheiras, talentos da Broadway cantando e foi maravilhoso. As pessoas me perguntaram se eu vou fazer o programa de novo. Eu acho que se pudesse fazer assim, ok. Poderia ter, por exemplo, a Gloria Estefan na cozinha dela, depois outro convidado, depois outro, e no final nós quatro fazendo uma espécie de Brady Bunch (uma sitcom americana que apresenta o elenco em quadradinhos na abertura). Além de ter gostado de fazer o programa daquele jeito, eu senti que era arte despretensiosa – ninguém estava maquiado, ninguém estava produzido. Todo mundo estava lá ao natural, de modo vulnerável, real e autêntico. E é isso que as pessoas vão querer depois que tudo isso passar e que o Trump estiver fora do governo. O que as pessoas vão buscar é uma consciência verdadeiramente unificadora.
Sobre I Know This Much Is True
Baseado no romance da escritora americana Wally Lamb, a série I Know This Much is True traz Mark Ruffalo como os irmãos gêmeos Dominick e Thomas Birdsey. Sofrendo de esquizofrenia, Thomas passa por um episódio e acaba sendo internado em um asilo, de onde deseja muito sair. Para isso, ele conta com a ajuda do irmão Dominick.
I Know This Much is True está disponível na HBO e HBO GO.