Chico Buarque faz 70 anos; veja curiosidades sobre letras
Chico Buarque completa 70 anos nesta quinta-feira (19) e permanece como um dos principais letristas da música brasileira. Com discografia composta por cerca de 40 álbuns e centenas de canções, Chico emergiu no final dos anos 1960, em plena época dos festivais, quando a televisão brasileira tinha grande parte de sua programação focada na música.
Não demorou para ele conquistar o público com suas composições de engajamento político e social - e, vale destacar, por sua figura de galã, que arrancava gritos histéricos das fãs em seus shows. Para comemorar as sete décadas de vida de Chico, o Terra selecionou curiosidades sobre algumas das canções mais conhecidas pelo público ou aclamadas pela crítica.
A (eterna) Banda
Desde seu primeiro álbum, Chico Buarque de Hollanda (1966), Chico já apresentou canções que continuam fortes no universo lúdico dos amantes da MPB. Entre elas estão A Banda, Tem Mais Samba, Você Não Ouviu e Sonho de Um Carnaval.
A Banda, aliás, pode ser apontada como a composição mais conhecida de Chico Buarque. Sua importância começou desde o ano de lançamento, quando o cantor a escolheu para competir no 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em interpretação feita ao lado de Nara Leão. A apresentação rendeu o 1º lugar na disputa, em prêmio dividido com Disparada, canção de Geraldo Vandré e Théo Barros interpretada por Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo.
Eternizada como uma das principais canções políticas do Brasil, Disparada saiu também vencedora por um pedido de Chico. Ao saber que A Banda ganharia, o cantor pediu a Paulinho Machado de Carvalho (diretor da Record na época) para que não vencesse sozinho, pois achava Disparada uma canção tão boa ou melhor que a dele.
Noite dos Mascarados: o 1º entrevero com a censura
Lançado também em 1966, o segundo álbum de Chico, Morte e Vida Severina, encantou o ator Hugo Carvana e o diretor Antônio Carlos Fontoura. Tanto que os dois imaginaram um espetáculo só com músicas do compositor, que seriam cantadas por Odette Lara e pelo MPB4. Com o nome Meu Refrão, a peça estreou em julho de 1966 e foi um enorme sucesso.
Segundo o livro Chico Buarque Letra e Música, de Humberto Werneck, foi nessa ocasião que surgiu o primeiro entrevero de Chico com a censura. Isso porque uma das dezesseis músicas do show, Tamandaré, foi proibida como ofensiva ao patrono da Marinha. Para que o roteiro não ficasse desfalcado, o diretor pediu uma nova composição, que foi feita em cinco dias e intitulada Noite dos Mascarados.
Roda Viva: o samba preguiçoso
Roda Viva foi lançada com o álbum Chico Buarque de Hollanda Vol.3, de 1968, mas o samba não conquistou tanto a crítica como o antecessor A Banda. Com o passar dos anos, a canção foi sensibilizando o público, a passos curtos e preguiçosos, e hoje em dia é aclamada pelos fãs de Chico.
Vale lembrar que, no 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967, a faixa foi interpretada por Chico com o apoio do MPB4 e seus arranjos inconfundíveis. A apresentação rendeu o terceiro lugar na competição.
Retrato em Branco e Preto: 1ª letra para Tom Jobim
Primeira letra feita para uma composição de Tom Jobim, Retrato em Branco e Preto também faz parte do álbum de 1968 de Chico. Em entrevista a Luiz Roberto de Oliveira, da página oficial de Tom Jobim, Chico contou que teve a impressão de que o patrono da bossa nova estava “dando uma força” a sua carreira, pois não interferiu em seu processo de produção - postura diferente das parcerias seguintes.
“Nessa letra ele não interferiu nada. Ele, ‘tá ótimo, tá ótimo, tá ótimo’, assim como quem faz cerimônia ou paternaliza um pouco, não sei, porque nós não tínhamos uma relação ainda assim próxima, eu ainda tinha esse respeito por ele”, relatou Chico. “Foi, para mim, um desafio grande, porque eu não era letrista nessa época, quer dizer, eu era letrista de minhas próprias músicas”, completou.
Apesar de Você: Brasil: ame-o, ou morra!
No início dos anos 1970, Chico voltou ao Brasil em meio a um cenário de torturas e desaparecimentos do regime do general Emílio Médici. Ainda segundo o livro de Humberto Werneck, o ufanismo movido por frases como "Brasil, ame-o ou deixe-o", quando não "ame-o, ou morra!", fez com que o compositor escrevesse Apesar de Você “com os nervos mesmo”.
A letra passou pela cesura e o compacto da faixa, que incluía também Desalento, atingiu a marca de 100 mil cópias vendidas, até que um jornal insinuou que a composição era uma alfinetada a Médici. A gravadora, então, foi invadida e, em interrogatório, Chico foi questionado sobre quem seria o “você” da canção. "É uma mulher muito mandona, muito autoritária", respondeu o cantor.
Construção, sem intenção
Apontada por muitos críticos como uma das melhores canções de Chico, Construção foi lançada no álbum homônimo de 1971. Muitas interpretações afirmam que a letra fala sobre a dolorosa relação entre o capital e o trabalho, mas Chico discorda, como contou em entrevista a Judith Patarra, da revista Nossa América do Memorial da América Latina.
“Não passava de experiência formal, jogo de tijolos. Não tinha nada a ver com o problema dos operários - evidente, aliás, sempre que você abre a janela”, explicou o cantor. “Na hora em que componho não há intenção, só emoção. Em Construção, a emoção estava no jogo de palavras (todas proparoxítonas). Agora, se você coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse... Um tijolo, acaba mexendo com a emoção das pessoas”, completou.
Cotidiano: no chuveiro
O álbum Construção ainda tem o sucesso Cotidiano, que, segundo o livro de Werneck, veio “debaixo do chuveiro”. “O velho Francisco nasceu de um sonho com uma preta velha que contava uma história num fundo de cozinha e pedia com a voz cava e arrastada: ‘fecha a porta! Fecha a porta!’. A preta velha sumiu no processo, mas o clima do sonho marcou a canção”, descreve a obra Chico Buarque Letra e Música.
O Que Será e o cubaião
No final dos anos 1970, Chico passou a viajar muito para Cuba, de onde trouxe a música até então desconhecida dos compositores da nueva trova cubana, como Pablo Milanés e Sílvio Rodríguez. Segundo o livro de Werneck, foi inspirado na ilha que ele compôs O que Será (À Flor da Pele), buscando algo entre o baião e os ritmos do Caribe, "um cubaião".
Cálice, microfone cortado e mais censura
Cálice foi composta por Chico e Gilberto Gil durante um clima pesado para o show Phono 73, que a gravadora Phonogram (ex-Philips, e depois Polygram) organizou no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973.
De acordo com o livro Chico Buarque Letra e Música, a censura proibiu a letra, por isso os dois autores decidiram cantar apenas a melodia, pontuando-a com a palavra cálice. Ainda segundo um relato do Jornal da Tarde, a Phonogram resolveu cortar o som dos microfones de Chico, para evitar que a música, mesmo sem a letra, fosse apresentada.
Proibida por anos no Brasil, a faixa só foi lançada em disco no Chico Buarque, de 1978.
Homenagem ao Malandro
Quando estreou o musical Ópera do Malandro, em 1979, Chico justificou o ambiente da peça à revista Isto É e Manchete, além da criação da letra de Homenagem ao Malandro: "nós pegamos a Lapa, os bordéis, os agiotas, os contrabandistas, os policiais corruptos, os empresários inescrupulosos”, explicou.
“Tomamos como ponto de partida o que o italiano chama de Malacittá, o bas fond. Esta Lapa (que) começava a morrer era o prenúncio de uma série de outras mortes: da malandragem, de Madame Satã, de Geraldo Pereira, de Wilson Batista. Foi o fim da era de ouro do sambista urbano carioca”, completou sobre a composição, que prossegue retratando o "novo" malandro, "o malandro profissional", "oficial", "candidato a malandro federal".
Eu Te Amo, o poema musicado
Composta em parceria com Tom Jobim e aclamada pela crítica, Eu Te Amo mais parece um poema musicado, com cuidado formal de Chico evidenciado pelos tercetos em que predominam versos decassílabos e rimas centradas no esquema aabccb. A faixa faz parte do álbum Vida (1980) e foi trilha sonora do filme Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor (1981).
No livro Sem Fantasia: Masculino e Feminino em Chico Buarque, Maria Helena Sansão Fontes descreve a canção como possuidora de um “alto nível de perfeição artística e integração completa, embora não indissociável, entre letra e música”.
Angélica, para Zuzu Angel
Lançada no álbum Almanaque (1981), Angélica é uma homenagem à estilista Zuzu Angel, que ficou conhecida por sua busca incessante pelo filho, o militante Stuart Angel Jones, preso em 1971.
“Eu conheci muito a Zuzu. Ela foi uma mulher que durante anos depois da morte do filho não fez outra coisa senão se dedicar a denunciar os assassinos do filho, a reivindicar o direito de saber aonde é que estava o corpo dele”, contou Chico à Rádio Atividade, sobre o motivo pelo qual escreveu a canção.
O cantor ainda relatou que Zuzu esteve em sua casa na manhã do dia em que um acidente tirou sua vida, em abril de 1976. “Aquilo me chocou muito. Ela passava em casa quase semanalmente, mostrando os relatórios todos do trabalho que ela estava fazendo aqui e nos Estados Unidos”, relembrou.
Vai Passar: a canção que nasceu da outra
Composta em 1983 e parte do álbum Chico Buarque (1984), o samba Vai Passar nasceu de um jeito inusitado. Segundo descreve Werneck no livro Chico Buarque Letra e Música, o cantor trabalhava no samba-enredo Dr. Getúlio, feito em parceria com Edu Lobo para o musical de mesmo nome.
Quando estava quase tudo pronto, faltando apenas acertar o refrão da faixa, um outro samba começou a se insinuar em meio aos compassos de Dr. Getúlio. Chico, então, logo passou a persegui-lo, com o violão e com a voz, até encontrar “Ai que vida boa, olerê / Ai que vida boa, olará”.
Quem Te Viu, Quem Te Vê e os desanimadores de auditório
Quem Te Viu, Quem Te Vê foi apresentada ao público pela primeira vez em fevereiro de 1967, durante o musical Pra Ver a Banda Passar, comandado por Chico e Nara Leão na TV Record. Devido à timidez dos apresentadores, o produtor Manoel Carlos chegou a classificá-los como “a maior dupla de desanimadores de auditório”. O programa não obteve sucesso, mas a canção logo conquistou público e crítica.
As obsessões por Beatriz
Criada para a trilha sonora do espetáculo O Grande Circo Místico (1983), Beatriz foi composta em parceria com Edu Lobo e é aclamada pela crítica até hoje. Em entrevista à revista Nossa América, em 1989, Chico brincou sobre o processo de composição.
“Só tem graça aceitar uma encomenda quando você pode ser infiel ao que foi encomendado, quando você pode tomar certas liberdades. Quando eu estava fazendo as letras para as músicas de Edu Lobo, no balé O Grande Circo Místico, havia um tema para a equilibrista que eu não conseguia solucionar”, começou o cantor.
“No poema de Jorge de Lima, a equilibrista se chamava Agnes, que aliás é um belo nome, mas a letra não saía. Então troquei Agnes por Beatriz, transformei a equilibrista em atriz e coloquei-a no sétimo céu, em homenagem à Beatrice Portinari, de Dante. Beatriz carregando minhas obsessões...", finalizou.
João e Maria: música de criança
João e Maria também surgiu de maneira inusitada na obra de Chico. Em entrevista do cantor à rádio Eldorado, em 1989, ele contou que o compositor da melodia da canção, Sivuca, mandou uma fita para Chico criar a letra. “Eu tenho uma parceria com o Sivuca que é engraçada. Ele fez a música, que ficou se chamando João e Maria. Ele mandou uma fita com uma música que ele compôs em 1944, por aí. Eu falei: mas isso foi quando eu nasci", relatou Chico.
“A música tinha a minha idade. Quando eu fui fazer, a letra me remeteu obrigatoriamente pra um tema infantil. A letra saiu com cara de música infantil porque, simplesmente, na fitinha ele dizia: fiz essa música em 47. Aí pensei: mas eu era criança... E me levou praquilo. Cada parceria é uma história. Cada parceiro é uma história", completou o músico.
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