Silvia Poppovic diz que sente falta da TV: 'fui mal copiada'
Apresentadora fala sobre carreira, TV aberta e programas femininos: 'são só serviço'
Existem personalidades da TV que ficam tantos anos no ar que, ao abrirem a boca para falar, você nem precisa estar com os olhos abertos para saber quem são.
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Foi o que aconteceu quando Silvia Poppovic abriu as portas do seu amplo apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, para uma entrevista exclusiva ao Terra.
A voz facilmente reconhecível logo tomou forma em uma imagem praticamente igual a que exibia nos diversos programas vespertinos que encabeçou.
O cabelo impecável, com luzes discretas, as formas mais arredondadas, que fizeram diferença em um mundo de padrões estéticos tão exigentes. ‘Nunca fui uma loirinha Barbie’, ressalta. “Eu nunca vendi beleza, sempre vendi outras coisas; credibilidade, espontaneidade, qualidade, jornalismo. Eu tinha outras coisas para oferecer além da beleza física”, completa.
Apesar de evitar críticas diretas, Silvia acredita que abriu portas para o formato de programas com debates comportamentais e auditório e que, no entanto, ele não se manteve. “Fui muito copiada. Fui mal copiada especialmente”.
A vontade de voltar para as telinhas, que até então não tinha surgido, começou a aparecer. Segundo ela, falta reflexão na TV aberta. “Os programas femininos são só serviço. Você aprende a fazer omelete, aprende a comprar coisas de merchandising, você fica sabendo de fofoca, e eventualmente você consome notícia”, dispara.
Afastada da TV há cerca de dois anos, a apresentadora, que soma 36 anos de profissão e já chegou a enfrentar jornadas diárias de três horas e meia por dia no ar – de segunda a sexta –, hoje tem uma rotina um pouco menos acelerada.
Ela se divide entre as gravações de pílulas para seu canal no Youtube, o Já Pensou Nisso?, palestras pelo Brasil e a vida de mãe.
A filha única, Ana, 14, veio ao mundo quando a apresentadora tinha 45 anos, em uma época em que a gravidez tardia não era algo muito comum. “É rejuvenescedor”, diz, sobre ter engravidado mais tarde.
Confira a seguir os principais trechos dessa entrevista.
Terra: Como foi o seu início na TV?
Silvia Poppovic: Comecei na imprensa escrita, trabalhei dois anos no Estadão, outro no Diário de São Paulo e fui logo para a televisão. Foi um amor correspondido, quando comecei eu já gostei de cara, e acho que a TV também gostou de mim. Eu saí na rua para fazer as coberturas no jornal e quando eu chegava a redação parava para me ouvir. Desde essa época eu já tinha essa habilidade de me expressar bem verbalmente.
Terra: Foi difícil essa transição?
S.P.: Foi muito complicado, eu tremia, era um verdadeiro pânico. Mas foi um pânico dominado, cheio de emoção.
Eu tinha muito medo, as câmeras eram gigantescas, não era tão ‘friendly’ como é hoje. As luzes eram muito quentes, você suava muito, não tinha ar condicionado.
Terra: Pensou em desistir?
S.P.: Não, desistir não faz parte do meu perfil. Televisão é um negócio que se você não tiver essa postura você não vai pra frente.
Terra: O que era mais difícil de ficar tanto tempo ao vivo?
S.P.:
Desde o cansaço físico, era muito calor, passava um monte de pó de arroz para segurar o suor, era pesado fisicamente. E quando você fica muito tempo no ar você sai de lá meio esvaziada, é como se passasse um trator em cima de você. Eu chegava a entrevistar dez pessoas numa tarde. Você sai alimentada e destruída ao mesmo tempo, é muito envolvente, você não consegue ficar de fora. Televisão é gostoso por isso. É um estresse positivo e negativo ao mesmo tempo.
Terra: Atualmente, a TV aberta tem produtos bons, na sua opinião?
S.P.: A TV aberta tem coisa boa e tem coisa ruim. Hoje obviamente ela está mais competitiva e está mais apelativa também. Por conta da audiência se fazem loucuras, não medem as consequências. Mas o próprio público acaba negando isso também, cansa de tanta baixaria.
Terra: Você consome TV aberta?
S.P.: Não, muito pouco, mais TV fechada. Vejo séries, alguns programas de culinária, como o da Nigella. Gosto do Manhattan Conection. Mas assisto menos TV hoje do que eu via antes. Eu gosto de ver séries. As séries americanas eu adoro. Breaking Bad, Downtown Abbey.
Terra: Quem você consideraria um ícone de apresentador (a) da televisão brasileira?
S.P.:
Não tenho. Nunca tive isso. Sempre tentei me superar, sempre tive um caminho muito único.
Terra: Você tinha uma postura bastante opinativa e às vezes dura com os entrevistados, isso era uma marca. Você recebia muitas críticas?
S.P.: Minha maneira mais ríspida tinha a ver com a falta de tempo que a gente tinha. Hoje a maioria dos programas é gravado. Eu não, eu tinha que editar ao vivo. E quando eu percebia que a pessoa estava lá para falar só o que ela queria, ou para vender um peixe, daí eu fazia questão. A minha fidelidade não era com o entrevistado, era com o público que me assiste. Quem ia ao meu programa já sabia que ia ser assim, então acabava tendo uma seleção natural.
Terra: Já chegou a levar algum processo?
S.P.: Para não dizer que nunca, uma única vez eu estava fazendo um programa sobre tatuados e nós enchemos a plateia de pessoas que tinham tatuagem. Uma dessas pessoas que estava lá, que foi porque quis, tinha um negócio no nariz, que não era um piercing, era uma grande argola no nariz. Aí eu falei ‘nossa, mas o que é isso, parece coisa de vaca, para puxar’. E ela porque quis aparecer tentou me processar porque chamei ela de vaca em rede nacional. Não só não ganhou dinheiro como perdeu a causa.
Terra: Você acha que este jeito também trouxe coisas boas?
S.P.: O importante é ver de que maneira você tocou as pessoas, acho que nesse sentido fiz alguma diferença. E é algo que quero continuar fazendo, não estou me aposentando. Mas estou dando um tempo na TV aberta, porque nessa transformação que ela está não tem espaço para mim.
Terra: Você acha que abriu espaço para programas de auditórios que tratam de questões familiares, alguns deles com direito a barraco?
S.P.: Abri esse caminho e fui muito copiada. Fui mal copiada especialmente. Pegaram o formato que eu fazia, fizeram igual, só que pagavam para o entrevistado ir falar aquelas coisas, ou senão o apresentador não respeitava o depoimento daquela pessoa, fazia chacota, explorava a boa vontade, fazia chorar, fazia brigar no ar. Aí vira barraco. Nunca nestes anos todos de televisão eu fiz nada que se assemelhasse a isso.
Terra: O que você acha da Fátima Bernardes ter saído da bancada do jornal e ter apostado no entretenimento?
S.P.: Eu acho que ela está ótima, está fazendo o caminho dela. O programa dela estreou como eu fazia. Eles não conseguiram ir para frente com aquele formato. Falta conteúdo ali, não sei o que aconteceu, o fato é que eles mudaram. Mas a Fátima está na vez dela de fazer isso.
Ela esperou até os 50 para ter essa outra experiência. A Globo tem uma fila para você acontecer, TV Globo é complicado, você tem que ficar esperando a oportunidade. Às vezes você passa uma vida inteira profissional fazendo o que você não gosta para fazer o que você gosta no finzinho da vida.
Eu saí da Globo antes porque eu vi que para mim esse negócio de bancada não era o que eu queria fazer, queria fazer coisas mais ambiciosas, e foi o que eu fiz. Agora, cada um é responsável pela sua própria história.
Terra: Sua pausa na TV foi uma opção?
S.P.: Foi opcional porque as propostas que eu tive eram coisas que eu não achava que podia fazer bem e eu não quis fazer.
Terra: Como nasceu o canal no Youtube?
S.P.: Da necessidade de se reinventar, de fazer algo diferente, mas ligado ao meu DNA, que são temas de comportamento. Tem uma geração de mulheres que está se conectando na Internet e que se identifica muito comigo. E que tem um pouco de medo desse mundo virtual. Quando me veem, veem algo muito familiar.
Terra: Neste projeto, você visa atingir mulheres de 35 a 60 anos. Por que esta escolha?S.P.: Não tem conteúdo sério voltado para essa faixa. Eu acho que há uma carência grande, que não tem na TV nem aberta nem fechada programas que tratem destes temas com essa consistência que eu trago. Eu posso fazer isso bem feito.
Terra: Por que você acha isso?
S.P.: Hoje você está toda voltada para fora, para se mostrar, consumir, se exibir. Para se postar no Instagram, no Facebook. Eu proponho isso, esse é meu interesse na vida. Eu acho que a mídia que está aí hoje não propõe isso, ela só propõe você olhar para fora, nunca para dentro.
Terra: Não acha que nem os programas que mostram histórias reais não propõem algum tipo de reflexão?
S.P.: Não, os programas femininos são só serviço. Você aprende a fazer omelete, aprende a comprar coisas de merchandising, você fica sabendo de fofoca, e eventualmente você consome notícia, mas não tem uma questão um pouquinho mais elaborada em que você possa refletir.
Terra: Você tem intenção de voltar para a TV? Sente falta?
S.P.:
Tenho. Sinto falta da TV, e de trabalhar. Sempre trabalhei muito pesado. Então agora eu sinto falta. Eu não estava com vontade, estava muito cansada. Esse negócio de fazer ao vivo é todo dia lá, quebrando pedra. Não tinha tempo de viajar com meu marido. Fiquei cansada, mas agora sinto vontade de novo. Quero fazer alguma coisa que eu acredite e que seja remunerada para pagar minha vida, minhas coisas.
Terra: Você acha que os dilemas da mulher de hoje são os mesmos da época em que você estava à frente dos programas?
S.P.: Mudou muita coisa. A mulher hoje ocupa muito mais espaço na sociedade, quase 50% do mercado de trabalho, tem direito ao prazer sexual. Não tem mais o casamento como profissão. A mulher hoje já tem o caminho muito mais aberto do que a minha geração tinha. Ainda tem muitos resquícios de uma sociedade machista e autoritária, mas estamos indo bem.
Terra: Na profissão, já passou alguma saia justa por ser mulher?
S.P.:
Eu sempre tive uma maneira de ser tão diferente, sempre fui fora dos padrões. Sempre tive acima do peso do que seria uma loirinha Barbie apresentadora. Nunca fui uma loirinha Barbie. Sempre fui divertida, o meu jeito sempre foi um jeito que agradava. E nunca fui contra homem, pelo contrário, sempre gostei dos homens, casei, namorei muito.
Terra: Como você fez para lidar com os padrões de magreza na TV?
S.P.:
Eu nunca vendi beleza, sempre vendi outras coisas; credibilidade, espontaneidade, qualidade, jornalismo. O que eu vendia não era beleza, então eu não tinha que ser a Barbie. Eu tinha outras coisas para oferecer além da beleza física.
Nem por isso em nenhum momento deixei de me valorizar, sempre estive bonita, com o cabelo bem cortado, bem apresentada, bem vestida, e acabei virando até um símbolo das mulheres plus size, tanto que tive grife durante muitos anos de tamanho grande. Ganhei muito dinheiro fazendo isso.
Sempre mostrei que você poderia se valorizar, mostrar pele, ser sexy, atraente. Você pode ser chique e elegante e estar fora do peso, não é porque está fora do peso que está devendo para o padeiro, né? (risos)
Terra: Mas você não era cobrada por isso?
S.P.: Não, nunca fui cobrada. Sempre fui mais forte que tudo isso. Pelo contrário. Uma vez fiz um programa de sósias minhas, veio tanta gordinha bonitinha!
Terra: É muito vaidosa?
S.P.:
Sou vaidosa, me cuido. Agora que eu estava querendo era dar uma emagrecida. Faço ginástica funcional duas vezes por semana, ando, minha alimentação é super fresca e saudável.
Terra: Você foi mãe aos 45 anos, em uma época em que isso não era muito comum. Foi programado?
S.P.: Quando conheci o pai da Ana [o endocrinologista Marcelo Brostein, com quem é casada há 20 anos] eu queria um companheiro mais estável, mas não pensava em filhos. Estava no auge da minha vida profissional, ganhando bem.
Mas de repente com 44 anos eu tive uma crise. Estávamos em um hotel muito chique no Havaí, exatamente no dia do Réveillon, e nós fomos para a varanda. Quando olhei para baixo só tinha umas loiras, tomando sol, e o hotel do lado, exatamente do lado, era um hotel com um monte de família.
Tinha um monte de criança, subindo no escorregador, uma vitalidade, uma coisa linda. Eu olhei para o lado e falei ‘meu Deus do céu, minha turma é aquela, não é essa’. Comecei a chorar.
Terra: Mas nunca tinha passado pela sua cabeça?
S.P.: Já tinha passado, mas eu não queria ser mãe solteira. Nessa época eu já estava há quatro anos com ele. Senti que eu precisava tentar. Felizmente percebi a tempo para correr atrás deste projeto. Quem acredita que só pode ser feliz ganhando dinheiro não está entendendo que a vida é muito mais do que isso.
Terra: Enfrentou preconceito?
S.P.:
Não, ao contrário, todo mundo aplaudiu e torceu. Eu sinto que foi a gravidez dos sonhos individuais de todo o meu público, minha gravidez foi uma esperança para muita gente. Até hoje eu ouço fãs falarem ‘essa menina aqui eu tive por causa de você’.
Terra: Quais foram os prós e contras de ter se tornado mãe mais tardiamente?
S.P.: Prós, você posterga sua velhice em 20 anos, porque tem que estar antenada, émuito rejuvenescedor. Você sente que tem muita necessidade de estar viva e ligada, porque seu filho depende muito disso, não adianta você ficar velha fazendo crochê dentro de casa.
A única desvantabem é que eu não vou estar tanto tempo viva do lado da minha filha do que se tivesse tido ela mais cedo. Mas isso também não quer dizer nada, porque tem mães que estão vivas e não estão juntas e eu estou muito junto.
Terra: Quando ela nasceu você parou?
S.P.: Não, ainda fiquei um ano e meio no ar.
Terra: E depois, parou por opção?
S.P.: A Band cumpriu o contrato comigo e colocou a Márcia [Goldsmith] no lugar, a Band estava em uma pegada mais popular. Eu não quis fazer um programa mais popularesco. Aí aproveitei para parar e ficar com a Ana mais tempo, me dedicar. Foi consciente e fácil e fiquei dedicada a ela uns três anos.
Terra: E a volta, como foi?
S.P.: Voltei para a Cultura, fui fazer outras coisas. Na Band voltei também, mas acabei não tendo a oportunidade de fazer o que eu queria. Mas tudo bem, TV é assim. Tem que ter cabeça para segurar essa onda, para não achar que o problema é com você.
Terra: Foi difícil?
S.P.: Às vezes desaponta, a gente se desgasta, às vezes não tem dinheiro, a equipe não é boa, o horário não é bom. A televisão está muito mais competitiva, o que se pede é que você faça um programa cada vez mais agressivo nesse sentido.
Terra: Como é a relação com os fãs hoje?
S.P.: Muito carinhosa. Se você for comigo aqui no supermercado da frente você vai ver, todo mundo fala: ‘quando você volta?’. Ouço isso 20 vezes por dia.
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