Caso Jéssica/Choquei: precisamos admitir que estamos doentes e buscar tratamento
Tragédia com vítima de fake news ressalta nossa dependência da web, interesse mórbido pela vida alheia e desprezo pela própria existência
Por que perfis de fofocas sobre famosos como o ‘Choquei’ fazem tanto sucesso? Por qual razão milhões de brasileiros gastam horas de seu dia a bisbilhotar a intimidade dos outros, muitas vezes a compartilhar mentiras e fazendo ataques pessoais?
Tão óbvio e, ao mesmo tempo, difícil de aceitar: somos dependentes emocionais da internet – tal como um viciado em tabaco, álcool ou crack – e preferimos nos distrair com as desgraças alheias para não encarar o vazio profundo da própria vida. Uma fuga inútil. Não chegaremos a nenhum lugar.
O caso do suicídio de Jéssica Canedo, alvo de fake news sobre romance com Whindersson Nunes e consequente ódio gratuito, é um tapa na cara da sociedade contaminada pela superficialidade nas relações humanas. Infelizmente, poucos sentirão a dor na face, já que estão anestesiados pela incapacidade de desenvolver empatia.
Muito antes da explosão da pandemia de covid-19, o planeta está a sofrer um flagelo de transtornos mentais como ansiedade e depressão. A maioria agoniza calada por vergonha ou medo. Quem grita por ajuda pode ser visto como fraco e louco. Por isso, tantos acabam com o pescoço esganado por uma corda.
Jéssica pediu, implorou para a deixarem em paz. Foi ignorada. Pior: alvo de deboche. A fofoca continuou no ar, a render monetização para a página. Covardes escondidos atrás do pseudoanonimato da web prosseguiram com a violência masoquista. O prazer de destruir alguém para, talvez, suavizar a incômoda noção da própria existência medíocre.
No auge da era da comunicação, a solidão impera. O smatphone é nosso melhor amigo – ou o único. Nossa vida está ali dentro, avaliada por ‘likes’, suavizada por filtros. Criamos uma versão falsamente melhorada de quem somos a fim de diminuir a autorrejeição e aumentar a chance de acolhimento por estranhos. Pobres de nós, iludidos e perdidos.
Não nos olhamos nos olhos. Não prestamos atenção nas conversas presenciais. Não temos interesse genuíno pelo outro. Não nos sentimos suficientemente interessantes. Não sabemos mais viver a vida real, sem celular e redes sociais. O que nos tornamos?
Estamos doentes. Desconectados de nós mesmos. Devemos, urgentemente, confessar nossas fragilidades e pedir socorro. Ninguém merece terminar como Jéssica. Apesar de tudo, viver ainda vale a pena. E a vida é hoje.
(A saúde mental deve ser prioridade. Em caso de sofrimento, consulte um psiquiatra ou psicólogo. O CVV oferece aconselhamento 24 horas, 7 dias na semana, pelo telefone 188.)