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'Nubank dos games', startup Nuuvem mira público brasileiro

Empresário e cofundador Thiago Diniz diz que as “lojas gringas não entendem o consumidor daqui”; empresa vende para 117 países

15 jun 2020 - 10h48
(atualizado às 15h37)
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Jogar videogame é um hábito caro no Brasil. É comum títulos aguardados pelo público, como as pré-vendas de The Last of Us Parte 2 ou Cyberpunk 2077, serem encontrados por pelo menos R$ 250; quase um quarto de um salário mínimo. Esse quadro fica mais acentuado quando consideramos que a classe social da maioria dos gamers varia entre a B e a C, conforme a Pesquisa Game Brasil 2020.

A título de comparação, esses mesmos jogos geralmente custam U$ 60 nos Estados Unidos, onde o salário mínimo por hora é de R$ 7,25. Um americano cuja escala de trabalho seja de 40 horas por semana terá U$ 1.160; ou seja, um jogo no lançamento não custa nem um décimo de um salário mensal.

Esse hábito pode ficar ainda mais caro se você comprar nas lojas online dos próprios consoles. A PlayStation Store e a Microsoft Store, por exemplo, permitem apenas o pagamento do valor cheio em cartão de crédito, o que vai na contramão de duas formas muito populares no Brasil: o boleto bancário e o parcelamento. Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), mais da metade da população possuía alguma compra parcelada em 2019.

Aproveitando-se da brecha, a loja digital brasileira Nuuvem passou a oferecer cartões virtuais para PlayStation e Xbox. A startup já oferece jogos para computador com descontos generosos, competindo em um mercado repleto de nomes internacionais, como Steam e Epic Games Store. 

A novidade, de acordo com o cofundador Thiago Diniz, 35 anos, faz parte do projeto de expansão da Nuuvem. Considerada a maior do ramo na América Latina, a empresa vende para 117 países e tem escritórios físicos no Rio de Janeiro e em Miami.

A Nuuvem se divide em dois escritórios: um no Rio de Janeiro (foto) e outro em Miami, nos Estados Unidos
A Nuuvem se divide em dois escritórios: um no Rio de Janeiro (foto) e outro em Miami, nos Estados Unidos
Foto: Divulgação / Nuuvem

A carta na manga? Entender o que o público brasileiro quer e precisa. “As lojas de fora ainda não entendem o consumidor brasileiro. Elas têm uma visão americanizada do mercado”, diz. 

Criada em 2012 por acaso — após Diniz se tornar campeão mundial do jogo The Lord of the Rings: Battle for Middle Earth (2004) —, a Nuuvem pretendia ser uma plataforma de streaming inicialmente à la Google Stadia. “Acabei dando um passo longo demais”, admite. O time chegou à conclusão de que havia problemas mais urgentes e, de forma pioneira, passaram a vender games de PC em reais — algo essencial para enfrentar a pirataria e os bloqueios internacionais.

Em entrevista exclusiva ao Terra, Diniz falou sobre o passado e o futuro da Nuuvem. Também contou suas estratégias para se diferenciar no mercado, deu pitacos sobre alguns modelos em ascensão e explicou por que considera sua loja uma espécie de “Nubank dos games”. Leia os melhores trechos abaixo.

Soube que Senhor dos Anéis tem muito a ver com a história da Nuuvem. Queria que você me contasse como tudo começou.

Em 2008, eu fui campeão mundial do FPS The Lord of the Rings: Battle for Middle Earth (2004) — na época, nem se chamava esport, mas sim cibersport. A partir daí eu comecei a entrar mais na indústria e a fazer networking com pessoas que trabalhavam na EA, na Blizzard, e em outras empresas.

Comecei a trabalhar como beta e alpha tester na EA. Conhecendo mais a comunidade, vi um problema: a pirataria era dominante. Ninguém comprava jogos; tudo era baixado via torrent. Eu acreditava que, se tivesse um serviço de qualidade com boa experiência para o jogador e pagamentos locais, isso poderia mudar. 

Fiz uma parceria com uma empresa dos Estados Unidos para lançar uma plataforma de streaming de games. Fizemos vários testes durante três meses, e descobrimos que a banda não estava preparada e que não seria economicamente viável. Acabei dando um passo longo demais.

Focamos no download. Além da pirataria e dos preços em dólar, muitos games tinham bloqueios regionais — aqui nem tinha jogo da Bandai Namco, do Japão. Era preciso usar VPN porque vários conteúdos eram bloqueados no país. Por isso, criamos a Nuuvem. Fomos a primeira plataforma a vender em reais. Começamos com um catálogo de 100 jogos e três publishers: Ubisoft, Paradox e Rockstar. Hoje, são mais de três mil títulos e 300 publishers. 

Como a Nuuvem tenta se sobressair em um mercado disputado pela Steam e pela Epic Games Store? A Epic, por exemplo, estava oferecendo GTA V (2013) de graça em maio.

Um serviço é muito mais que a venda de um jogo. Também é tudo que está em volta: suporte, atendimento à comunidade, a comunicação em redes sociais, a curadoria de conteúdo. Apesar da Epic trazer coisas incríveis, eles têm cerca de 200 jogos apenas. Eles são competidores muito fortes, sem dúvida, mas tudo é sobre posicionamento de mercado. Cada um tem seus pontos fortes.

Muito do nosso trabalho é por trás das cortinas. Dou um exemplo: nós mesmos informamos os usuários que GTA V estava de graça na Epic. “Como assim? A Nuuvem está mandando eu ir para a concorrência?” Nós queremos ser honestos com cada jogador, ser uma espécie de Nubank dos games.

A Steam e a Epic também têm um mercado focado na América do Norte e na China. Eles não olham muito para a América Latina, um dos maiores mercados de games do mundo. E isso reflete no nosso crescimento: desde 2012, crescemos, em média, 30 a 40 por cento ao ano.

Nuuvem cresce entre 20 e 30 por cento ao ano, segundo Diniz
Nuuvem cresce entre 20 e 30 por cento ao ano, segundo Diniz
Foto: Divulgação / Nuuvem

O serviço de streaming de games não deu certo no passado, mas e agora? Vocês têm analisado o modelo?

Com certeza, estamos sempre de olho. Mas ainda não é o momento. O próprio Google Stadia começou de uma forma e hoje está bem diferente. O timing para esse mercado ainda vai chegar e, quando chegar, vamos analisá-lo com muita atenção. Experiências passadas nos fizeram compreender que há dois desafios: o tecnológico e o financeiro, cujo custo pode chegar à casa dos bilhões.

E o modelo de assinatura, semelhante ao Xbox Game Pass?

Pense no modelo. Quantos jogos você joga por mês? E quantos filmes e músicas? Esse modelo faz mais sentido para outros tipos de conteúdo, que demandam menos tempo do usuário. The Witcher 3 (2015), por exemplo, tem de 100 a 300 horas de jogo; você deve levar uns quatro meses para terminá-lo.

O modelo de assinatura também precisa fazer sentido para a produtora, pois ela só ganha quando as pessoas jogam o produto dela. Se o cara para de consumir — o que é fácil porque há vários disponíveis —, a empresa sai no prejuízo. Red Dead Redemption 2 (2018), por exemplo, arrecadou US$ 725 milhões em apenas três dias. Dificilmente esse valor seria possível neste modelo. O game entrou no Game Pass agora, dois anos depois, e com certeza a Microsoft precisou compensar a Rockstar de alguma maneira.

O modelo, porém, se encaixa bem com outros tipos de jogos. O Apple Arcade, por exemplo, é muito legal: você tem títulos de alta qualidade sem propagandas ou compras adicionais. 

A assinatura terá seu próprio espaço, mas não irá canibalizar todo o mercado. 

A Nuuvem passou a vender cartões virtuais de PlayStation e Xbox. Por que o jogador vai comprar da sua loja se eles podem comprar o mesmo produto nas lojas dos consoles?

Por causa das formas de pagamento. As lojas de fora ainda não entendem o consumidor brasileiro. Elas têm uma visão americanizada do mercado. Elas não aceitam boleto bancário ou parcelamento, coisas básicas para o brasileiro — ainda mais com games custando R$ 250.

Nós também oferecemos cashback, algo que chamamos de “drops”; ou seja, o jogador recebe um valor de volta a cada compra na loja. No futuro, queremos colocar outros produtos do PlayStation e do Xbox na nossa loja, como os jogos em si e até mesmo bundles [pacotes de games]. É só o começo.

Como vocês negociam os descontos? Por que um jogo digital sai mais em conta que um jogo físico?

Um jogo digital é classificado de maneira diferente pelo governo; por isso, a tributação é bem menor do que costuma ser em um jogo físico. Isso já ajuda bastante.

A outra ponta é com a produtora. Negociamos diretamente com as empresas e, graças ao nosso foco no mercado brasileiro e na América Latina, muitas vezes conseguimos descontos bem generosos. 

Há também empresas que entram em contato conosco porque querem atingir especificamente o mercado brasileiro, cujo poder de compra é diferente do americano. Baixamos o preço e aumentamos o alcance para públicos específicos. Quando a estratégia dá certo, é comum que elas apliquem esses preços na Steam e na Epic depois. Tudo é feito para ser justo tanto para a publisher quanto para o jogador.

Fonte: Redação Terra
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