O dia em que almocei com Chico Xavier e uma filha de Silvio Santos
Visitar a casa do médium e testemunhar seu dom de psicografar, pouco antes de ele morrer, abalou meu ceticismo
Ano 2001. Fui escolhido pela direção da revista ‘Contigo’ para ir a Uberaba (MG) fazer uma matéria especial a respeito de Chico Xavier. Eles queriam um repórter cético, imune à influência dos supostos poderes mediúnicos do mais famoso divulgador do Espiritismo no Brasil.
O primeiro contato foi tenso. O guardião de Chico, o cirurgião-dentista Eurípedes dos Reis, que alegava ser filho adotivo dele, me recebeu com ataque defensivo. Disse não confiar em jornalistas por ter sido vítima de mentiras em reportagens.
Vencida a hostilidade inicial, fiz um tour pela casa onde o médium morava. Fiquei impressionado com a simplicidade. Tudo limpo e arrumado, sem nenhum sinal de luxo. O quarto, com cama de solteiro e imagens religiosas nas paredes, parecia morada de um franciscano.
Debilitado, Chico já não falava. Precisava de ajuda para se movimentar. Apertei de leve sua mão magra. Ele me olhou por algum tempo, enquanto Eurípedes explicava o motivo da minha presença. Um homem frágil, vulnerável, aparentemente com pouca consciência. Minha impressão mudaria horas depois.
Convidado a almoçar, me juntei a um pequeno grupo na mesa da cozinha. Lá estava um casal com uma menina. Eram Silvia Abravanel, a ‘filha número 2’ de Silvio Santos, com o então marido, o empresário Murilo Abbas, e a graciosa Luana. Levaram a filha, que nasceu com alguns problemas de saúde, para uma consulta com Chico Xavier.
Colaboradores do médium pediram que eu não citasse na matéria a presença dos parentes do apresentador e dono do SBT. Concordei com o sigilo em respeito à criança. Todos comemos salada, arroz, feijão, macarrão e frango. Chico estava sentado entre nós, sendo alimentado com o auxílio de uma voluntária de suas obras sociais.
Horas depois, eu estava na Casa da Prece para acompanhar uma sessão de psicografia aberta ao público. Fiquei em pé, ao lado da mesa dos médiuns. O espaço estava lotado. Havia dezenas de pessoas debruçadas nas janelas e do lado de fora.
Aquele Chico quase imóvel que eu havia visto pouco antes agora reunia forças para receber as mensagens de desencarnados. Cada vez que uma mãe, um pai, alguém corroído pela saudade do luto reconhecia as palavras lidas nas folhas de papel preenchidas na hora, uma explosão de emoção tomava conta do lugar. Murmúrios, lágrimas, coro de “graças a Deus”.
Na volta à redação, em São Paulo, a diretora da revista perguntou o meu veredito a respeito de Chico Xavier. “É tudo verdade”, respondi, traindo o meu conhecido ceticismo. Eu tinha 23 anos. A partir daquela experiência, passei a respeitar mais a fé das pessoas e quem usa a própria mediunidade para o bem.
Peregrinação de celebridades
Ao longo de décadas, centenas de artistas se deslocaram até Uberaba a fim de conhecer Chico Xavier e se aconselhar com ele. A lista de crédulos inclui Roberto Carlos, Xuxa, o saudoso Gugu, Vera Fischer e o ex-presidente Collor.
Uma das histórias reais mais famosas foi protagonizada pela atriz e humorista Nair Bello (1931-2007). Ela perdeu um filho, Manoel, de 20 anos, em um acidente de carro, em 1975.
Tempos depois estava com seu marido, Irineu, diante do médium. Ele psicografou uma carta do rapaz. Nair disse incontáveis vezes em entrevistas que aquela mensagem a ajudou a suportar a dor do luto.
Chico Xavier morreu aos 92 anos em 30 de junho de 2002, dia em que a Seleção conquistou o pentacampeonato na Copa do Japão. Partiu em momento de festa para os brasileiros, como ele havia previsto.
Seu legado continua vivo: quase 500 livros sobre espiritualidade, centenas de discípulos, milhares de famílias beneficiadas por sua atividade mediúnica, trabalho filantrópico ainda existente em sua Casa da Prece.