Classe média, paixão por Paris, críticas ao Brasil: coincidências uniram Beatriz Segall e Odete Roitman
Atriz carregou por três décadas a glória e o fardo de interpretar a mãe de todas as vilãs da teledramaturgia
Beatriz Segall se tornou indissociável de Odete Roitman e vice-versa. Atriz e personagem caminharam juntas de 1988, quando estreou ‘Vale Tudo’, até a morte da artista, aos 92 anos, em setembro de 2018.
Nestes 30 anos, ela interpretou outras 13 personagens na TV. Algumas até populares, como a cientista Miss Penelope Brown de ‘Barriga se Aluguel’ e a ricaça apreciadora de jovens musculosos Stela em ‘De Corpo e Alma’.
Nenhuma delas superou a vilã da novela que agora ganhou um remake na Globo. Em entrevistas, Segall dizia gostar das abordagens dos fãs de Odete, mas, algumas vezes, deixou escapar certa irritação por ver sua carreira resumida àquela antagonista.
Quais as semelhanças entre criadora e criatura?
Beatriz e Odete não nasceram ricas - A atriz era da classe média carioca, filha de um diretor de colégio. A personagem também tinha origem confortável, mas longe do berço de ouro.
Ambas ganharam dinheiro com trabalho duro. O primeiro emprego da artista foi como professora em escola pública. Já a malvada impulsionou os negócios do marido, especialmente a companhia de aviação TCA.
L’âme française, oh la la! - Beatriz Segall começou a vida profissional ensinando francês. Conquistou bolsa de estudos e foi para Paris, onde se especializou em teatro e literatura.
Odete elegeu a capital da França como seu lugar no mundo (comprou apartamento no 4º arrondissement, um dos distritos mais chiques da cidade). Adorava soltar frases irônicas sobre o Brasil no idioma de Proust. Num telefonema, disse a seu funcionário Gaston: “Eu não pretendo passar o resto dos meus dias nesse País ridículo”.
Visão crítica do mundo – A atriz e a personagem compartilhavam apurada noção da realidade. Exageros e preconceitos à parte, Odete cutucava a passividade do brasileiro, a insegurança pública, a lentidão da Justiça, a ostentação cafona da elite e outros temas sensíveis.
Beatriz se revoltava com quem defendia a ditadura (seu marido, o intelectual Maurício Segall, foi preso e torturado por militares), reclamava do desinteresse das pessoas em ler e se informar, se indignava com quem queria ‘virar’ ator sem ter formação e com o único objetivo de ficar famoso.
Elegância e privacidade – As duas mulheres (a real e a da ficção) vestiam-se com sobriedade. Nada de modismos. Gostavam do estilo clássico. E ambas fugiam da invasão de privacidade. Detestavam exibicionismo na imprensa. Aliás, sabe-se quase nada da vida privada de Beatriz Segall. Ela era de poucas entrevistas e media bem as palavras.
