Gringas fazem pela nossa literatura mais do que a maioria dos artistas brasileiros
Exaltação da obra de Machado de Assis e Clarice Lispector nos faz lembrar da perda de dois valiosos programas de TV sobre literatura
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem”, disse o poeta, jornalista e tradutor Mario Quintana. Infelizmente, milhões de brasileiros desprezam os livros.
Preferem, por exemplo, cuidar da vida alheia nas redes sociais. Têm preguiça de ler mais do que uma legenda de foto. Muitos até possuem obras literárias em casa – como decoração na estante.
Com sua força, a televisão pode incentivar a criação de novos leitores, porém, há poucas iniciativas. Aliás, espaços importantes foram perdidos, a exemplo da extinção do programa ‘GloboNews Literatura’ e a suspensão do ‘Entrelinhas’ da TV Cultura.
Mas, de repente, somos surpreendidos com a contribuição de duas estrangeiras para a promoção internacional de nossa arte da palavra.
Primeiro, a escritora e influenciadora literária norte-americana Courtney Henning Novak, de 44 anos, postou vídeos no TikTok com elogios a um clássico, ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, de Machado de Assis. “Acho que é o melhor livro que já li.”
O testemunho viralizou no aplicativo de vídeos, foi parar em outras plataformas e gerou matérias na imprensa. Rendeu a Courtney um convite para vir a São Paulo. Neste setembro, ela participou do Festival Literário do Museu Judaico, de rodas de conversas e entrevistas.
Dias atrás, foi a vez da atriz australiana Cate Blanchett, 55 anos, ganhadora de dois Oscars, produzir manchetes no Brasil e em outros países ao elogiar os escritos de Clarice Lispector em uma entrevista coletiva e ao receber um prêmio na Espanha. “Uma escritora brasileira que é simplesmente genial.”
Nascida na Ucrânia, criada entre Maceió e Recife, e radicada no Rio, Clarice é um fenômeno de citações na internet. Muita gente usa frases de seus livros e entrevistas para exibir suposta erudição.
De um lado, brota orgulho vermos dois de nossos maiores escritores reconhecidos por gringos influentes. Na outra ponta, causa tristeza notarmos a necessidade dessa validação que vem de fora – reforçando o desprezo do brasileiro médio por sua cultura – para que mais pessoas por aqui se interessem em mergulhar na obra deles.
Uma provocação: por que os artistas da TV e os influenciadores mais populares do país não recomendam livros à sua imensa audiência on-line? Provavelmente por não lerem ou lerem pouco. Postar o look do dia ou a dancinha do momento garante mais ‘likes’. Mario Quintana, nos perdoe.