Bruno Laurence comenta demissão da Globo: “Gostaria de ter pedido ajuda”
Repórter esportivo sofria calado com dores emocionais e um trauma de violência na época do desligamento do canal
Reconhecer fragilidades e erros está entre as maiores grandezas de um homem. Na entrevista ao podcast ‘Tomando uma com...’, o jornalista esportivo Bruno Laurence mostrou essa virtude ao comentar a demissão do Esporte da Globo, em novembro de 2016, após 13 anos no canal.
“Depois de um tempo, eu refleti e entendi que eu realmente não estava numa fase legal na minha vida e a Globo não tem nada com isso. A Globo não tem que cuidar de mim. Eu tenho que cuidar de mim e render. Mas eu gostaria de ter pedido ajuda. Falar ‘pô, galera, não estou legal’”, disse.
Na época, o repórter enfrentava um turbilhão de negatividade na vida pessoal.
“Meu pai tinha morrido, eu tinha acabado de passar pela separação do meu primeiro casamento. Tive um assalto pesado em que fui reconhecido como alguém da Globo e, por isso, eles discutiam se iam me matar ou não enquanto me batiam, e eu estava indo trabalhar no momento do assalto, era 31 de dezembro.”
Como explicam especialistas em saúde mental, é comum o homem evitar admitir um problema emocional e buscar apoio. A maioria sofre em silêncio por temer o julgamento público. “Eu achava ‘ah, é uma fase difícil, mas vai passar, vai passar’. E certamente eu não rendia o que já tinha rendido”, disse Laurence.
O jornalista relatou a maneira como foi demitido pelo chefe na redação. “O cara me falar que eu não era bom mais é um erro. Ele me disse, eu não concordo. Agora, muita coisa acontecia na minha vida na época, que não era legal”, contou.
“Na quinta-feira, eu estava encerrando o ‘Jornal Nacional’, a última reportagem, e na segunda o cara falou que eu não era bom e me demitiu.”
A justificativa para dispensá-lo disparou um gatilho mental nocivo. “Você se questiona: ‘acho que sou ruim mesmo’, ‘será que não sou ruim mesmo?’, ‘será que enganei durante tanto tempo?’, ‘será que escondi das pessoas que sou ruim e só agora descobriram?’”
Laurence admite a dificuldade de lidar com o momento conturbado que resultou no desligamento. “Talvez, hoje, eu tivesse pedido ajuda. Eu teria dito: ‘cara, minha vida está uma zona, velho. Não estou bem’. Teria pedido ajuda e eu não soube pedir essa ajuda. E eu não acredito que alguém tenha que perceber e te oferecer ajuda. Você tem que pedir ajuda.”
Na conversa no ‘Tomando uma com...’, o repórter citou o caso do amigo Marco Aurélio Souza. O veterano repórter deixou a Globo em dezembro de 2022 após quase 20 anos na cobertura esportiva. Ele foi diagnosticado com Síndrome de Burnout, caracterizada por extrema estafa profissional. “Ele travou, pediu ajuda e depois saiu.”
Bruno disse que chegava a trabalhar 12 horas por dia ao acompanhar o dia a dia do futebol. “Tinha um domingo de folga por mês.” Segundo ele, era comum sair da emissora às 6h da manhã após cobrir um jogo na noite anterior e ter de voltar à redação no início da tarde.
A demissão abrupta da Globo gerou problemas práticos na vida do repórter. “Minha vida estava ali dentro. Meu e-mail das contas de assinatura era o meu da TV, eu nem tinha outro e-mail. E o e-mail foi desativado na hora. Eu não conseguia mais acessar (as contas).”
Bruno afirma ter superado. “Não tenho raiva da pessoa (que o demitiu), mas não foi legal. E é do jogo.” Ele se mostra grato com a emissora.
“A Globo foi do caralho. Eu ganhei prêmios, bonificações, coisas que eu nem tinha direito. A empresa não tem nada com isso. A gestão dessa pessoa como um líder naquele momento... Talvez se você contar pra um especialista, ele pode falar que não seja a abordagem mais apropriada. O cara não olhava na minha cara (ao demiti-lo).”
Filho do grande jornalista esportivo Michel Laurence (1938-2014), o repórter que cobriu Copas do Mundo e Jogos Olímpicos foi questionado no podcast se pensou em mudar de editoria no jornalismo. “Eu amo, vejo tudo o que é esporte. Não tenho capacidade pra fazer outra coisa. Admiro o cara que faz de um buraco de rua uma reportagem.”
Fora da TV desde a rápida passagem pela Fox Sports, ele descarta investir em polêmicas no YouTube, onde vários jornalistas faturam alto criticando atletas e times.
“Eu quero chegar num lugar e a pessoa abrir um sorriso ao te ver. Eu me preocupo com isso. Na mesma proporção, o quão ruim deve ser você chegar e a pessoa baixar a cabeça, virar a cabeça, olhar para o relógio, pegar o celular... Deve ser ruim pra caramba. Eu, hoje, tenho a preocupação de realmente aprender a ser uma pessoa melhor.”