'Três Verões' escancara escravidão servil na era Lava Jato
Filme de Sandra Kogut usa operação anticorrupção como pano de fundo para crítica social
O filme Três Verões usa o melhor da comédia, a crítica, para falar da escravidão servil do século XXI durante os desdobramentos da Operação Lava Jato, iniciativa de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Enquanto quem sempre se dava bem vai pelo ralo, quem convivia com os jeitinhos de enriquecimento ilícito sofre na pele com a traição imediata, o descaso e a falta de perspectiva. A estreia, inicialmente prevista para os cinemas, está marcada para 16 de setembro no Telecine.
No longa de Sandra Kogut, quem brilha é Regina Casé, a governanta Madalena – terceira empregada doméstica da atriz, que já foi a Val em Que Horas Ela Volta (2015) e é a Lourdes na novela Amor de Mãe (2019). Ela é a caseira da mansão de praia de uma família high society e a grande protagonista – e vítima – da história. Madalena tem todo o carisma do extinto programa Esquenta! e rende ao público boas risadas, mas também lágrimas sofridas.
Ao pedir uma ajuda aos patrões (Otávio Müller e Gisele Fróes) para realizar o sonho de abrir um pequeno negócio, ela acaba envolvida no esquema de corrupção como laranja da família tradicional. A caseira sequer percebe que pode se dar mal com o tal auxílio financeiro, já que se vê na posição de serviçal fiel, faça chuva ou faça sol.
Com a prisão do patrão, Madalena toma frente do caos e vira "advogada" dos outros quatro empregados da residência litorânea (Jéssica Ellen, Wilma Melo, Saulo Arcoverde e Edmílson Barros). Tudo o que ela não quer é deixar o barco afundar, e faz o que pode para que seus amigos não passem necessidade com os pagamentos atrasados. Cabem a ela também os cuidados com Seu Lira (Rogério Fróes), pai do corrupto preso, que é esquecido na mansão enquanto seu apartamento está em obras fantasmas. Da relação, nasce uma grande amizade.
O longa em 1h35 consegue discutir temas relevantes com leveza, foca na complexidade da relação empregado-patrão e constrange com práticas racistas e classistas que perduram nas tradições de quem tem grana. O capitão do mato, neste caso, é tecnológico. Cabe às câmeras a fiscalização dos bons hábitos e da perfeita dedicação dos empregados, como uma espécie de Big Brother em que o telespectador é quem paga.
Por que assistir Três Verões?
O filme, ainda que seja classificado como um drama, é uma boa indicação para quem gosta do humor crítico. É de fácil identificação com a realidade brasileira, ainda que o cenário da Lava Jato seja um pano de fundo e não necessariamente o foco da trama de Kogut. O trabalho impecável de Regina Casé é um convite a mais para assistir ao longa. Os três verões vão do apogeu ao declínio de uma família milionária e fazem o sentido inverso para quem só tinha migalhas.