Famosos atualizam noção de masculinidade com esmalte, cropped e maquiagem
Nomes como João Guilherme e Jesuíta Barbosa são constantemente criticados e têm sua sexualidade questionada pela forma como se expressam
A sociedade não está preparada para a nova geração de famosos. Homens, heterossexuais e cisgêneros, eles vêm se descontruindo e se permitindo cada vez mais expressar quem são. Eles misturam roupas tidas como femininas com masculinas; usam esmalte, cropped e até maquiagem.
Mas fãs e seguidores não hesitam em expor o incômodo que sentem com essa nova performance do masculino. O resultado são críticas e contestações do gênero e da sexualidade desses homens.
João Guilherme, Jesuíta Barbosa, Fiuk e Juliano Floss são exemplos de homens que já foram atacados e tiveram suas respectivas sexualidades contestadas por se vestirem de forma que foge do padrão, por dançarem de jeito considerado feminino ou por possuírem determinados trejeitos no cotidiano. Lucas Cartolouco também não fica de fora. Em passagem recente pelo 'Power Couple', onde usou cropped e maquiagem, foi criticado por Solange Gomes. A ex-Fazenda sugeriu que ele se vestisse "como homem".
Todo esse incômodo com os novos famosos pode ser explicado pela noção de patriarcado, uma estrutura secular que costuma reger sociedades ocidentais. De acordo com Jucimeri Isolda Silveira, mestre em Sociologia e professora na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), as críticas fazem referência aos primórdios da sociedade. Historicamente, o corpo feminino foi colocado em local de subalternidade, desde o trabalho e até em casa, gerando a ideia de desvalorização.
A partir dessa estrutura, são esperadas de homens características como virilidade, heterossexualidade e força, além de ser cisgênero e cristão. Quando um homem não oferece ou foge desses padrões, a sociedade entende que lhe falta masculinidade e, na lógica binária do patriarcado, o considera inferior.
"O homem passa a ser reduzido, pois sua masculinidade passa a ser contestada por ganhar aspectos femininos. Acontece porque foge do que é esperado para ser homem. Não deveria interferir, principalmente por estarmos no século XXI, mas interfere", analisa Leonardo M. B. Peçanha, professor e pesquisador, doutorando em Saúde Coletiva (IFF/FIOCRUZ), especialista em gênero e sexualidade (IMS/UERJ), além de autor do livro 'Transmasculinidades Negras'.
Masculinidade muda com o tempo
Ao contrário do que determina o patriarcado, Peçanha defende o "ser homem" como longe de algo engessado. Para o pesquisador, a definição de "homem" é algo que muda de acordo com a sociedade em que a pessoa está inserida, seu momento histórico e as questões sociais que envolvem a comunidade em que vive.
Um exemplo dessa evolução sóciohistórica é o monarca Luís XIV, que reinou na França de 1643 a 1715. Ele ficou conhecido por popularizar as perucas na rotina masculina, após sofrer uma queda de cabelo decorrente da sífilis.
Apesar da condição, uma massa de homens pela Europa interpretou o uso do acessório como tendência, que também contemplava trajes pomposos e uso de pó de arroz no rosto. No Reino Unido a influência foi tão grande que até hoje profissionais de várias jurisdições usam perucas de crina branca nos tribunais. Para eles, é como um uniforme.
Jucemeri Isolda reforça que a roupa que se veste ou os trejeitos empregados pelos homens não definem gênero, nem sexualidade, mas até auxiliam para o avanço das pautas feministas. Segundo a especialista, esse movimento de desconstrução "quebra" o conceito de heteronormatividade e abre caminhos para os homens performarem uma masculinidade não tóxica, mais livre e desmistificada.
"É importante que estejamos atentos a isso, para que cada vez mais possamos conviver de forma pacífica e respeitosa em sociedade, com cada um podendo ser quem bem entende", defende Jucemeri.
Mas o que se vê atualmente, lembra Leonardo M. B. Peçanha, é conservadorismo, misoginia, reacionarismo e hipocrisia, além de transfobia. O pesquisador destaca que nenhum ser humano é 100% alguma coisa, pelo contrário.
"Se manifestar de forma não esperada socialmente não faz da pessoa inferior ou não sendo de tal gênero, mas traz diversidade na expressão de gênero, o que é subjetivo e particular em cada pessoa", acrescenta.