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Escritor de 'Laranja Mecânica', livro censurado em SC, também tem obra musical genial; conheça

Autor inglês Anthony Burgess escreveu livro adaptado ao cinema por Stanley Kubrick. No dia 22 de novembro completam-se 30 anos de sua morte, em meio a um resgate do interesse por seu trabalho musical, além do literário

12 nov 2023 - 09h10
(atualizado às 13h06)
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No último dia 7, a Secretaria de Educação de Santa Catarina determinou a retirada de circulação de nove livros de ficção da rede pública de ensino. Entre eles, Laranja Mecânica, do escritor inglês Anthony Burgess (1917-1993). Seu livro, adaptado para o cinema por Stanley Kubrick em 1971, transformou-se na obra-símbolo de seu autor, então já consolidado como um dos mais importantes escritores britânicos contemporâneos, e imediatamente alçou-o à condição de figura conhecida do grande público.

Anthony Burgess - Divulgação / anthonyburgess.org
Anthony Burgess - Divulgação / anthonyburgess.org
Foto: Divulgação / anthonyburgess.org / Estadão

A medida, aloprada e incompreensível em regimes democráticos, teve ao menos um efeito colateral positivo: chamou a atenção para o livro e o filme, que voltaram a circular com força nas redes sociais. Quem não os conhecia deve ter bisbilhotado para saber por que o livro foi proibido. E quem já havia assistido ao filme deve ter ficado curioso para ver o que há de tão escabroso no livro.

Mas há uma terceira razão que pode ampliar ainda mais o número de interessados em conhecer melhor Burgess e sua controvertida laranja: no próximo dia 22, completam-se trinta anos de sua morte. Ele não precisa de efemérides para ser lido... e também ouvido. Sim, ouvido. Porque, como repetiu muitas vezes em entrevistas, "desejo que as pessoas pensem em mim como um músico que escreve romances, em vez de um escritor que eventualmente compõe música".

Não era "boutade" ou "fake news". Ele compôs 250 obras ao longo de sua vida. Pouca coisa foi gravada, menos ainda tocada. Na última década, músicos e pesquisadores adentraram pelo seu veio musical, construindo um retrato mais fiel. Dois projetos iluminam melhor sua porção-compositor. Em 2016 o maestro e musicólogo Paul Phillips lançou o primeiro álbum com obras orquestrais de Burgess. "Inicialmente frustrado em seu desejo de desenvolver uma carreira como músico", escreve Philips no encarte, "Burgess retornou à composição em meados dos anos 1970, compondo febrilmente em muitos gêneros. Sua música é basicamente tonal, mas às vezes dissonante, um híbrido de Holst e Hindemith".

Lá estão uma suculenta suíte de balé Mr W.S., evocação da era elisabetana, com mais de 35 minutos de música. E Mr Burgess"s Almanack, que mistura ingenuidade proposital e charme inato com pitadas modernistas, porém suaves. E tem também uma Marcha para a Revolução, que ele compôs em 1989, a propósito dos 200 anos da Revolução Francesa - tema que explorou magistralmente pelas lentes do então revolucionário Ludwig van Beethoven e sua Sinfonia Eroica no romance curto Sinfonia Napoleão.

Nos últimos sete anos também foi gravada pela primeira vez uma obra imponente para piano, The Bad-Tempered Electronic Keyboard. É uma série de 24 prelúdios e fugas compostas em 1985, no ano comemorativo do tricentenário de nascimento de Johann Sebastian Bach. Esqueça as palavras "bad" (ruim), e "electronic" (eletrônico). Os 24 prelúdios e fugas em todas as tonalidades maiores e menores, como os de Bach no formato, compõem um monumento de 1h20 de música de qualidade, que só foi gravada pela primeira vez cinco anos atrás, em 2018, pelo pianista austríaco Stéphane Ginsburgh. Não pensem que é mero pastiche de Bach.

Outro álbum, este recém-lançado (Naxos, setembro2023) com a integral de sua obra para quarteto de violões incluindo arranjos de obras de terceiros vem se juntar a este movimento de resgate e primeiras gravações mundiais de sua música. O violão foi paixão tardia em sua vida. Burgess nasceu em 1917 em Manchester. Seu pai era pianista e tentou fazê-lo estudar violino, o que não deu muito certo. Ele só se apaixonou pela música quando ouviu no rádio o Prelúdio à sesta de um fauno, de Debussy.

"Este momento psicodélico", expressão que usou para qualificar o impacto que esta obra lhe causou, mudou sua vida. A família já não queria financiar seus estudos musicais. Ele insistiu praticamente escondido da família. Um prêmio literário por seu primeiro livro não o desviou do objetivo de ser músico. Mas um médico diagnosticou-o com um tumor no cérebro e lhe deu um ano de vida no máximo. Passou a escrever freneticamente, para deixar um pecúlio à mulher. Àquela altura, dizia: "O que faz um compositor hoje para sobreviver? Só se for Benjamin Britten".

O diagnóstico revelou-se falso. No entanto, jamais abandonou a prática musical. Sobretudo dedicou-lhe com afinco suas últimas décadas de vida. O humor, tão presente em seus livros, levou-o a escrever um verbete imaginário sobre ele mesmo como compositor para o mais ilustre dos dicionários de música do mundo, o Grove's, cuja última edição alcançou os 30 volumes, com quase 50.000 páginas. Lá listou mais de uma centena de composições reais, entre sinfonias, música de câmara, música orquestral e para piano. Errou: a mais recente contagem lista 250.

Bem, em 1986, sete anos antes de sua morte, Burgess saiu à procura de um professor de violão para sua mulher. Encontrou o Aighetta Quartet. Seduzido pela arte dos jovens violonistas de Monte Carlo, escreveu em alguns dias seu primeiro quarteto para violões, "em homenagem a Maurice Ravel", seu segundo ídolo musical depois de Debussy. Tudo, aliás, que escreveu para esta formação tinha endereço certo: o quarteto Aighetta.

Acredito que Burgess também se apaixonaria por outros jovens músicos integrantes do Mela Guitar Quartet (a palavra, em sânscrito, quer dizer festival). Além dos três quartetos, também interpretam dois deliciosos arranjos de Burgess sobre obras sinfônicas: Mercúrio, dos Planetas de Holst; a abertura da ópera Oberon, de Weber; e três morceaux irlandais, assim mesmo, em francês.

Daqui a dois meses, em janeiro de 2024, o maestro Paul Phillips publicará os ensaios musicais de Burgess em edição inglesa. O título não poderia ser mais provocativo: O diabo prefere Mozart: sobre música e músicos, 1962-1993. Por falar no autor da Flauta Mágica, Burgess escreveu um livro hilário de fino humor sobre ele. Título: Mozart and the Wolf Gang. Em bom português: Mozart e a gangue dos lobos.

PARA OUVIR: playlist Burgess:

1. Mela Guitar Quartet: "Quarteto no. 1 -homenagem a Ravel: mov. 1: Trés vif [4'20]

2. Mercúrio, o mensageiro alado, de "Os Planetas", de Gustav Holst; arranjo de Burgess: [4'10]:

3. "The Bad-Tempered Electronic Keyboard", 24 prelúdios e fugas de Anthony Burgess, com Stéphane Ginsburgh (piano) . Tempo total: 81':

4. "Marche pour une Revolution", de Burgess, com Brown University Orchestra, regência de Paul Phillips: [6'17]:

5. Burgess compra seu Bösendorfer: 1': numa loja de pianos, experimentando o instrumento:

6. Burgess e Beethoven, "o grande deus da música": 1'47 vídeo:

Anthony Burgess
Anthony Burgess
Foto: Divulgação / anthonyburgess.org / Estadão
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