Davi campeão nos remete ao atleta preto que humilhou Hitler e seus supremacistas
Brasil, o país com maior comunidade negra fora da África, elege apenas o 2° homem negro em 24 edições do mais popular reality da TV
Considero um erro o excesso de racialização no Brasil. Sim, vivemos entre racistas declarados e enrustidos, mas nem tudo é racismo. O grave problema da discriminação exige cautela para não banalizar a questão e afetar o combate ao preconceito.
No caso da vitória de Davi no ‘BBB24’, impossível não ressaltar o contexto racial. Sempre esteve ali, gritante. O mais novo milionário vive em um país com maioria de pretos e pardos que, paradoxalmente, são minoria em posições de destaque.
Trata-se do triunfo de um negro nordestino insubmisso e enérgico. Há algo de revolucionário, ou pelo menos uma quebra de paradigma. Antes dele, apenas outro homem preto havia sido campeão: Jean Wyllys, que por ter a pele mais clara foi desqualificado por quem não o vê como negro, reforçando as armadilhas do colorismo.
A consagração de Davi diante de seu Golias peculiar (o racismo intrínseco em brancos e também pulsante em muitos miscigenados e pretos) pode ser comparada com a ascensão histórica de Jesse Owens.
Nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, sob o regime nazista, o norte-americano neto de escravos impôs uma das maiores derrotas a Hitler e seus supremacistas. Ele ganhou quatro medalhas de ouro no atletismo. Pisoteou a teoria eugenista e o orgulho ariano.
Ao voltar aos Estados Unidos, Owens esperava receber homenagens, assinar contratos de patrocínios e publicidade, duplicar a fama conquistada na Europa, ser respeitado e acolhido. Nada disso aconteceu.
Foi tão discriminado em seu país como seria na Alemanha tomada pela ideia de superioridade da raça branca. Morreu pobre, quase esquecido e magoado com a falta de reconhecimento em sua própria nação, onde até hoje os negros lutam pela igualdade.
Davi massacrou os preconceituosos – dentro e fora da casa do reality – ao vencer antecipadamente o ‘BBB24’, porém, tem árduo caminho a desbravar. Parte do Brasil sente raiva de pretos que ascendem social e economicamente. Não quer um negro na mesa ao lado do restaurante chique, na ‘Business’ do avião e ao volante de um carro luxuoso.
O ex-motorista de aplicativo terá agora a missão de ocupar espaço privilegiado nesta sociedade excludente e hipócrita, opressora e elitista. Que Davi tenha autoestima, discernimento, firmeza e ousadia para não repetir o declínio de Jesse Owens e de tantos outros pretos que conheceram a glória e acabaram puxados ao abismo pelo racismo.
O jovem campeão precisa ainda se reeducar. Houve passada de pano do público para declarações recheadas de machismo, homofobia e transfobia. Espera-se também que ele não se desconecte da negritude, como já aconteceu com inúmeros pretos que, ao ganhar fama e dinheiro, preferiram esquecer as raízes na expectativa de ser aceitos no seletivo mundo dos brancos bem-sucedidos.