Rebeca não deve ser vista como menina dócil e, sim, mulher poderosa, diz linguista
Vivian Rio Stella destaca o senso coletivo da atleta e refuta a avaliação de uma mulher pela meiguice ao se comunicar
Maior medalhista olímpica do Brasil, Rebeca Andrade desperta risos e lágrimas. Sua personalidade é divertida, enquanto o discurso forte pode comover.
A coluna conversou com a doutora em Linguística, escritora e professora da Casa do Saber Vivian Rio Stella a respeito da expressividade da ginasta.
Como analisa a comunicação de Rebeca Andrade? Quais os aspectos marcantes?
Assim como em seus movimentos na ginástica, ela tem muita leveza na forma de se expressar, um excelente vocabulário, se adequa bem aos diferentes contextos. Nas entrevistas durante e após a Olimpíada, vemos uma Rebeca mais emotiva, que agradece e reverencia o time e a própria história, as superações. Numa entrevista para a CazéTV, com a Fernanda Gentil, mais informal, ela se adequou ao contexto, disse ter noção de sua grandiosidade e seus feitos. Vi entrevistas em outros canais em que ela estava mais formal, também trazendo discursos importantes para as respostas. Então, o grande ponto de qualidade é essa adequação aos diferentes contextos, com leveza, bom repertório, ótimo vocabulário, sempre autêntica e expressiva. Ela parece se sentir à vontade nesses momentos, nas situações de comunicação.
Em Rebeca, se destaca a voz dócil, quase infantil, e o sorriso fácil. Como isso impacta a aceitação dela pelo público?
Ela dá risada conforme a pergunta feita, dança, se posiciona, opina sem receios, gera transparência para quem está assistindo e causa identificação também. É firme nas respostas. Às vezes, faz pequenos ajustes na pergunta para direcionar o que ela quer informar, sua intenção na resposta. A maneira como Rebeca se expressa, espontânea e sorridente, provoca uma baita identificação nas pessoas. Sobre ter voz dócil ou quase infantil, eu não acho que procede porque a Rebeca possui bastante impostação vocal. Vale uma reflexão. A gente coloca essa etiqueta nas mulheres, na forma como elas falam. Isso não acontece quando são os homens.
A campeã olímpica tem um discurso de humildade e sempre lança alguma mensagem motivacional. Por que funciona tanto?
O discurso presente nas respostas dela tem muito a ver com colaboração, a equipe faz parte, o técnico faz parte, a comissão faz parte, as outras colegas que estão na torcida. A sororidade é forte em seu discurso, inclusive nas disputas por medalhas e pelo pódio com a Simone Biles. Rebeca traz essa mensagem de uma mulher que puxa a outra. Quando ganhou a medalha de ouro, na hora em que foi reverenciada por Simone e Jordan Chiles, ela levantou a mão das duas também, agradeceu, gerando uma foto icônica. É muito sobre estarmos juntas. O discurso de ‘eu sei da minha potência, sei onde eu cheguei’. Fala de superação, de tudo o que os atletas passam de dores, cirurgias e renúncias. Existe a construção dessa imagem de uma Rebeca forte e leve, vitoriosa individualmente e que colabora para o time. Ela, sozinha, não se coloca acima das outras pessoas. Por isso, seu discurso funciona tão bem.
Na mídia, Rebeca é mais vista como uma menina prodígio do que uma mulher de 25 anos. Há explicação para esta percepção?
Não definiria a Rebeca como uma menina prodígio, embora ela tenha começado ainda criança a praticar o esporte, como tantas outras garotas. Ela é uma atleta olímpica, a mais premiada, com mais medalhas no nosso país. Considero mais adequado dizer que ela é uma lenda, como fez a atriz Viola Davis numa postagem. Essas palavras traduzem muito mais os feitos que Rebeca conseguiu. Em relação à idade, a gente viu a Jade Barbosa ser questionada sobre isso, mesmo competindo em altíssimo nível. Precisamos desconectar essa lógica de ser menina ou uma mulher de tantos anos. São atletas premiadas.