Atriz que fez 16 abortos não se arrependeu: “A violência no país é muito pior”
Musa do cinema e destaque na TV, Norma Bengell foi precursora na defesa de direitos importantes das mulheres
A polêmica suscitada pelo Projeto de Lei 1904, conhecido como PL do Aborto, em discussão na Câmara dos Deputados, traz à memória a luta de famosas pelo direito de decidir sobre o próprio corpo.
Uma das primeiras a militar pela causa foi Norma Bengell. Na década de 1980, a atriz e cineasta contou à revista ‘Isto É’ ter se submetido a 16 abortos. O assunto ressurgiu na entrevista dela ao ‘Roda Viva’, da TV Cultura, em 1988.
“A violência que está aí é muito mais violenta do que uma mulher fazer um aborto”, respondeu ao ser questionada por um jornalista da bancada. “Eu fiz por motivos particulares. Primeiro, nem tive tempo. Acho que criar um filho é muita responsabilidade.”
Na sequência, ela defendeu a maternidade solo, apesar de recusá-la. “Não sou reacionária. Acho que as mães solteiras são todas fantásticas, mas eu não quis criar um filho como mãe solteira porque minha mãe foi mãe solteira, quando meus pais se separaram, e sei o quanto foi duro pra ela.”
Norma contou que, aos 40 anos, engravidou e pensou em manter a gestação. Pouco depois, desistiu. “Eu estava exilada e não sabia como ia ser o futuro dessa criança.”
Perguntada se defendia a legalização do aborto no Brasil, a atriz concordou com veemência. “Eu defendo, acho isso aí uma hipocrisia em que fazem abortos nas favelas, do jeito que fazem. Só rico tem direito de abortar bem, entre aspas. As mulheres pobres estão aí abortando e levando porrada.”
Norma Bengell fez história no cinema nacional. Protagonizou o primeiro nu frontal das telonas no filme ‘Os Cafajestes’, do diretor Ruy Guerra, em 1962. Sua participação em ‘O Pagador de Promessas’, premiado com a Palma de Ouro em Cannes, rendeu uma carreira internacional.
Suas opiniões libertárias, especialmente em relação à sexualidade e ao comportamento feminino, a colocaram na mira da ditadura militar. Precisou fugir do Brasil. Exilou-se na França, onde continuou a defender o aborto, o divórcio e equidade de gênero no mercado de trabalho.
Na TV, a atriz se destacou na pele da vilã Vera na novela ‘O Sexo dos Anjos’, exibida na faixa das 18h da Globo em 1989, e reprisada no Canal Viva no ano passado. Entre 2008 e 2009, ela interpretou a lésbica Deise Coturno no humorístico ‘Toma Lá Dá Cá’.
Sem convites para atuar, Normal Bengell passou os últimos anos de vida enfrentando problemas de saúde. Morava sozinha em um apartamento em Copacabana, onde era auxiliada por cuidadores. Morreu aos 78 anos, de câncer de pulmão, em outubro de 2013.